19/04/2024 - Edição 540

Especial

Como a reforma trabalhista vai te prejudicar

Publicado em 05/04/2017 12:00 -

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No final de 2016 o governo Michel Temer (PMDB-SP) enviou ao Congresso Nacional uma proposta de reforma trabalhista, que hoje passa por análise na Câmara dos Deputados como o Projeto de Lei 6787/2016. A proposta busca alterar alguns pontos específicos na lei trabalhista, relacionados principalmente à jornada de trabalho. O projeto recebeu 840 emendas ao texto original. O relator, deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), fixou o dia 13 de abril como data para apresentar seu parecer à proposta.

O assunto é bastante polêmico e tem dividido a opinião pública. Enquanto o governo defende que as regras da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), elaborada nos anos 1940, já não mais atendem a todos os setores da economia, especialistas temem que a mudança resulte em precarização do trabalho.

Os críticos da reforma garantem que ela pode elevar de modo significativo a jornada de trabalho dos brasileiros, além de gerar outras mudanças importantes na vida dos trabalhadores. Além da carga horária, outras mudanças em vista são a forma de remuneração, o parcelamento das férias e o trabalho em home office. Esses aspectos poderão ser negociados diretamente entre sindicatos e empresas, de acordo com o projeto de lei 6.787/2016, que contém os principais pontos da reforma. Além disso, a proposta facilita a criação vagas temporárias e em tempo parcial, que dão menos direitos aos funcionários e podem tomar o lugar dos empregos tradicionais.

Muitas dúvidas ainda pairam sobre a reforma. Juristas e advogados questionam a legalidade de medidas contidas na proposta, potencialmente contrárias a princípios básicos da Constituição. Como por exemplo a jornada máxima de 44 horas semanais e a garantia do salário mínimo.

O Ministério Público do Trabalho afirma que o projeto é inconstitucional e defende a sua rejeição por completo. Se aprovadas, segundo previsão do órgão, as medidas podem gerar insegurança jurídica e muita confusão nos tribunais.

Se já estivesse valendo em janeiro, por exemplo, o projeto do governo Temer abriria uma brecha para 28 horas de serviço acima da jornada normal do mês. Seria o equivalente a sete horas extras por semana, nas quatro semanas cheias do mês.

Em outros meses, com mais feriados e menos dias úteis, o estrago poderia ser ainda maior. A jornada normal máxima em abril de 2017, de acordo com as regras atuais, é de 164 horas. Já para cumprir a jornada máxima prevista por Temer sem ter que que trabalhar nos feriados, seriam necessárias 11h36 por dia, de segunda à sexta, durante as quatro semanas deste mês.

Ainda há muitas incertezas sobre essas mudanças, devido às contradições entre o texto constitucional e o da nova lei. Além disso, a Constituição fala em horas trabalhadas por dias e semanas, enquanto o da nova lei trata de horas por mês. Por isso, por enquanto, só é possível fazer estimativas.

A Constituição limita a duração da jornada a oito horas diárias e 44 semanais – o que significa, no máximo, 2.296 horas anuais. São permitidas, além disso, até duas horas extras por dia, desde que em caráter eventual.

Com a reforma, acordos entre sindicatos e empregadores passam a ter força de lei para negociar jornadas de até 220 horas mensais – o que significa 2.640 horas por ano.  Isso significa até 344 horas a mais de horas trabalhadas por ano.

O projeto de lei também relativiza o limite máximo de 10 horas de trabalho por dia: as oito horas normais acrescidas de duas horas extras. Acordos coletivos estabelecendo jornadas de até 24 horas ininterruptas, que foram invalidados pela Justiça do Trabalho no passado, tenderiam a ganhar respaldo jurídico.

Além disso, não está claro se há margem para jornadas que superam o limite de 220 horas mensais, com as horas excedentes sendo computadas como horas extras. “O projeto de lei permite esse entendimento”, avalia Guilherme Feliciano, vice-presidente da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra). Seria uma situação semelhante à do Japão, onde as horas extras podem ser estendidas sem limites e o excesso de trabalho gera números alarmantes de suicídios e mortes por exaustão.

Por fim, o controle das horas trabalhadas é outro aspecto que tende a ser impactado, pois a forma como ele é feito passaria a ser objeto de negociação entre empregadores e sindicatos [atualmente, os critérios para o registro eletrônico de ponto são regulados por uma portaria do Ministério do Trabalho]. Segundo Feliciano, isso contribuirá para a adoção de sistemas não confiáveis de registro.

