28/03/2024 - Edição 540

Especial

Por que a Reforma da Previdência vai te prejudicar?

Publicado em 22/02/2017 12:00 -

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Uma das primeiras medidas de Michel Temer ao assumir a Presidência da República, em maio de 2016, foi retirar do Ministério do Trabalho a Previdência Social e transformá-la em uma secretaria subordinada ao Ministério da Fazenda. O então governo interino deixava clara a sua concepção das aposentadorias: um problema financeiro, antes de tudo.

Em 6 de dezembro, o governo apresentou ao Congresso, sem nenhuma consulta à sociedade, a PEC 287, maior e mais radical conjunto de mudanças na Previdência Social desde a promulgação da Constituição, em 1988. Apesar da falta de diálogo, entidades sindicais e movimentos sociais têm se organizado para debater o assunto e alertar a população para os efeitos das medidas em debate no Legislativo.

Apesar da ampla cobertura da mídia, a maioria dos brasileiros não compreende, ainda, como as mudanças propostas pelo Governo Temer vão influenciar nas suas vidas e nas vidas de seus filhos e netos.

Para Antônio Bráulio de Carvalho, presidente da Associação Nacional dos Participantes dos Fundos de Pensão (Anapar), os trabalhadores não têm noção das mudanças e de como elas vão afetar a vida de todos. Denise Lobato Gentil, professora de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, concorda. “Os brasileiros não têm ideia da gravidade dessa reforma”, resume.

No frigir dos ovos, homens e mulheres brasileiros terão de trabalhar por mais tempo para conseguir a aposentadoria, caso a Reforma seja aprovada no Congresso em 2017.

Segundo Jair Pedro Ferreira, presidente da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae), nos moldes atuais a reforma prejudicará “não só a nossa geração, mas as vindouras, os nossos filhos e netos”.

As reformas previstas pela PEC 287, afirma Denise Lobato, dificultam o acesso aos benefícios, exigem mais tempo de contribuição e reduzem drasticamente os valores a serem recebidos por meio de aposentadorias e pensões.

Idade mínima, tempo mínimo e desigualdade regional

Pelas regras ainda em vigor, a aposentadoria pode ser feita apenas pelo tempo de contribuição: 30 anos para mulheres e 35 para homens. Se for por idade, exigem-se 60 anos para mulheres e 65 para homens, com no mínimo 15 anos de contribuição.

Além disso, existem diferenças para algumas categorias, como é o caso dos trabalhadores rurais e dos professores e professoras da educação básica, para os quais, na aposentadoria por idade, a exigência é reduzida em cinco anos: a mulher deve ter 55 anos e o homem, 60.

Pela PEC 287, explica Denise, acaba a aposentadoria por tempo de contribuição. Exige-se a idade mínima de 65 anos e um mínimo de 25 anos de contribuição de todos os trabalhadores, sem distinção para mulheres, servidores públicos, trabalhadores rurais ou professores da educação fundamental.

Isso que significa que essas últimas categorias deverão trabalhar dez anos a mais e contribuir também por mais uma década. Outro ponto: os 65 anos não são fixos. A partir da aprovação da Reforma, sempre que a expectativa de vida subir um ano, sobe igualmente a idade mínima para a aposentadoria.

Caso cumpra todas as exigências, o aposentado terá direito a apenas 76% do valor integral da aposentadoria. Cada ano a mais trabalhado dá direito a 1% de aumento no valor. Para chegar aos 100%, o trabalhador deverá trabalhar 24 anos a mais. “Obter uma aposentadoria integral aos 65 anos tornou-se impossível”, esclarece Denise Lobato.

O cidadão só conseguiria se começasse a trabalhar aos 16 anos (idade mínima permitida) e mantivesse de forma ininterrupta um emprego formal pelos 49 anos seguintes, sem deixar de contribuir um único mês. Situação impossível num País afetado, volta e meia, por crises econômicas que aumentam as taxas de desemprego ou deixam como única alternativa empregos precários sem carteira assinada.

Segundo Ruy Braga, professor da Universidade de São Paulo (USP), especialista em sociologia do trabalho e autor do livro “A política do precariado: Do populismo à hegemonia lulista”, o estabelecimento de uma idade mínima para aposentadoria e a ampliação do número mínimo de anos para a concessão do benefício é irreal.

