19/04/2024 - Edição 540

Entrevista

O desafio é governar na recessão

Publicado em 01/03/2017 12:00 -

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O governador Reinaldo Azambuja (PSDB) tem alertado para a necessidade de um grande pacto social que permita ao Mato Grosso do Sul continuar de fora da lista de Estados inadimplentes. A missão é difícil, especialmente diante da nova estratégia da Petrobras em relação a compra do gás boliviano, que tem gerado prejuízos astronômicos ao Estado, cuja principal fonte de renda, o ICMS, tem sido diretamente atingida pela ação da estatal. Para fazer frente a crise, o Governo propõe um pacote de equilíbrio fiscal composto por três pilares: uma reforma administrativa e uma proposta de emenda à Constituição, que limita os gastos públicos pelos próximos dez anos e, ainda, uma reestruturação da previdência social no Estado – que deve ser encaminhada à Assembleia ainda em março.

 

O senhor tem falado constantemente na necessidade de estabelecer um pacto pelo equilíbrio fiscal em MS. Por que isso é necessário?

Tivemos, até 2014, praticamente 15 anos ininterruptos de crescimento da economia nacional. Só houve um ano, que foi de 2008 para 2009, em que as receitas foram menores do que a inflação. Durante estes 15 anos, nós tivemos crescimento dentro da receita maior do que a inflação do período. Em 2015 este quadro mudou: tivemos uma queda de 3,8% no Produto Interno Bruto (PIB). Em 2016 esta queda foi de 3.4%, o que dá 7,2% de queda do PIB nacional em dois anos. Foi a maior queda nos últimos 100 anos da República. A taxa de desemprego no Brasil quase dobrou neste período. Saltou de 6,8% para 11,8%. No Mato Grosso do Sul foi de 4% para 7%. Só no ano passado, 1,3 milhões de postos de trabalho desapareceram. O deficit primário federal previsto para esse ano é de R$ 182 bilhões. Isso tudo afeta os Estados.

Até que ponto?

O Governo Federal gera moeda, diferentemente dos Estados. Quando o Estado ou o município têm deficit, ele deixa de pagar a folha, deixa de pagar fornecedores, deixa de fazer transferências constitucionais. Isso já está ocorrendo em alguns Estados. Este deficit federal precisa diminuir, porque isso impacta questões primordiais como no aumento de juros. Tivemos, por exemplo, uma queda nominal de 13% no repasse do Fundo de Participação dos Estados (FPE).  Só para você ter uma ideia, nós somos o antepenúltimo FPE da Federação. Abaixo de Mato Grosso do Sul está São Paulo. Ano passado, nós recebemos R$ 110 milhões, o Ceará recebeu R$ 860 milhões, Maranhão R$ 830, Bahia 820. Esse é o critério do FPE.

Isso aprimora a possibilidade de crise no Estado.

Exato. Em 2016 nós tivemos 14 estados que ameaçaram decretar calamidade e três o fizeram: Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Hoje, dos 27 Estados da Federação, 20 estão inadimplentes, alguns com folha atrasada, a maioria não tem certidões negativas. Isso levou os Estados a estabelecerem um acordo com o Governo Federal, um pacto para a tomada de algumas medidas – alguns Estados em uma extensão um pouco maior que outros. Mas, todos assumiram o compromisso de fazer o ajuste dos gastos públicos para dentro de uma equação realista que garanta um equilíbrio financeiro.

As reformas propostas pelo Governo do Estado vem deste pacto.

Sim, o teto de gastos, que nós vamos discutir, a questão previdenciária e a questão administrativa. A questão administrativa é interna, específica de cada Estado, cada um está buscando ajustar o tamanho da sua máquina pública ao tamanho de sua perna, para que se possa caminhar sem se tornar um Estado insolvente.

O senhor tem batido na tecla do impacto que a diminuição da compra do gás boliviano pela Petrobras tem tido sobre a economia de Mato Grosso do Sul. Até que ponto esta situação é, mesmo, perniciosa para o Estado?

