29/03/2024 - Edição 540

Entrevista

Entrevista: Lilian Silvestrini e Angela Fernandes, coordenadoras do Mães da Fronteira

Publicado em 17/04/2014 12:00 -

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Em 2012 os jovens Breno Silvestrini, 18, e Leonardo Fernandes, 19, foram encontrados mortos após serem sequestrados e torturados por jovens que pretendiam trocar o veículo de uma das vítimas por drogas na Bolívia. O crime, bárbaro, deixou a sociedade em estado de choque e suscitou protestos e manifestações. Em 15 de agosto de 2013, as mães de Breno e Leonardo, Lilian Silvestrini e Angela Fernandes criaram o grupo Mães da Fronteira cujo objetivo é transformar cada família em agente na luta contra a violência e a impunidade no Mato Grosso do Sul e no Brasil.

 

Por Victor Barone

Em setembro passado vocês se reuniram com os presidentes do Senado Federal, Renan Calheiros; da Câmara Federal, Henrique Alves; com o vice-presidente Michel Temer e com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Passados mais de seis meses, o que estas visitas resultaram de prático?

Lilian Silvestrini – O Mães da Fronteira começou depois que eu e a Ângela entendemos que o grande facilitador do assassinato dos meninos foi esta fronteira totalmente aberta, desguarnecida, desprotegida. Um portão aberto por onde entra e sai quem quer. Decidimos que iríamos buscar de algo legal que tornasse esta fiscalização mais aprimorada.

Angela Fernandes – Com isso em mente fomos a Brasília e levamos uma série de sugestões e pedidos. Algumas destas sugestões avançaram, outras não saíram do papel. Estamos planejando uma volta à Brasília para cobrar deles, especialmente do ministro da Justiça, um posicionamento. Ele havia se colocado totalmente a nosso favor a princípio, mas uma das nossas questões fundamentais, o aumento do efetivo da Polícia Rodoviária Federal (PRF), não teve sequência. Há 1.200 novos policiais rodoviários federais formados e só sete deles virão para o Estado. Já está determinado que outros 125 atenderão as cidades da Copa. Ou seja, ficaremos sem nada. Na ativa, hoje, são apenas 140 policiais para cuidar de todo o Mato Grosso do Sul. É insuficiente.

Que pontos foram atendidos?

Lilian Silvestrini – Eles colocaram para funcionar o Sistema de Monitoramento das Fronteiras (Sisfron). É um projeto piloto ainda, que não está em funcionamento ainda. Mas, já compraram material. A notícia é que estão treinando homens para atuar especificamente em fronteira. Mas, este é um trabalho destinado ao exército. É preciso achar uma forma para que a polícia trabalhe integrada para apoiar as forças armadas nesta vigilância. Cada um tem seu papel. Além disso, o Mato Grosso do Sul aderiu ao Programa Estratégia Nacional de Fronteiras (Enafron), da Secretaria Nacional de Segurança Pública. A secretária Nacional de Segurança Pública, Regina Miki, esteve aqui, trazendo viaturas. O Governo do Estado se comprometeu a abrir concurso para mais de mil policiais. É um passo.

Além do aumento do efetivo da PRF, que sugestões não foram atendidas?

Lilian Silvestrini – Outra sugestão que levamos foi um pedido referente à educação. Entendemos que muitos destes crimes ocorrem porque crianças estão crescendo sozinhas. Na creche elas ficam lá o dia todo enquanto a mãe trabalha, mas quando atingem certa idade e vão para a escola elas ficam sozinhas durante um período, pois os pais precisam trabalhar. Como consequência, vão para as ruas e se contaminam. Se o governo implementasse com mais veemência uma política de escolas de período integral, seria um alento.

O grande facilitador do assassinato dos meninos foi esta fronteira totalmente aberta, desguarnecida, desprotegida. Um portão aberto por onde entra e sai quem quer.

