28/03/2024 - Edição 540

Entrevista

Reformas penalizam o trabalhador em nome do Capital

Publicado em 15/03/2017 12:00 -

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Uma das mais eloquentes vozes da esquerda brasileira, o sociólogo e cientista político Emir Sader esteve em Campo Grande no último dia 7, a convite da FETEMS (Federação dos Trabalhadores em Educação de Mato Grosso do Sul). Mestre em filosofia política e doutor em ciência política pela USP (Universidade de São Paulo), Sader afirma que as reformas propostas pelo Governo Federal, especialmente as da Previdência e Trabalhista fazem parte de um processo de destruição das conquistas sociais Dos últimos 30 anos.
Sader afirma que a Reforma da Previdência penalizará especialmente as mulheres, e que a Reforma Trabalhista pode, se vingar nos moldes atuais, desmantelar as conquistas da CLT (Consolidação das Leis de Trabalho). Segundo ele, mais importante que o debate sobre se há ou não, de fato, um deficit da Previdência, é a compreensão de que a dívida das grandes empresas com o Governo Federal alcança um montante três vezes maior do que aquele que o Governo elenca como rombo na Previdência. “Trata-se de uma questão de prioridade e de ponto de vista. Este governo não prioriza o trabalhador, mas o capital”, afirma.
O sociólogo considera que as eleições de 2018 serão um momento crucial para o paÍs. “A popularidade do Lula demonstra que a maioria da população prefere o modelo de desenvolvimento econômico de distribuição de renda, por isso a direita quer tirar ele da jogada”, diz. Para ele, a extrema direita não tem no Brasil a margem de crescimento que possui sua contrapartida europeia, que se apoiou no discurso do desemprego para crescer nos últimos anos. “Um confronto entre Lula e Bolsonaro seria um desastre para a direita brasileira”, afirma Sader.

 

Como o senhor avalia a proposta de Reforma da Previdência do Governo Federal?
Faz parte de um pacote de corte de gastos públicos, de ajuste fiscal duríssimo, colocando em prática pelo núcleo duro do governo, para reduzir os gastos, barateando o preço da força do trabalho. A Reforma da Previdência vem complementada pela Reforma Trabalhista, com o intuito de reverter as prioridades de politicas sociais que surgiram no governo do PT. É uma inversão muito radical destas prioridades, que se reflete no orçamento. É um retrocesso enorme. Prejudica as mulheres especialmente.

Por que as mulheres serão mais prejudicadas?
Os neoliberais usam como argumento a diferença de expectativa de vida entre homens e mulheres no Brasil, para apontar para a ideia de que as mulheres deveriam se aposentar mais tarde que os homens. Para tentar justificar a proposta, o Governo alega que os homens vão menos ao médico porque trabalham mais e não têm tempo. Como se fossem os homens que ficam grávidos, dão à luz, amamentam, cozinham, cuidam da casa e dos filhos. Tudo para tentar descaracterizar a realidade cotidiana, em que a mulher cumpre duas ou três jornadas, contando o trabalho diário, o cuidado com os filhos e o companheiro, a atenção da casa, entre outras funções que as mulheres assumem concretamente. Na média, as mulheres trabalham 39 dias a mais por ano que os homens. Isto é, em 10 anos elas terão trabalhado mais do que um ano a mais que os homens, em 20 anos mais do que dois, em 30 mais do que três, em quarenta mais do que quatro. Ganhando sempre pelo menos 20% a menos. Se se leva em conta o trabalho remunerado e o não remunerado – isto é, as outras jornadas que a mulher tem –, elas trabalham 50 minutos a mais por dia do que os homens. No campo, a diferença é ainda maior, com as mulheres levantando por volta das 4 da manhã para preparar todas as tarefas da casa antes de sair para trabalhar. Nas últimas décadas, aumentou exponencialmente o número de famílias em que a cabeça de casa é a mulher. A mãe assume ainda mais funções, dividindo-as frequentemente com a filha mais velha, que cuida dos irmãos menores, enquanto a mãe trabalha fora em jornada completa. A proposta da Previdência é, antes de tudo, uma medida contra as mulheres, enquanto trabalhadoras e como donas de casa, como mães.