“A rigor o que você está fazendo é estender o tempo de contribuição e tornar mais seletiva a possibilidade de entrar no regime de aposentadoria. Isso evidentemente causará uma série de impactos no tocante ao fato de que o Brasil é muito desigual em termos demográficos”, explica Braga.

“Essa demografia acaba fazendo com que, por exemplo, um piso de 65 anos para aposentadoria exclua uma série de estados da federação onde a estimativa de vida da população masculina é de 65 anos ou até mesmo menos. É o caso do Maranhão e Piauí. Isso está significando um retrocesso muito grande em termos de proteção social”, complementa.

Braga afirma ainda que o aumento da contribuição mínima para 25 anos não encontra respaldo na realidade que o trabalhador de baixa renda vive no País. “O mercado de trabalho brasileiro apoia-se, notoriamente, num tipo de manejo de sua força de trabalho que se organiza em torno de altas taxas de rotatividade”, argumenta ao citar demissões em massa e falta de estabilidade.

“A própria informalidade é uma barreira para esse tempo de contribuição. Não nos esqueçamos que hoje 44% da força de trabalho brasileira está na informalidade. Esses mecanismos que alongam o tempo contribuição tornam mais seletiva a entrada do trabalhador no sistema de aposentadoria. Isso é danoso”, completa

Aposentadoria integral fica mais difícil

Com as novas regras, os aposentados jamais receberão pelo teto ou próximo do teto. Atualmente, para chegar ao valor da aposentadoria, um dos índices que entram nos cálculos é a média dos 80% dos salários mais altos recebidos pelo trabalhador ao longo da vida ativa.

A partir da Reforma, será utilizada a média de todos os salários e não apenas dos 80% mais altos. E não haverá mais a possibilidade de acúmulo de aposentadorias ou de aposentadoria com pensão deixada pelo cônjuge.

O trabalhador terá de escolher uma das duas. Outra proposta preocupante é a desvinculação dos reajustes das aposentadorias e pensões dos reajustes do salário mínimo, que permitirão ao governo comprimir o valor geral dos proventos.

Para Ruy Braga, o fim do Fator Previdenciário e a criação de cotas para o pagamento de aposentadorias integrais significa que, mesmo contribuindo por 25 anos, o trabalhador não terá direito à aposentadoria integral.

Pela PEC 248, se um trabalhador contribuir com uma média de R$ 2 mil durante 25 anos, por exemplo, ele receberá uma aposentadoria de apenas 1.520 reais quando chegar aos 65 anos de idade, o que corresponde a uma cota de 76%.

Caso queira receber um valor superior, o brasileiro deverá continuar no mercado formal após os 65 anos ou começar a trabalhar aos 16 anos. Na prática, para ter acesso à média integral do valor contribuído, será preciso trabalhar formalmente por 49 anos.

“É totalmente irreal. Você não vai encontrar ninguém com 49 anos de contribuição entre aqueles que ganham até dois salários-mínimos. Hoje, o trabalhador perde o emprego, vai pra informalidade, fica alguns anos e volta para o mercado formal. Isso é a regra do mercado de trabalho brasileiro, ou seja um jogo de sobrevivência que os setores populares conhecem bem. Evidentemente que isso jamais somará 49 anos”, resume.

Privilégios para alguns

Denise Gentil lembra que o secretário da Previdência Social, Marcelo Caetano, reuniu-se diversas vezes com banqueiros durante o período de elaboração do projeto de reforma da Previdência, mas nunca recebeu os representantes dos trabalhadores, apesar das promessas de diálogo do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles.

Ela ressalta ainda: o governo não se importa em cobrar os débitos previdenciários das empresas, que em 2015 somavam 350 bilhões de reais. Em vez disso, avança sobre os benefícios dos trabalhadores. “Nunca houve uma perda de direitos tão grande em tão pouco tempo”, afirma.

Para Denise, a proposta de reforma da Previdência, feita às pressas, faria parte de um conjunto de medidas que visam ao desmonte do Estado, em favor do mercado. O governo Temer, afirma, busca destruir o sistema de seguridade social, “o que significa a barbárie e a negação do direito previdenciário construído pela democracia brasileira”.

