19/04/2024 - Edição 540

Especial

Depósitos humanos

Publicado em 11/01/2017 12:00 -

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O caldeirão do sistema prisional brasileiro voltou a explodir nos primeiros dias de 2017. Rebeliões em presídios da região Norte deixaram dezenas de mortos. Logo no primeiro dia do ano, 56 presos foram mortos após um tumulto ocorrido no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj) em Manaus, no Amazonas. Integrantes de duas quadrilhas rivais de tráfico de drogas, o Primeiro Comando da Capital (PCC) e a Família do Norte (FDN) — aliada do Comando Vermelho (CV) — entraram em confronto naquele que foi considerado o massacre mais violento da história do sistema prisional brasileiro desde a chacina do Carandiru (1992). Cinco dias depois, 33 presos foram mortos na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, localizada na zona rural de Boa Vista, em Roraima. A chacina foi uma resposta do PCC à rebelião comandada pela FDN no Amazonas.

Apesar de o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, garantir que a situação nas prisões do país estar sob controle, há possibilidade de conflitos violentos envolvendo facções do crime, como as ocorridas no Amazonas e em Roraima, contaminarem outros estados. Setores dos serviços de Inteligência do próprio governo federal classificaram como tensa a rotina nos presídios em cinco estados brasileiros nas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste do país. São eles: Mato Grosso, Sergipe, Rondônia, Piauí e Ceará.

A classificação da segurança dos presídios segue um protocolo com quatro gradações: normal (OK), alerta, tenso e conflito deflagrado. Penitenciárias no Amazonas e em Roraima foram classificadas como conflitos deflagrados.

Após matanças em Manaus e Boa Vista, presídios do Norte entraram em alerta máximo para evitar que a onda de violência se espalhe. A Secretaria de Cidadania e Justiça de Tocantins diz não poder informar se recebeu informes dos estados vizinhos, por se tratar de dado “confidencial”, mas reforçou a segurança nos maiores estabelecimentos com servidores e está fazendo revistas contínuas nos 41 presídios tocantinenses.

O Departamento Penitenciário Nacional (Depen) — que monitora a situação dos presídios, coordena políticas nacionais de inserção dos presos, acompanha e controla a aplicação da Lei de Execução Penal — reconhece a existência de 26 facções de criminosos no país. Elas ocupam, separadamente, celas nos quatro presídios federais administrados pela União. Um relatório entregue ao Ministério da Justiça sustenta que o número é muito maior: as cadeias brasileiras abrigariam cerca de 80 grupos criminosos, quase todos dividindo sociedade com o Comando Vermelho (CV), do Rio, e o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, únicas facções brasileiras com atuação nacional.

Além dos estados com presídios identificados pelos setores de Inteligência como barris de pólvora prestes a explodir, pelo menos outras cinco unidades da federação — Acre, Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte e Santa Catarina — registram disputas pelo controle de cadeias e do tráfico de drogas entre o PCC e grupos criminosos locais aliados ao CV. Nos últimos anos, a disputa provocou mortes e motins dentro de penitenciárias. Na tentativa de tentar prevenir massacres como os ocorridos no Amazonas e em Roraima, alguns governos decidiram dividir os presos dentro do sistema penitenciário de acordo com as facções que integram.

No Rio Grande do Norte, as autoridades estão em alerta porque a facção Sindicato do Crime (SDC) ou Sindicato RN, é comandada por Gelson Lima Carnaúba, o G, também líder da FDN, do Amazonas. O SDC surgiu há dois anos como forma de se opor ao crescimento do PCC no estado. Em agosto do ano passado, a facção foi responsável por ataques em 38 cidades. Ao menos três detentos foram mortos nas cadeias. Ao longo de 2016, foram registrados cerca de 30 suicídios de detentos. Segundo o Ministério Público, porém, esses presos foram mortos.

Ciclo vicioso

O CV e o PCC, as duas maiores organizações criminosas do Brasil, mantiveram durante os últimos anos um pacto de não agressão nos presídios e nas ruas do país. A disputa pelo controle do tráfico de drogas nas regiões Norte e Nordeste, no entanto, fez ruir o acordo de paz.

Em 16 de outubro de 2016, durante uma rebelião em um presídio de Roraima, dez detentos foram assassinados — alguns inclusive foram queimados vivos. A maioria dos mortos era ligada ao Comando Vermelho. Horas depois, em uma prisão de Rondônia, o conflito causou a morte de oito presos, asfixiados durante um incêndio.

Histórias desse tipo não são novidade para os pesquisadores que estudam o sistema prisional brasileiro. Violações sistemáticas de direitos, falta de infraestrutura e perda de controle dos presídios para o crime organizado são apenas alguns dos elementos que caracterizam o insustentável quadro dos cárceres do país. “A pessoa é presa por cometer uma ilegalidade e é colocada em um local repleto de ilegalidades”, afirma o padre Valdir João Silveira, coordenador nacional da Pastoral Carcerária.