Há quem defenda que não há, de fato, deficit na Previdência.
Além da discussão sobre se há ou não deficit, é preciso entender que a dívida das grandes empresas com o Governo cobre o que eles apontam como deficit da previdência  em três vezes. É tudo muito unilateral, típico de um governo que não foi eleito e que está correndo contra o tempo. De um governo que chegou ao poder através um de mecanismo duvidoso, e agora aplica um programa que foi rejeitado nas urnas durante quatro eleições sucessivas. De qualquer maneira, o deficit que existe é um produto direto da recessão. Se a economia cresce, fortalece a previdência, fortalece a empresa, a arrecadação, a geração de emprego. Tudo que este governo não defende. Seu único compromisso é com o ajuste. Mas o compromisso tem que ser com as pessoas.

Falta debate?
O governo está aproveitando o rolo compressor de uma maioria conservadora no Congresso, e está sendo absolutamente inflexível. Não há debate, até porque o debate exigiria um cenário democrático, e o que temos no Congresso é uma postura unilateral, um Congresso eleito com financiamento privado escuso.

A popularidade do Lula demonstra que a maioria da população prefere o modelo de desenvolvimento econômico de distribuição de renda, por isso a direita quer tirar ele da jogada.

Como o senhor analisa a politica de desmonte de politicas sociais?
Um horror. Teremos um país mais desigual. O grande mérito deste país estava nas politicas sociais que nos diferenciavam em um continente extremamente desigual. Eles (o Governo Temer) eles estão sendo particularmente maldosos com relação a isso. É um governo a favor dos banqueiros. Não do capital financeiro, que financia a produção, mas do capital financeiro que vive do endividamento. Quanto maior a recessão, maior o endividamento do governo, das empresas, das pessoas. É um governo que privilegia o capital negativo, que se fortalece na crise. Para este tipo de visão, a inclusão das políticas sociais não interessa.

A Reforma Trabalhista também está assustando a população. Por que é tão importante defender a CLT (Consolidação das Leis de Trabalho)?
O Brasil começou a se democratizar com a CLT, o conjunto de leis que garantem um mínimo de respeito e observância dos direitos da classe trabalhadora. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) pregou fortemente contra a CLT, estigmatizada como responsável por níveis de investimento empresarial abaixo do potencial, que se daria pelo suposto alto custo da força de trabalho. O governo Lula provou que nada disso é verdade. Que é perfeitamente possível promover um ritmo alto de crescimento econômico com garantia dos direitos dos trabalhadores, a criação de dezenas de milhões de empregos com carteira assinada e a elevação do salário mínimo com ganhos reais em torno de 70% acima da inflação. Desmoralização cabal das mentiras sobre a CLT. Atualmente porém, o governo Temer, pautado pela revanche contra os direitos adquiridos e consolidados nos governos do PT, retoma a mesma cantilena para criminalizar a CLT, os sindicatos e a luta dos trabalhadores. Como se os gastos com salário tivessem algum peso importante no preço final das mercadorias. Busca-se criar as condições mais favoráveis a super exploração do trabalhador e à degradação das condições de trabalho. Expulsam milhões de trabalhadores da esfera dos contratos formais, protegidos pela CLT, para que sobrevivam em condições precárias, na informalidade e sem direitos. Formas cada vez mais selvagens do tal banco de horas, em que o trabalhador ficaria totalmente à disposição dos empresários, para trabalhar jornadas extenuantes, se o capital precisar, para depois ficar tempo longo sem trabalho. É hora de convencer setores cada vez mais amplos de trabalhadores de que sua trincheira indispensável de luta é o sindicato.