O que compõe a receita do Mato Grosso do Sul? Cerca de 82% das nossas receitas vem do ICMS (R$ 7.120.226,787,48); outros 6% vem das receitas de IPVA (R$ 533.409,088,90), cujo montante é dividido com os municípios; o ITCD representa 2% (R$ 165.388.623,11); o Imposto de Renda, que é aquilo que é retido nas folhas de pagamento, representa mais 8% (R$ 676.262.184,88) e, finalmente, outras receitas tributárias somam 2% deste bolo (R$ 173.118.248,89). Ou seja, o ICMS responde hoje por 82% das nossas receitas. Por isso a questão do gás é tão importante. As pessoas não conhecem a profundidade do problema. Muitas questionam se nós perdemos a ação no Supremo – que outros Estados demandavam contra Mato Grosso do Sul. Não tem nada a ver com isso. Temos liminar favorável ao recolhimento do ICMS do gás para MS, e acho muito difícil perdermos. O normativo da tributação das importações é estabelecido onde acontece o fato gerador, e a entrada do gás boliviano no Brasil acontece em Corumbá. O que aconteceu com o gás importado da Bolívia é que a média do volume mensal de bombeamento despencou. A Petrobras bombeava, em 2013, 922 milhões de metros cúbicos. Em 2014, com a crise hídrica, e o consequente acionamento de mais termo-elétricas, aumentou para 939 milhões. Em 2015 diminuiu um pouco (910 milhões). Em 2016, com o cenário econômico piorando, tivemos uma retração do bombeamento do volume de gás na faixa de 7,5% (854 milhões). Em janeiro deste ano recuamos para 453 milhões de metros cúbicos.

Tomamos medidas duras, mas não temos nenhuma preocupação política. A questão mais importante é manter o equilíbrio do Estado, organizar as finanças públicas para o maior desafio, que é governar na recessão.

E por que houve essa diminuição?

Sem aviso nenhum ao Mato Grosso do Sul a Petrobras, a partir de janeiro, diminuiu pela metade o bombeamento do gás boliviano. Passou de 30 milhões de metros cúbicos mensais para 14 milhões. E em fevereiro foi pior, bombearam cerca de 11 milhões de metros cúbicos. Inexplicavelmente, não teve aviso ao Estado, não teve uma fala com o Governo Federal. Simplesmente diminuíram o bombeamento do gás boliviano e começaram a injetar o gás do pré-sal. O contrato de compra do gás boliviano com a Petrobras encerra em 2019. Então, existem várias teorias sobre esta estratégia da empresa. Uns dizem que a Petrobras está querendo dizer aos bolivianos que não precisa do gás deles, por isso a diminuição do bombeamento. O problema é que, ao fazer isso, eles impactam diretamente no nosso ICMS.

Qual o impacto direto do ICMS do gás na economia do Estado?

O percentual do ICMS do gás na receita total do Estado, em 2013, era de 16.68%. Em 2014 foi para 18.18%. Em 2015 começou a queda: 16.6%. Em 2016 11.51% e em janeiro de 2017 5.67%. Essa queda brutal de janeiro foi inexplicável. Isso significa que saímos de uma arrecadação (de ICMS em operações com o gás natural boliviano) de R$ 1.3 bilhão em 2014, para R$ 1.2 bilhão em 2015 (perda de R$ 87 milhões), R$ 952 milhões em 2016 (perda de R$ 336 milhões) e um valor projetado de apenas R$ 436 milhões neste ano (perda projetada de R$ 515 milhões).

E o que o Governo do Estado tem feito para solucionar este impasse?

Reunimos a bancada federal do Estado e fomos ao presidente Michel Temer, ao ministro Elizeu Padilha, ao presidente da Petrobras, Pedro Parente. Estamos cobrando um posicionamento do Governo Federal e da Petrobras. Mas já temos tomado medidas desde 2015, quando adotamos ações – algumas incompreendidas, outras difíceis e até doloridas para o Governo – com um pacote fiscal e tributário com aumento de 1% do IPVA (passando de 2,5% para 3,5%), mas ainda ficando a menor alíquota do país; aumento da tributação de bebida e fumo; aumento do ITCD. Com estas medidas, nós conseguimos manter o equilíbrio fiscal em 2015, mantivemos o pagamento do funcionalismo em dia, as obrigações com os poderes constituídos. Não tivemos em Mato Grosso do Sul nenhum atraso de duodécimo, que são constitucionalmente direito de todos os poderes. Diferente de alguns Estados, onde vigora o caos econômico.

Mas, este equilíbrio corre risco agora, em 2017.