Em setembro do ano passado, o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu que as prisões brasileiras descumprem preceitos fundamentais da Constituição e precisam de reformas. A questão, porém, é como fazer com que as sugestões dos magistrados se tornem realidade para as 622 mil pessoas presas nas cadeias do país.

DIÁRIO DE 622 MIL DETENTOS
O Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo, que vive em estabelecimentos superlotados e com milhares de presos provisórios

O assassino que tirou a vida de inocentes. O jovem detido com cinco pedras de crack no bolso da bermuda. A senhora que furtou um pacote de bolachas em um mercado. Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados e réu da Operação Lava Jato. Seu amigo, que voltou de uma festa dirigindo após beber dez latas de cerveja. Qual a punição adequada para cada uma dessas pessoas?

Juristas e filósofos ofereceriam uma infinidade de argumentos para discutir a questão. A Justiça brasileira é mais prática: na dúvida, o sujeito que se adequar ao “perfil de criminoso” irá para a cadeia. “A curva da taxa de encarceramento no Brasil não parou de crescer porque prendemos muito e prendemos mal: há uma porta de entrada ampla e uma porta de saída estreita”, afirma Édson Luís Baldan, professor de criminologia do curso de Direito da PUC-SP e ex-delegado da Polícia Civil. De acordo com o levantamento oficial do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), divulgado em abril de 2016 e que reuniu dados de até dezembro de 2014, 622 mil pessoas ocupavam as celas brasileiras. Em 14 anos, o aumento da população prisional foi de 167,32%.

Os defensores do endurecimento de punições a criminosos até poderiam comemorar esses índices. Mas questões jurídicas são mais complexas do que o discurso reproduzido nos programas policiais: um processo criminal passa por um inquérito policial, pela análise do Ministério Público, pela coleta de provas e, finalmente, pela sentença de um magistrado. Até tudo isso acontecer, uma audiência de custódia determina se a pessoa aguardará seu julgamento em liberdade ou na cadeia. E se a cultura da impunidade existe no país, ela ainda não foi apresentada para 40% da população carcerária brasileira, formada por presos provisórios que aguardam uma sentença final da Justiça.

Ao decidir pela prisão provisória, o juiz leva em conta as circunstâncias do processo. Segundo a lei, o magistrado só poderia manter preso quem oferece risco à sociedade, ameaça o andamento do processo — intimidando testemunhas e destruindo provas — ou conta com meios para fugir. “Os pobres não conseguem provar que têm carteira assinada, não possuem contrato de aluguel. Então o juiz diz: ‘Estou inseguro, não sei se ele tem residência fixa; vou deixá-lo preso’”, destaca Gustavo Junqueira, defensor público do estado de São Paulo e professor da Damásio Educacional. “E o sujeito mais abastado leva a escritura da casa, da microempresa… e acaba solto. A lei não autoriza essa seletividade, mas ela acontece.”

Com o inchaço dos processos judiciais, as decisões se arrastam e os presos continuam privados de liberdade sem contarem com um julgamento. Como a Constituição Federal recorda em seu artigo 5º, ninguém é considerado culpado até a decisão final do julgamento. Mas no Massacre do Carandiru, maior assassinato de detentos da história do país, 84 dos 111 presidiários mortos eram presos provisórios. “Temos um sistema de Justiça imenso e isso significa que os poderes Executivo e Legislativo não dão conta de assegurar direitos”, diz Maíra Cardoso Zapater, coordenadora adjunta do Núcleo de Pesquisas do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.

E se o aumento da população carcerária é tão significativo, por que o sentimento de insegurança em relação à criminalidade permanece o mesmo? “Não temos políticas de segurança pública adequadas e falta integração entre União, estados e municípios”, diz Rodrigo Azevedo, professor da PUC-RS e membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Como em um ciclo vicioso, a ausência de medidas do Estado para garantir investimentos sociais acentua as desigualdades, não diminui os crimes e só faz crescer o depósito de rejeitados pelo sistema.

A GEOGRAFIA DA DETENÇÃO
São Paulo é o estado que abriga a maior população prisional do país: entre os mais de 622 mil encarcerados brasileiros, 35% estão em cadeias paulistas

POBRE, NEGRO E JOVEM
Os engravatados réus da Lava Jato estão bem distantes do perfil da maior parte dos presos brasileiros

A cadeia como um local de reintegração social é um conceito historicamente recente, adotado pelos países entre o final do século 19 e o início do século 20. O Estado assume a custódia do criminoso e não está lá para aplicar uma vingança pessoal: independentemente da gravidade ou dos horrores dos crimes cometidos por alguém, a punição ao encarcerado deve respeitar as leis e a dignidade humana.