Retrocesso à vista

Mesmo sem a autonomia que o projeto lhes confere, diversos acordos entre patrões e sindicatos já são questionados nos tribunais por prejudicarem os trabalhadores. Até mesmo denúncias de corrupção pairam sobre eles. “A realidade sindical brasileira é marcada pela presença, lado a lado, de sindicatos sérios, combativos e dotados de grande representatividade e de sindicatos com pouca ou nenhuma legitimidade”, avalia o procurador geral do Trabalho, Ronaldo Fleury, em nota técnica sobre a reforma trabalhista. “São geridos por um pequeno grupo de pessoas que os exploram como se a entidade fosse seu patrimônio pessoal”.

Em audiência pública realizada em março, representantes de entidades ligadas aos trabalhadores afirmaram que a reforma trabalhista representa um retrocesso, por gerar precarização do trabalho e resultar em perda de direitos conquistados após anos de luta.

Para o presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), Ângelo Costa, não há nenhuma prova de que a reforma atenderá à principal motivação do governo: a geração de empregos. Segundo Costa, o próprio governo não apresentou dados que demonstrem que flexibilizar o trabalho reduz a taxa de desemprego. Para ele, a medida leva apenas à precarização.

Outra crítica é que o cenário de crise prejudica a paridade em negociação de acordos trabalhistas. De acordo com Francisco Giordani, diretor da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, em São Paulo, a CLT é o instrumento de garantia de força e proteção aos trabalhadores e está longe de ser uma ferramenta atrasada.

O desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região, José Maria Quadros de Alencar, diz que a reforma é desnecessária. “Tenho presenciado ao longo dos anos várias tentativas de reforma trabalhista que simplesmente não vingam e pretendo lhes convencer de que essa é mais uma reforma trabalhista que é desnecessária ou não vingará”, disse. Para ele, a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) regula bem o mercado de trabalho industrial.

O presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), Carlos Fernando da Silva Filho, também fez críticas à proposta de reforma trabalhista. Para ele, as novas regras vão diminuir os salários e o número de vagas de trabalho em tempo integral, precarizando a vida dos trabalhadores.

O presidente do Sinait avalia que proposta vai incentivar a contratação de mais trabalhadores de tempo parcial pelas empresas, ao permitir que esses empregados trabalhem 32 horas semanais, em vez das 25 horas semanais. “O que está na reforma sobre o trabalho em tempo parcial é na verdade uma das iniciativas que vai promover a redução salarial e assim concorrer com as vagas que queremos aumentar que são as vaga em tempo integral e por prazo indeterminado porque são essas que têm uma ligação direta com a própria natureza do trabalho e do emprego”, disse.

O advogado trabalhista Mauro de Azevedo Menezes acredita que a reforma será lesiva aos direitos sociais do brasileiro. Ele observou que a maior parte das ações trabalhistas hoje no Brasil ainda é para receber direitos básicos, como os direitos rescisórios. E criticou o fato de as reformas no Brasil terem abrangência muito ampla, incluindo ao mesmo tempo terceirização, fomento do trabalho temporário e das negociações coletivas. O advogado apontou que não há sindicatos fortes de trabalhadores terceirizados e temporários, prejudicando as negociações. “Como dar aos sindicatos maiores responsabilidades, com a explosão das formas atípicas de trabalho, onde não há sindicalismo?”, questionou.

Menezes observou ainda que a reforma trabalhista ocorrida na França deixa claro que a negociação coletiva não pode abranger jornada máxima de trabalho, como prevê a proposta do governo brasileiro. Para ele, a negociação deve ocorrer e deve ser fomentada, mas respeitando base mínima de direitos, como já ocorre hoje.

Membro do Fórum Sindical dos Trabalhadores (FST), Artur Bueno afirma que a possibilidade de ampliação de jornada de trabalho de 8 horas para 12 horas, prevista na reforma, pode aumentar o desemprego, já que, ao implantar jornada de 12 horas, uma empresa pode não precisar de todos os seus empregados atuais. Segundo ele, a ampliação da jornada também poderá ampliar o número de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais. Hoje, segundo ele, o número de acidentes já é elevado, e a maior parte dos acidentes ocorre no fim do expediente.

Em defesa da reforma

O Ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, afirma que a reforma trabalhista não pretende retirar direitos do trabalhador, mas aprimorá-los. Para o ministro, as regras da CLT não contemplam mais todos os setores econômicos, deixando muitas modalidades de trabalho de fora da legislação. As novas regras permitirão que cada empresa negocie diretamente com seus funcionários, garantindo que as jornadas de trabalho se adaptem melhor às necessidades de empregados e empregadores.

