25/04/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

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Publicado em 17/03/2017 12:00 - Rodrigo Amém

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Ser jornalista em um grande veículo dá prestígio. É quase como ser ator ou cantor de projeção nacional. A diferença são as questões éticas da profissão. A maior parte das TVs proíbe seus jornalistas de explorarem comercialmente a fama que suas bancadas lhes proporcionam. Para evitar que suas estrelas do jornalismo debandem para outras freguesias menos pudicas, a Globo passou a investir em um faux jornalismo, uma linha de programas de entretenimento que tem um pé na redação de telejornal. Sai a notícia, entra a reportagem de costumes e entrevista com a Anitta. Sai bancada, entra sofá. O famoso processo de Hebenização da TV brasileira.

Para alguns jornalistas, especialmente aqueles importados da MTV como o Zeca Camargo, foi mais uma questão de adequação de linguagem. Para Fátima Bernardes era uma questão de sobrevivência. Por mais que então marido fosse o chefe, não é realista esperar uma mulher com mais de 50 permanecesse na bancada do principal telejornal da casa. Velho passa credibilidade, velha passa aflição e lembranças da finitude da existência humana, pensam os diretores de TV. Por outros motivos, passaram pelo mesmo processo alguns jornalistas esportivos como o Tiago Laifert e o nosso querido Fausto Silva: ambos eram mais engraçadinhos do que informativos em suas observações futebolísticas.Todos eles afirmam que a mudança do jornalismo para o entretenimento se deu pelo amor ao desafio.

Mas fica claro também um outro amor: o financeiro. Livres das proibições éticas, esses apresentadores podem finalmente vender sua credibilidade para a publicidade. E eles vendem de tudo. De sandália a automóvel, cortando até a carne (no prato da família no almoço de domingo). Cada contrato que transforma um ex-jornalista num garoto propaganda pode render-lhe milhões. E esses acordos são fechados às dúzias. Tão lucrativos que mesmo ídolos da música, antes vegetarianos, topam contracenar com um bife sangrando.  

O problema é quando o artista aluga seu prestígio a uma marca que suborna funcionários do governo para vender carne podre, com químicos para mascarar o ranço e misturada com papelão para render mais.

O público, acostumado a ver aquela figura como fonte de informação transparente e imparcial (pausa para o riso debochado), compra. Claro que compra. Se não por confiar no histórico daquela personalidade, por querer experimentar um pouco de sua vida de sucesso. Comer o presunto que a Fátima afirma escolher pessoalmente para seus trigêmeos cinematográficos na sua cozinha hollywoodiana. Para a Seara, esse fetiche de pertencimento vale milhões. E sai barato, porque tem retorno.

O problema é quando dá errado.

O problema é quando o artista aluga seu prestígio a uma marca que suborna funcionários do governo para vender carne podre, com químicos para mascarar o ranço e misturada com papelão para render mais. Aí a celebridade expressa uma indignação. Diz que também é vítima. Claro, não tão vítima quanto quem comprou e consumiu carne vencida. Uma vítima da própria ignorância.

Não quero dizer com isso que a Fátima Bernardes tem culpa pelas práticas da Seara. Muito pelo contrário, ela pulou fora do cargo de garota-propaganda da marca muito antes desse escândalo. Há um dois anos, uma pesquisa demonstrou que carne embutida podia causar câncer. Mesmo se consumida em condições ideais. O que, convenhamos, é pior que comer papelão. Ela se preocupou com a sua recém conquistada liberdade de explorar comercialmente a própria reputação. Infelizmente, muita gente – assim como eu – ainda pensa em presunto Seara quando a vê fazendo coreografias de axé nas manhãs da Globo.

Como a publicidade por endosso de pessoa pública é o jeito mais preguiçoso e rentável de anunciar um produto, não há qualquer chance de ver essa prática desaparecer ou de qualquer celebridade ser responsabilizada por dar credibilidade a uma empresa picareta. Cabe ao consumidor se proteger, como sempre. E, para isso, basta fazer uma pergunta: Desde quando (celebridade) entende de (produto)? Ou então: Será que alguem com o salário de (celebridade) usaria esse mesmo produto que estão recomendando pra mim? Se as respostas forem: “nada” e “nem pensar”, seu bolso e sua saúde vão agradecer seu ceticismo.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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