18/04/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

O teatro invisível dos presidentes horríveis

Publicado em 07/04/2017 12:00 - Rodrigo Amém

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Aconteceu alguma coisa muito estranha na noite de quinta-feira.

Eu fui dormir e Trump ainda era um dos menos populares presidentes da história dos EUA, seriamente ameaçado por acusações de espionagem e traição. Surgiam evidências de sua conspiração com a Rússia para manipular o resultado das eleições.

A Síria ainda era um barril de pólvora e crueldade, onde Putin garantia que o sanguinário Assad não seria importunado pela "intromissão ocidental". Essa tensão levou o ex-presidente Obama a consultar o Congresso da última vez que Assad usou armas químicas contra seu próprio povo. Deputados e senadores desconversaram. Não disseram nem sim nem não para o pedido de intervenção militar do presidente. E o próprio Trump, na época apenas um pré-candidato nanico, entupiu o twitter de mensagens insistindo que os EUA não deviam se envolver na guerra dos outros.

Hoje de manhã eu abri o computador e foi como se tivesse acordado em outra dimensão. A imprensa americana agora elogiava a resposta "corajosa e imediata" do presidente Trump. Depois que a imagem de bebês sufocando envenenados invadiu as timelines, o governo americano bombardeou as forças de Assad. Contra todas a expectativas, Putin reagiu com um muxoxo diplomático e ficou por isso mesmo. E, de uma hora para outra, o bufão que se mostrava incapaz de terminar o primeiro mandato era aplaudido pelos comentaristas dos noticiários.

Do nada, Trump deixou de ser Temer e virou Truman. E eu acordei hoje num mundo em que americano nenhum parece enxergar o sangue escorrendo pelas cortinas desse teatrinho.

Meses atrás, Trump era incapaz de fazer uma crítica a Putin. "Existem muitos matadores no mundo. Nós temos muitos matadores. Você acha que nosso país é inocente?", declarou numa entrevista, ao ser perguntado se não era errado elogiar um governante com um histórico de assassinatos. Agora, este mesmo Trump decide atacar um aliado desse mesmo mandatário russo.

Claro, mudar de opinião ao seu bel prazer é a cara de Trump. Foi assim que ele enganou metade do país e virou presidente. Mas o que me surpreende é a velocidade com que a imprensa norte-americana comprou essa encenação.

Do nada, enquanto as investigações sobre o conluio com os russos fechavam o cerco e os índices de reprovação do americano armavam a cama para o impeachment, Assad – o protegido de Putin – resolveu usar armas químicas contra seu próprio povo.

Do nada, Trump abandonou seu discurso de nacionalismo e não envolvimento com conflitos externos e atacou um aliado do seu déspota favorito.

Do nada, Putin deixa seu aliado ser atacado e responde com um press release, reafirmando seu papel de vilão nessa ópera bufa.

Do nada, Trump deixou de ser Temer e virou Truman. E eu acordei hoje num mundo em que americano nenhum parece enxergar o sangue escorrendo pelas cortinas desse teatrinho.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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