Há uma guinada da população brasileira à direita?
Creio que não. O fato do Lula ser favorito para as eleições do ano que vem mostra o contrário. Há um núcleo de classe média que se alinha com Bolsonaro, mas não é a maioria. Há um extremismo nestes setores de classe média, de intolerância, que antes não era visível, mas eu acho que é um setor debilitado. Quem perde com esta turma é a direita tradicional, pois a extrema direita se fortalece. A popularidade do Lula demonstra que a maioria da população prefere o modelo de desenvolvimento econômico de distribuição de renda, do que o modelo populista e autoritário, por isso a direita quer tirar ele da jogada.

O senhor crê que Lula possa ser  “escanteado” antes das eleições de 2018?
Este é, claramente, o projeto da direita. Vamos ver. Tem que combinar com a torcida do Corinthians… Não é assim. Há fatores políticos que devem ser colocados na balança. Vão cassar o Lula entre julho e outubro do ano que vem, em plena campanha eleitoral? Há um sentimento por parte do juiz Sérgio Moro, deste pessoal que se acha “justiceiro”, de que a população os apoia e que eles têm o poder de fazerem o que bem entendem. Mas, acho que eles estão sentindo o limite do que podem fazer. É como se houvesse duas jamantas correndo em direção uma da outra: a popularidade do Lula e a de Moro. Eu acredito que elas não vão se chocar.

Além da discussão sobre se há ou não deficit na previdência, é preciso entender que a dívida das grandes empresas com o Governo cobre o que eles apontam como este deficit em três vezes.

O senhor acha que o fenômeno Bolsonaro crescerá até 2018?
A direita tem avançado em todo o mundo. Mas é diferente. Nos Estados Unidos (com a eleição de Donald Trump) e na Inglaterra (com a aprovação do Brexit, que levou à saída do país da União Europeia) a direita não avançou devido as bandeiras partidárias da direita, mas com a incorporação do tema “emprego”. Setores da classe operária inglesa – que votavam no partido trabalhista – e americana, se bandearam para o outro lado em função do desemprego, e este não é um tema que o Bolsonaro domina. Quem representa o emprego no Brasil é o Lula. Portanto, penso que a extrema direita não tem no Brasil esta margem de crescimento. Um confronto entre Lula e Bolsonaro seria um desastre para a direita brasileira.

Como o senhor vê a esquerda brasileira hoje?
Houve um desgarramento dos setores que compunham a esquerda, um enfraquecimento do bloco, que ficou reduzido a parlamentares do PT, PCdoB e o PSOL. Mas, não acho que a fragmentação seja o grande problema. Apesar das críticas no segundo mandato, toda a esquerda apoiou o mandato de Dilma, apoiou a democracia, se opôs ao impeachment. Penso que uma candidatura de Lula volta a unir toda a esquerda. O único fator que rompe o isolamento da esquerda é a popularidade do Lula.

E o Ciro Gomes (PDT)?
O Ciro Gomes não tem capilaridade. Mesmo se o Lula não for candidato, na minha opinião, o Ciro não seria o candidato do Lula, porque a esquerda precisa de um candidato que represente o Governo do Lula, as políticas sociais do Lula, para ter os votos que a Dilma teve no Nordeste. O Ciro é combatívo, mas que não agrega. Não há nenhuma hipótese do Lula desistir em função do Ciro. Se ele (Lula) for tirado da jogada, na minha opinião, vai escolher um outro candidato, talvez Jaques Wagner, alguém que represente esse caudal de popularidade, principalmente no Nordeste.

Onde o PT errou para que as coisas chegassem ao ponto que chegaram?
Muitos erros que foram atribuídos ao PT foram, na verdade, do Governo do PT. O PT até tinha posições outras, mas não conseguiram impô-las ao Governo. Acho que há erros fundamentais. Por exemplo em relação a democratização dos meios de comunicação. Não que houvesse uma solução mágica, pois o governo não aprovaria nada, mas era preciso diversificar, fomentar mais um pluralismo maior, impedir essa coisa tão monolítica. A segunda questão está no financiamento de campanha. Evidente que o PT entrou nisso, Caixa 2, etc. Mas, além da coisa individual, de enriquecimento pessoal, tem a questão estrutural. O PT errou em não confrontar isso.


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