A se manter esta política da Petrobras e perdermos estes R$ 500 milhões do ICMS do gás, isso realmente colocará o nosso equilíbrio em risco. Porque você não consegue, num espaço curto de tempo, sem ter tido essa previsão, compensar este impacto negativo.

Hoje, dos 27 Estados da Federação, 20 estão inadimplentes, alguns com folha atrasada, a maioria não tem certidões negativas. Por isso, a necessidade de um pacto para que o Mato Grosso do Sul não caia nesta armadilha.

O que o Governo está fazendo para compensar o prejuízo?

Estamos aprimorando o que demos início em 2015, quando, em uma primeira reforma administrativa, diminuímos a estrutura para 13 secretarias. Agora, estamos propondo que o estado fique com 10 estruturas administrativas. Entendemos que tem uma lógica muito grande nessa unificação de estruturas administrativas sem perda da qualidade do atendimento. Seremos o Estado com o menor número de unidades administrativas, ao lado de Goiás. A reforma administrativa é composta pela redução de três secretarias, 16 superintendências, pela racionalização do uso de espaços físicos – centralização do atendimento dos órgãos estaduais em 44 municípios – além da redução de pessoal: vamos cortar, entre temporários e comissionados, cerca de mil cargos, gerando economia de quase R$ 34 milhões/ano. Faremos, também, uma nova rodada de revisões contratuais, com estimativa de redução de R$ 100 milhões/ano. Finalmente, redesenharemos os processos internos de compras, contratos, almoxarifado, folha de pagamento e previdência.

E a PEC do Teto de Gastos?

A PEC teve uma proposta a nível federal, que já foi aprovada e muito debatida pelos poderes. Fizemos a nossa versão da PEC que, entendemos, é essencial para a gente ter um equilíbrio fiscal pelos próximos 10 anos. Nosso objetivo com ela é estabelecer limites de despesas pelo prazo de dez anos (com uma revisão daqui cinco anos). Vamos fazer um pouquinho diferente do que foi aprovado pelo Governo Federal, que vinculou as despesas ao IPCA. As despesas do Governo Federal com o exercício seguinte só vão poder ter aumento vinculada ao IPCA. Nós inovamos um pouquinho e colocamos, além dos gastos vinculados ao IPCA, um acréscimo de 20% relativo ao crescimento da receita corrente líquida do crescimento real.

Por que isso?

Porque podemos ter anos nos quais que a economia brasileira volte a ter uma dinâmica, como teve nos últimos 15 anos anteriores a 2014. As vezes você tem a inflação dentro da meta, sob controle, e um crescimento da receita corrente líquida, e isso possibilita, no caso de MS, ampliar um pouco mais os gastos, com base na receita. É muito difícil falar de crescimento de despesas se não tem crescimento de receita, mas com esse modelo entendemos que o Estado fica com mais opções. O espírito da PEC é fazer o aumento das despesas vinculado ou à receita ou à inflação do período, para você não extrapolar despesas e gerar deficit.

Há quem diga que esta limitação vai tirar dinheiro da saúde e da educação.

Não é verdade, pode até ampliar as despesas na saúde e na educação desde que você tenha condições de dizer “vou cortar aqui, vou ser mais eficiente no gasto público no setor administrativo, vou melhorar o perfil de endividamento do Estado, vou pagar menos dívida, vou ter uma sobra maior e vou poder investir mais”. Os Estados e demais Poderes devem apostar no equilíbrio. Esta norma vai valer para os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, além do Tribunal de Contas, Ministério Público e Defensoria Pública. Dizer que vai diminuir receita da saúde e educação não é verdade. Podemos até ter um aumento de despesas nesses setores, só que dentro do orçamento. Eu gostei muito de um artigo do senador Cristóvão Buarque (PPS-DF) em que ele fez um panorama deste tema e não se refere à PEC como de “limite de gastos”, mas de “responsabilidade”.

Entre as medidas anunciadas pelo governo do Estado está uma reforma previdenciária. A proposta nem foi apresentada de fato e já está causado incômodo entre o funcionalismo. Como será esta reforma?