A professora afirma ainda que o governo tem gastado o dinheiro dos impostos recolhidos pelos cidadãos para fazer propaganda da reforma da Previdência. Ou seja, o cidadão paga pela exibição de uma propaganda contrária aos seus interesses. Um grupo de advogados, diz a economista, decidiu entrar na Justiça para barrar a propaganda.

Deficit: uma história mal contada

O Governo federal tem batido apostado em projeções tenebrosas: se nada for feito para mudar as regras do Regime Geral da Previdência, entraremos em uma trajetória explosiva de deficit que inviabilizará o sistema de aposentadorias e sacrificará o próprio crescimento econômico, à medida que consumirá boa parte de recursos públicos potencialmente destinados ao investimento produtivo. 

Distintas autoridades do governo e representantes de instituições financeiras têm afirmado, de forma categórica, que o rombo chegará a 17%, 17,5% ou mesmo a 23% no longínquo ano de 2060.

As projeções de resultados do Regime Geral da Previdência Social, assim como as projeções demográficas calculadas pelo IBGE, conformam o conjunto mais importante de previsões estatísticas de longo prazo produzidas e divulgadas pelo governo brasileiro.

No entanto, afirma Claudio Castelo Branco Puty, da Faculdade de Economia da Universidade Federal do Pará, um olhar mais atento ao tema demonstra o baixo grau de transparência dos métodos utilizados na projeção dos indicadores previdenciários. “O que se observa é uma tendência à superestimação do dwficit com uma mudança acentuada nas projeções para 2015, quando passamos a  ter uma subestimação, como efeito da frustração de receita advinda da espiral recessiva ali iniciada”, afirma.

O ex-ministro da Previdência Social (governos Lula e Dilma), Carlos Eduardo Gabas, afirma que o deficit da previdência é um mito que está sendo usado pelo governo do presidente Michel Temer (PMDB) para emplacar uma reforma que prejudica os trabalhadores e beneficia o sistema financeiro.

“O deficit é conjuntural em razão da queda da receita e não estrutural”, assegurou o ex-ministro, para quem é possível evoluir com as regras sem precisar retirar direitos. “Uma reforma tem de ser por meio do diálogo com a sociedade”, enfatizou.

Gabas, que está circulando pelo Brasil com o intuito de dar musculatura nacional e informações de fundo para os grupos contrários a Reforma da Previdência, disse também que é preciso separar as contas para compreender a questão.

Precisamos separar a Previdência urbana da rural. Durante anos a Previdência urbana se manteve estável, com crescimento anual de 3% dos aposentados e arrecadação acima dos gastos, que também crescia de forma estável. Já a Previdência rural não tem folha de pagamento, portanto não tem fonte de financiamento, por isso foram criados dois impostos: o Cofins e CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), mas que nunca foram incorporados ao orçamento da Seguridade Social”, ressalta.

Para o ex-ministro, o modelo de financiamento brasileiro conhecido como tripartite, teria que receber recursos das empresas, empregados e do governo federal. No entanto, empregadores e trabalhadores (urbanos) financiam cerca de 88% dos recursos da Previdência. A parcela estatal atualmente é de 12% do orçamento, um montante muito inferior à terça parte (33%) que caberia numa conta tripartite, segundo estudos do professor de Economia da Unicamp, Eduardo Fagnani. Nos países da Europa, os gastos com a Seguridade representam, em média, 27,3% do PIB. No Brasil, de acordo com Denise Gentil, o investimento do Estado não passa de 2% do PIB.

Segundo Gabas, nos últimos anos o Governo Federal desonerou empresários e deixou de arrecadar R$280 bilhões, dos quais R$ 158 bilhões estavam relacionados à folha de pagamento e à arrecadação para a Previdência, o que pode explicar o rombo de R$ 150 bilhões mencionados pelo governo atual.

Contudo, há outro recurso do Estado que tira dinheiro de áreas sociais para investir em outras. Trata-se da DRU (Desvinculação de Receitas da União), onde o Governo pode retirar até 20% dos recursos da Seguridade Social (Previdência, Saúde e Assistência Social), para destinar ao pagamento de juros aos bancos. “Na prática o Estado exerce o papel de Robin Hood às avessas: tira dos pobres para dar aos ricos”, afirmou o ex-ministro.