Nogueira afirma que o objetivo da reforma é dar mais clareza na relação de contrato entre trabalhador e empregador, já que hoje a CLT permite interpretações bastante subjetivas sobre as leis de trabalho.

O Governo Federal garante ainda que a reforma trabalhista é uma medida necessária para a retomada da economia e geração de empregos no Brasil. Além disso, a mudança ajudará a reduzir o número de processos na Justiça do Trabalho, já que os acordos coletivos serão valorizados acima da CLT.

O desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, João Bosco Pinto Lara defende a reforma como necessária para a retomada do crescimento do país e avalia que as medidas propostas não vão retirar direitos dos trabalhadores. “Ouço nos discursos de quem é contra a reforma trabalhista que ela retira direitos. Pergunto: Onde? De quem? Não retira. Os direitos trabalhistas fundamentais estão enumerados um a um no Artigo 7 da Constituição Federal. Pelo meu conhecimento, não há nenhuma proposta de reforma constitucional”, disse João Bosco.

Governo promete 5 milhões de empregos, especialistas discordam

O Governo Federal afirma que a reforma poderá criar até 5 milhões de empregos. O argumento tem sido repetido especialmente pelo ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira. A promessa, porém, é recebida com surpresa por especialistas. O argumento é que a legislação não consegue criar empregos e é apenas o crescimento econômico que poderá abrir postos de trabalho.

"Uma lei não cria empregos. A lei pode dar segurança jurídica para uma empresa criar postos", diz a gerente executiva de relações do trabalho da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Sylvia Lorena. O professor especialista em relações do trabalho da Unicamp, Jose Dari Krein, concorda. "Não vejo base para essa previsão porque empresas contratam em função da necessidade. Se não houver demanda, não haverá contratação", diz, ao ressaltar que é a atividade econômica que determina a tendência do mercado de trabalho.

Segundo o ministro, a projeção foi feita com base na premissa de que a reforma modernizará os contratos temporários e de jornada parcial. Ao citar dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Nogueira lembra que esse grupo de países tem cerca de 16% dos trabalhadores com esses dois tipos de contratos. Já no Brasil, a fatia é de apenas 6%.

Se a reforma for aprovada, argumentou o ministro, o uso desse tipo de contrato aumentará para a média da OCDE e poderão ser criados 5 milhões de empregos – número que corresponde à diferença de 10 pontos da força de trabalho brasileira que atualmente gira em torno de 50 milhões de pessoas.

"Parece uma conta simplória. Se houver o aumento do uso desses contratos, não creio que não seriam criados postos novos. O que tende a acontecer é a migração de pessoas que já são ocupadas, mas no mercado informal", diz o professor de doutorado especialista em economia do trabalho do Insper, Sergio Firpo.

Mauro de Azevedo Menezes também não acredita nas projeções do Governo. Ele ressalta que a modificação da legislação não traz a garantia de geração de empregos. “Não há nenhum estudo que indique esta relação de causa e efeito”, alertou. “Tanto é que muitos países fizeram reforma trabalhista e voltaram atrás”, acrescentou.

OS 5 PRINCIPAIS PONTOS DA REFORMA TRABALHISTA

1) Acordado sobre o legislado

Uma das principais proposições da reforma trabalhista é dar força de lei aos acordos coletivos firmados entre sindicatos e empresas, priorizando-os sobre a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), considerada por muitos uma legislação rígida. A medida permite mudanças em doze pontos específicos, que dizem respeito ao salário e à jornada de trabalho. Não podem ser alteradas normas de saúde, segurança e higiene do trabalho.

O governo defende que a mudança dará mais autonomia aos trabalhadores durante as negociações e fortalecerá o movimento sindical, além de gerar mais empregos. O projeto é apoiado principalmente pelo empresariado e por alguns sindicatos, sobretudo os patronais.

Por outro lado, a reforma encontra resistência no Ministério Público do Trabalho, na Justiça do Trabalho e em alguns partidos políticos, que defendem que a reforma fere direitos fundamentais, historicamente garantidos pela CLT.

2) Contrato temporário

A reforma trabalhista também propõe a alteração das regras do trabalho temporário. Um dos pontos apresentados é a ampliação do tempo dos contratos temporários para 120 dias, com o prazo podendo ser prorrogado por mais 120 dias. Atualmente, o trabalhador temporário pode ser contratado por 90 dias e esse prazo pode ser prorrogado pelo mesmo período. Para ampliação do prazo, será necessário pedir permissão ao Ministério do Trabalho.

