18/04/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

A galera do tudo vai dar certo

Publicado em 09/06/2017 12:00 - Rodrigo Amém

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No último dia 17 de maio, a Instituição Evangélica de Novo Hamburgo (IENH) organizou um recreio temático onde seus alunos se vestiram de lixeiros, balconistas, cozinheiros. Enfim, profissões de baixa remuneração. O tema era "Se nada der certo". Como era possível de se prever para todos os seres pensantes (que não fazem parte da equipe Diretiva e Pedagógica da instituição), deu ruim.

A ideia foi vista como preconceituosa e elitista pela esmagadora maioria da sociedade sã. O que forçou a instituição a emitir uma inacreditável nota de esclarecimento. A defesa começa lembrando que a escola tem 185 anos de "tradição". Ótima palavra a ser usada na defesa de práticas preconceituosas e elitistas.

Depois, afirma que não discrimina "determinadas profissões, até porque muitas delas fazem parte do quadro administrativo e são essenciais para o bom funcionamento da Instituição". Mais ou menos a mesma coisa que dizer: "racista? Eu? Que isso!? Eu tenho um monte de empregado negro!"

Este interessante estudo de caso de RP termina dizendo que foi tudo um "mal entendido". A ideia não era destilar o preconceito de classes, mas "trabalhar o cenário da Não Aprovação no Vestibular". Essa era a real intenção do "não dar certo na vida". Que tal?

Teve também quem achasse um absurdo condenar esses meninos de 17 anos por uma brincadeira. Os alunos do terceirão do IENH estariam traumatizados, com vergonha de dizer em que escola estudam. São apenas crianças se divertindo, não tinham consciência de seus atos. Pobres meninos ricos.

Os alunos do terceirão do IENH estariam traumatizados, com vergonha de dizer em que escola estudam. São apenas crianças se divertindo, não tinham consciência de seus atos. Pobres meninos ricos.

A estes coitadinhos, eu gostaria de estender o meu alento. Não se preocupem, galerinha. O sistema existe para garantir que tudo sempre dê certo para vocês. A mensalidade de muitos salários mínimos que sua família paga não cobre apenas as aulas. Também serve para garantir que seu círculo de relacionamentos seja formado exclusivamente por famílias de poder e influência. Num futuro próximo, os pais de seus coleguinhas de classe vão convidá-lo a fazer parte do conselho diretor de suas empresas. Os consultores de RH chamam isso de "networking", a expressão liberal para "sistema de castas". Pode chamar isso de "meritocracia de berço", se preferir.

Então, sua fantasia de "nada deu certo" é só isso. Um figurino de Halloween. O sistema vai garantir que você permaneça onde seu papai te colocou. Fique tranquilo. O vestibular é só um detalhe. Tudo vai dar certo pra você, tesouro.

Em tempo: eu não sei se outra escola de elite pretende voltar a promover esta "atividade cultural". Acredito que os tempos de intolerância que vivemos praticamente garantem que outros estabelecimentos de ensino seguirão o exemplo numa "defesa da liberdade de expressão" dos meninos. Provavelmente em São Paulo e com barraquinha de cachorro quente do MBL.

Nesse caso, eu gostaria de propor novas fantasias aos próximos terceirões do camarote. Figurinos mais realistas sobre o que acontecerá em suas vidas "se nada der certo":

– Diretor de Marketing da Empresa do Papai;

– Solteirona pensionista filha de coronel;

– Vereador com caixa 2 financiado com a empresa do titio;

– Diretor de ONG que lava dinheiro do papai deputado;

– Chefe da Casa Civil do papai prefeito;

– Governadora do Curral Eleitoral do Papai;

– Promoter de Rave em Búzios financiada com dinheiro do SUS.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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