Vocês também cobraram uma posição mais firme do Governo Federal em relação à legalização na Bolívia de carros roubados no Brasil.

Angela Fernandes – A diplomacia brasileira tem que se posicionar. A postura do governo boliviano é aviltante. É preciso honestidade. Entendemos que a política de autonomia dos povos se refere a políticas transacionais ligadas a negociações lícitas, e não ao ilícito. O presidente Evo Morales, quando questionado sobre estes carros regularizados no país, disse que quem rouba e mata são os brasileiros. O governo brasileiro não se posiciona. Quando comentei sobre isso com o ministro (da Justiça, José Eduardo Cardozo) ele riu e disse: “É assim mesmo que ele fala…”. Uma piada. Em fevereiro, a presidente Dilma liberou uma verba de mais de R$ 60 milhões para resolver um problema energético da Bolívia, sorrindo… sou a favor que se ajude os países mais  pobres, mas você pode exigir contrapartidas.

Vocês duas viveram um drama pessoal inenarrável e, a partir daí, optaram por reivindicar segurança e cidadania. A impressão é que todos nós vivemos numa bolha e despertamos quando somos as vitimas…

Lilian Silvestrini – Costumo dizer que vivíamos em uma zona de conforto. Claro que eu tinha noção dos problemas do país, mas não me envolvia com eles. Estava tudo certo, minha vida estava organizada. Somos pessoas do bem, trabalhamos, pagamos nossas contas, criamos nossos filhos para serem pessoas do bem. Aí você toma um choque muito grande quando percebe que tudo o que você faz pensando que está certo e que vai te garantir um futuro não é verdade. Você passa a perceber que tem que se envolver sim, tem que fazer algo para mudar.

As pessoas não tem iniciativa.

Lilian Silvestrini – Nas nossas ações, percebemos que a sociedade é muito morosa. Recebemos muitos recados de incentivo, mas se a pessoa tiver que levantar da cama num domingo de manhã, com tempo fechado, para participar de uma manifestação ela não se meche. Não vai. A sociedade tem que despertar, não pode esperar uma tragédia acontecer consigo mesmo para cair na real. Esperamos que cada um vire um agente multiplicador desta ideia. Que a pessoa não espere acontecer na casa dela, como nós esperamos. Somos pessoas esclarecidas. Sou psicóloga, a Angela é engenheira civil, tivemos boa educação, não podemos dizer que não éramos pessoas esclarecidas. Mas vivíamos na zona de conforto. Fazemos questão de dizer para as pessoas que sabemos como é. Domingo, chuvoso, alguém vai no meu lugar… Tem uma pessoa que sempre nos manda recado do tipo: “Muito obrigada pelo que vocês fazem por nós…”.

A sociedade tem que despertar, não pode esperar uma tragédia acontecer consigo mesmo para cair na real.

A mensagem e exatamente o oposto, não e?

Angela Fernandes – Exato. Todos nós temos que fazer um pouco. Se todos não acordarem nada poderemos fazer para mudar o que está errado. Nossa principal meta é a conscientização das pessoas em relação a isso. É preciso escolher bem na hora de votar. Todos estão indignados com a impunidade, mas ninguém quer tomar para si a responsabilidade.  Em quem você votou para deputado federal? Para senador? Você perguntou a ele o que ele pensava sobre o código penal? Você perguntou para seu governador porque ele não construiu mais presídios?

Na semana passada entrevistamos a delegada Maria de Lourdes Cano. Ela fez um paralelo entre o Caso Erlon (leia a entrevista AQUI) e a morte de Breno e Leonardo. Ambos os crimes foram cometidos por jovens, com família estruturada, emprego. É terrível perceber que jovens estão tão vazios a ponto de cometer crimes tão bárbaros.