A solução para o equilíbrio da Previdência, segundo Gabas, está na retomada do crescimento econômico e na redução das isenções, que somaram R$ 66 bilhões só em 2015. Outro ponto importante em sua opinião é a cobrança da dívida das empresas que devem à Previdência cerca de R$ 2,4 trilhões – segundo dados da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional. “Também é necessário apertar o cerco à sonegação das empresas para a previdência”, afirmou.

A Fenae e a Anapar concordam com a leitura de Gabas. Para ambas as entidades, o deficit no caixa da Previdência resulta dos benefícios, renúncias e desonerações fiscais que o governo concede às grandes empresas.

PARA ENTENDER

Qual é a regra atual para as aposentadorias?

Há duas regras. A primeira é por tempo de contribuição. Os homens podem se aposentar com qualquer idade após 35 anos de contribuição ao INSS, enquanto as mulheres podem fazê-lo após 30 anos de contribuição, também sem idade mínima.

Há também a aposentadoria por idade. Os homens com 65 anos podem requerer aposentadoria aos 65 anos, desde que tenham ao menos 15 anos de contribuição. As mulheres, por sua vez, podem se aposentar com 60 anos, também com pelo menos 15 anos de contribuição. 

Qual é a proposta do governo?

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287 exige que o trabalhador, seja homem ou mulher, contribua durante ao menos 25 anos com o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) e estabelece idade mínima de 65 anos de idade para ter acesso ao benefício.

Esses fatores precisam ser combinados para que seja possível requerer a aposentadoria. Alcançar os 65 anos com menos de 25 anos de contribuição ou atingir os mesmos 25 anos de trabalho formal antes dos 65 anos de idade não permitirão o acesso à Previdência. 

Isso vale para quem?

Vale para os homens que têm menos de 50 anos e para as mulheres com idade inferior a 45 anos.

E como será possível obter o valor integral da aposentadoria?

Hoje, a aposentadoria integral significa receber o valor total do chamado salário de benefício, que é a média dos 80% maiores salários recebidos desde julho de 1994. Atualmente, esse teto é de 5.189,82 reais. Atualmente, o cálculo para chegar a esse valor é feito com base no Fator Previdenciário ou na chamada regra 85/95, sancionada pelo governo Dilma em novembro de 2015.

A proposta do governo Temer é acabar tanto com o Fator Previdenciário quanto com a regra 85/95, estabelecendo cotas para o acesso à aposentadoria integral.

E o que isso significa? 

Significa que, mesmo contribuindo por 25 anos, o trabalhador não terá direito à aposentadoria integral. Por exemplo, se um trabalhador contribuir com uma média de 2.000 reais durante 25 anos, ele receberá uma aposentadoria de apenas 1.520 reais quando chegar aos 65 anos de idade.

Caso queira receber um valor superior, o brasileiro deverá continuar no mercado formal após os 65 anos ou começar a trabalhar aos 16 anos. Na prática, para ter acesso à média integral do valor contribuído, será preciso trabalhar formalmente por 49 anos. 

Como ficam homens com mais de 50 anos e mulheres com mais de 45 anos?

Os homens de 50 anos ou mais e as mulheres com 45 ou mais de idade entrarão nas regras de transição. Para esses casos, o governo impôs um outro cálculo para acesso ao benefício. Os trabalhadores deverão trabalhar mais 50% do tempo restante ao que faltava para se aposentar.

Por exemplo: um homem de 51 anos que estava a cinco anos de conseguir o benefício, vai precisar trabalhar 50% a mais do que esse período. Ou seja, os cinco anos da regra anterior mais dois anos e seis meses como "pedágio".

No caso específico desse trabalhador, portanto, ele precisará trabalhar até os 58 anos e 6 meses, em vez de parar aos 56 anos. O mesmo vale para as mulheres, só que a partir dos 45 anos.

A reforma atinge quem já se aposentou?

Não. A reforma da Previdência não vai atingir quem já se aposentou ou já alcançou as regras atuais para ter acesso ao benefício. Além disso, não serão modificadas, por enquanto, as regras de aposentadoria de militares.


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