Para ter uma ideia, o deficit da previdência sul mato-grossense de 2016 foi de R$ 916 milhões. Esse é o montante que a gente paga em aposentarias e pensões em todo o sistema de previdência do Mato Grosso do Sul. A previsão para 2017 é chegar perto de R$ 1,1 bilhão. Se nada for feito, teremos sérios problemas. Precisamos ter um sistema de previdência equilibrado, saudável, que consiga pagar as aposentadorias e as pensões, para que não tenhamos aqui o que ocorre hoje em alguns Estados da Federação, onde o servidor que pagou a previdência durante anos, agora não recebe seus direitos. Isso é preocupante. É isso que nós estamos discutindo agora: a busca por equilíbrio. Primeiro, temos que acompanhar a reforma em trâmite no Congresso Nacional (que vai tratar de previdência complementar, idade e tempo mínimos). Depois, temos que discutir aqui questões como a alíquota de contribuição, legislação, processos administrativos além do estabelecimento de um censo previdenciário permanente.

O deficit da previdência sul mato-grossense de 2016 foi de R$ 916 milhões. A previsão para 2017 é chegar perto de R$ 1,1 bilhão. Se nada for feito, teremos sérios problemas. Precisamos ter um sistema de previdência equilibrado, que consiga pagar as aposentadorias e as pensões.

A questão da alíquota tem preocupado o funcionalismo.

Estamos fazendo uma revisão para acertar qual alíquota será a ideal, tanto a patronal quanto a do servidor.

Que outras medidas serão tomadas?

Vamos fortalecer a Agência de Previdência Social do Mato Grosso do Sul (Ageprev), que será responsável por fazer a análise dos processos e também o pagamento das aposentadorias, das pensões, unificando tudo isso em uma estrutura de agência de previdência. Estamos unificando essa gestão dos processos administrativos, revisando algumas legislações. Estamos propondo um recenseamento a cada mês de aniversário do servidor aposentado ou pensionista. Por que isso? Porque nós acabamos de terminar o senso e anulamos cerca de 700 aposentadorias e pensões de pessoas que não apareceram, pessoas que recebiam do erário. Algumas pessoas falecem e, as vezes, um ente familiar continua recebendo aquela aposentadoria. Este tipo de controle é importante para o equilíbrio previdenciário.

Haverá debates com os servidores?

Começamos na semana passada, com a retomada do Fórum Dialoga. Antes de encaminhar a proposta, vamos apresentá-la a todos os sindicatos e servidores públicos. Quando o projeto estiver finalizado, vamos fazer o encaminhamento junto aos Poderes, pois eles têm que participar deste processo. Temos que ter coragem de tomar essa atitude, porque ela é necessária para a gente fazer o equilíbrio fiscal de Mato Grosso do Sul. O fato é um só: existe hoje um fator de risco para o equilíbrio da previdência em todo o país. Então, finalizado a reforma, vamos primeiro apresentá-la aos servidores e aos Poderes, e depois nós encaminharemos aos deputados. Se nada for feito, vamos chegar a um tempo em que nós não saberemos se o tesouro terá o montante de recursos necessários para arcar com o deficit da previdência no Mato Grosso do Sul. É por isso que nós vamos buscar essa mudança, essa reformulação, este equilíbrio da previdência do Estado. E isso só virá com essas ações conjuntas.

E o reajuste de funcionalismo?

Isso é uma questão que vai ser tratada no tempo específico, que é no mês de maio. Nós vamos ver a questão das finanças do Estado, como estaremos até lá. Vamos torcer para que a gente consiga recompor essa questão do gás boliviano. Essa é uma matéria que não é só do Executivo, é da sociedade como um todo, é um engajamento de todos, até porque a perda é de todos nós. Vamos trabalhar isso e no mês de maio, que é a data base, nós vamos discutir com as categorias o que é possível.

O senhor teme que estas medidas duras atrapalhem sua reeleição em 2018?

Eu acho que são medidas necessárias. Não temos nenhuma preocupação política. A questão é o equilíbrio do Estado, organizar as finanças públicas para o maior desafio, que é governar na recessão. O país nunca teve uma recessão tão longa e duradoura como está, e esse é o nosso papel manter o Estado adimplente. Hoje, a maioria dos 27 estados está inadimplente. Quero manter o Estado com as finanças equilibradas, continuar cumprindo com as obrigações, mantendo os investimentos e as entregas à sociedade. Isso transcende a questão política. A pauta que nós temos é a da eficiência, da responsabilidade. Política será discutida no momento oportuno, no ano que vem. Aí eu acho que teremos condições de debater a importância dessas medidas e o quanto elas são vitais para o equilíbrio fiscal de Mato Grosso do Sul.


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