Se aprovada a proposta, os trabalhadores temporários terão seus direitos equiparados aos dos trabalhadores em regime CLT. Isto quer dizer que eles terão não só direito a salário equivalente à dos empregados na mesma categoria, como serão assegurados os direitos relativos aos contratos por prazo determinado, como FGTS, horas extras, adicionais, entre outros.

A principal diferença entre os trabalhadores temporários e os trabalhadores pela CLT será que no primeiro há um prazo determinado de trabalho. Outra diferença é que ao sair da empresa, o trabalhador temporário não receberá as verbas rescisórias por demissão sem justa causa. É importante saber também que o trabalho temporário não se aplica aos empregados domésticos.

Enquanto hoje a contratação de trabalhadores temporários pode ser feita somente via empresas de trabalho temporário, pelas novas regras a contratação poderá ser feita também diretamente pela empresa tomadora de serviço. Além disso, será permitido que o trabalho temporário seja feito em regime de tempo parcial.

Outra determinação do projeto de lei é que as empresas de trabalho temporário comprovem a regularidade da sua situação com o INSS, os recolhimentos do FGTS e a certidão negativa de débitos junto à Receita Federal.

3) Jornada de Trabalho

Se a reforma trabalhista for aprovada, as novas regras permitirão que trabalhadores e empregadores possam negociar, através de acordos coletivos, de que forma a jornada de trabalho será executada durante a semana. Hoje, há um limite máximo de 44 horas semanais, sendo duas dessas cumpridas como hora extra. Pela nova regra, trabalhadores poderão cumprir até 48 horas semanais de trabalho, com quatro delas sendo horas extras.

A proposta também autoriza a possibilidade de compensação de horas: o trabalhador poderá exercer até 12 horas de trabalho por dia, desde que receba folga a partir do momento em que completar as 48 horas semanais. Ou seja, na prática, o trabalhador poderá cumprir a jornada semanal em quatro dias.

É a mesma distribuição de jornada de trabalho já exercida em algumas profissões, como na área de saúde e segurança. A proposta do governo é estender essa forma de escala para outras profissões.

Essa sem dúvida está entre as medidas mais polêmicas da reforma trabalhista. Enquanto alguns especialistas defendem que a proposta não é tão novidade assim, outros argumentam que a medida não leva em consideração outros aspectos da vida do trabalhador, como o tempo gasto em deslocamento, que somado às 12 horas diárias de trabalho resultaria em até 16 horas diárias gastas somente em função do trabalho.

4) Regime parcial de trabalho

Outro ponto da reforma trabalhista é a alteração nas regras do regime parcial de trabalho. Hoje, as empresas podem contratar trabalhadores em jornadas parciais de até 25 horas semanais, não sendo permitido o cumprimento de horas extras.

A proposta do governo prevê a ampliação da jornada parcial de trabalho para até 30 horas semanais, sem possibilidade de hora extra, ou para até 26 horas semanais com possibilidade de até 6 horas extras.

Outra mudança é o aumento do período de férias para 30 dias independente do número de horas trabalhadas, igualando o tempo de férias do regime parcial com o do regime integral de trabalho. Uma terceira mudança é a possibilidade de troca de ⅓ do período de férias por pagamento financeiro.

5) Terceirização do trabalho

Outra medida considerada parte da reforma trabalhista é a regulamentação da terceirização do trabalho. Aprovada e sancionada separada das demais medidas, em março passado, a lei da terceirização permite que todas as atividades de uma empresa possam ser terceirizadas. Antes, a regra valia apenas para as atividades-meio, aquelas não consideradas a principal atividade da empresa, como por exemplo limpeza e segurança.

Pela antiga legislação, o funcionário terceirizado poderia cobrar pagamento de direitos trabalhistas tanto da empresa terceirizada, quanto da empresa que a contratou. Agora, os direitos trabalhistas só poderão ser cobrados junto à empresa contratante quando esgotados todos os recursos de cobrança contra a empresa terceirizada.

Os defensores da terceirização afirmam que a mudança permitirá o aumento da produtividade das empresas, a redução dos custos e maior flexibilidade para realizar contratações. Além disso, garantem que a terceirização proporcionará melhores condições de trabalho e trará mais proteção aos empregados terceirizados.

Contudo, os que são contrários à mudança afirmam que ela resultará em piores condições de trabalho, já que os trabalhadores terceirizados ganham em média 25% a menos e trabalham mais horas na semana do que empregados não terceirizados. Além disso, argumentam que a nova legislação dificultará que terceirizados reclamem seus direitos na justiça.


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