Lilian Silvestrini – Há uma inversão de valores. Se não for retomado este trabalho com as crianças, nas escolas, não haverá futuro. Se você acha que uma vida vale menos que um celular… Alguém que não tem valores, que não acredita em nada, que não tem Deus em sua vida, que não tem amor à sua pátria, aos seus pais, ao seu próximo e a sua própria vida…

Quando somos vítimas de casos bárbaros como o que vocês vivenciaram perde-se um pouco de esperança na sociedade?

Angela Fernandes – Não. Os que cometem crimes como estes são uma parcela muito pequena. A maioria das pessoas são pessoas boas, de boas intenções. A maioria das pessoas se compadece, tem sentimentos. As pessoas precisam compreender é que temos que recuperar os valores, elas precisam acordar. Esta parcela pequena é vitima, creio eu, de uma psicopatia. Não deveriam ser presas, deveriam ficar trancadas em manicômios judiciais, pois não têm condições de conviver com o outro, não têm sentimentos, não têm empatia. Uma coisa é você matar num momento de fúria – embora também não seja justificável – outra é matar como quem amassa um papel e joga na lixeira. É bem diferente. Temos que repensar a maneira de punir estes crimes.

Uma coisa é você matar num momento de fúria – embora também não seja justificável – outra é matar como quem amassa um papel e joga na lixeira.

No entanto esta minoria apavora a sociedade. Em sua opinião, a Justiça brasileira faz frente a esta minoria de forma correta? A punição aplicada e justa?

Lilian Silvestrini – Acho que a maior falha que existe na Justiça é que ela, no papel, é muito boa, mas na hora da execução da lei esbarramos em lacunas que permitem brechas.  Por exemplo: há alguns dias um juiz em Ponta Porã (MS) soltou um traficante que havia sido preso com 82 quilos de cocaína. A alegação é que não havia lugar na delegacia. Com certeza lá dentro devia haver um ladrão de galinha que pudesse abrir espaço para o traficante.

Vocês são favoráveis a pena de morte?

Angela Fernandes – Totalmente contra. Só morreriam inocentes. As brechas na lei são muitas. Hoje, o tráfico tem advogados excelentes. Isso não amedronta ninguém, pois até chegar ao fim de um processo como este teriam se passado 20, 30 anos. Não surte efeito imediato. O que deveria mudar é a maneira da pessoa cumprir a pena. Aumentar o tempo para a progressão da pena seria o primeiro ponto. Hoje, o sujeito é condenado a 30 anos e fica cinco na cadeia, e olhe lá. Se ele resolver ler uns livros, trabalhar na cozinha vai diminuindo a pena. Tinha que trabalhar para pagar o arroz e feijão dele, não porque decidiu, mas por obrigação. Isso os direitos humanos não veem. Desumano é deixar um sujeito de 20, 21 anos, com todo vigor da idade, com os hormônios tinindo, 24h sem se ocupar de nada, nem o corpo e nem a mente. Isso é desumano. Se há uma chance de recuperar o criminoso é fazendo com que ele arque com as consequências de seus atos. É igual educar um filho. Se você não fizer com que ele arque com as consequências das escolhas dele, ele não vai crescer nunca. O sistema penal brasileiro é recuperativo, então, que seja levado a sério. Ocorre que, na prática, a teoria é bem diferente. Faz de conta que eu te prendo e você faz de conta que está preso.

Qual a opinião de vocês sobre a redução da maioridade penal?

Angela Fernandes – O Harfouche (promotor da 27ª Vara de Infância e da Adolescência, Sérgio Harfouche) tem um modelo muito interessante. O menor que cometeu um crime bárbaro é emancipado automaticamente. Você não pode nivelar todos os jovens. Um jovem que faz uma besteira, mas que não tem má índole, que cometeu um erro, não pode ser tratado como um psicopata. Este modelo é muito interessante. Se a pessoa tem discernimento para planejar e executar um crime bárbaro, ela tem condições de enfrentar as consequências.

Ouça a entrevista na íntegra.


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