Apesar de a Constituição brasileira estabelecer o respeito à integridade física e moral dos detentos, não é essa a realidade observada nas mais de 1,4 mil unidades prisionais do país. “Saímos com a sensação de impotência e inação quando visitamos um presídio. O último caso que me deixou estarrecido foi em Carajás (PA), em uma cela feita para 12 detentos, mas que abrigava 40 e poucas pessoas”, afirma o padre Valdir João Silveira, da Pastoral Carcerária, instituição ligada à Igreja Católica que realiza o acompanhamento social dos detentos. “Naquele local não havia ventilação nenhuma: uma pessoa em fase terminal de câncer fazia as necessidades na própria roupa.”

Quem vive nessas condições não tem um perfil muito diferente da população acostumada a enfrentar arbitrariedades do Estado: de acordo com o relatório publicado pelo Departamento Penitenciário Nacional, a maior parte da população carcerária é formada por homens, jovens e negros que não tiveram acesso à educação e cometeram crimes ligados a drogas ou a roubos e furtos contra o patrimônio.

“Por que a condição nos presídios é precária? Porque há pessoas que pensam que o detento não é gente, mas um bandido que oferece um risco ao ‘cidadão de bem’”, diz a pesquisadora Maíra Cardoso Zapater. “A ideia de proteger a sociedade do preso é algo do início do século 20, de associar a pessoa que está na cadeia a um doente.”

Apesar da negação de direitos básicos aos detentos não causar comoção popular, os problemas do sistema prisional geram consequências também para as pessoas que estão fora das celas. “A superlotação carcerária e a organização de facções dentro dos presídios apenas potencializam o aumento dos crimes”, afirma o professor Rodrigo Azevedo.

POPULAÇÃO PRISIONAL
De 2005 a 2014, a taxa de mulheres presas cresceu 10,7% ao ano

JUVENTUDE APRISIONADA
Mais de 30% da população prisional é formada por pessoas de 18 a 24 anos

OPORTUNIDADES IGUAIS?
Mais da metade dos encarcerados no Brasil são negros

BOLSA BANDIDO?
São poucos os detentos brasileiros que contam com auxílio financeiro do governo

É provável que algum de seus grupos do WhatsApp já tenha feito comentários sobre a existência de um programa governamental para auxiliar as famílias dos detentos com uma generosa quantia mensal.

O auxílio-reclusão até existe, mas está bem distante das regalias citadas: o benefício, no valor máximo de R$ 1.212,64, está restrito aos contribuintes do INSS de baixa renda e que exerceram uma atividade com carteira de trabalho assinada. De acordo com o site da Previdência Social, encarcerados que não realizaram pelo menos 18 contribuições mensais ao INSS só teriam direito a quatro meses do auxílio. “É muito raro o recebimento desse benefício: normalmente, os sujeitos que cometem os crimes mais comuns são aqueles que não têm emprego formal”, diz o professor Gustavo Junqueira. De acordo com pesquisa divulgada pela Associação Contas Abertas, pouco mais de 43 mil presos contavam com esse benefício para suas famílias.

PROPORÇÃO DO CÁRCERE
Brasil é o sexto país com a maior taxa de presos por 100 mil habitantes entre as nações com mais de 10 milhões de pessoas

CASA CHEIA
Em 14 anos, o aumento da população prisional no Brasil foi de 167,32%

PANELA DE PRESSÃO

Quem garante o quê?
Apesar de ter negada a sua liberdade, o preso tem direito a saúde, alimentação e infraestrutura digna, afirma a lei. “Mas como o Estado não tem recursos, oferece apenas aquilo que é absolutamente vital aos presos, como a água do banho”, diz o professor Gustavo Junqueira. “Os produtos de consumo diário acabam sendo fornecidos pela família.”

O acesso a itens como rádio ou televisão depende dos regulamentos de cada presídio, levando em consideração fatores como o comportamento do detento durante o cumprimento da pena. Como a comunicação externa não é permitida, equipamentos como celulares são, obviamente, proibidos. Mas isso não é um problema para a maioria dos presos, sobretudo aqueles ligados a organizações criminosas: depois de uma rebelião ocorrida em julho deste ano, uma cadeia do Ceará recolheu 426 celulares. Dentro das celas também é comum o consumo de drogas, como maconha, cocaína e crack.

Violência como política de estado
Em outubro do ano passado, a Pastoral Carcerária divulgou um relatório sobre torturas e violações cometidas contra detentos. Com base em acusações de familiares e dos próprios presos, a organização coletou relatos que incluem violência física, tratamento humilhante ou violência sexual. A Pastoral Carcerária estima que os números sejam modestos diante da realidade do sistema presidiário do país (veja dados no quadro ao lado). “A falta de controle social do cárcere permite torturas e maus-tratos sem o conhecimento da sociedade”, ressalta o padre Valdir João Silveira. A violência não está restrita aos encarcerados: de acordo com organizações de direitos humanos, mesmo após ser proibida em todo o estado de São Paulo desde 2014, a revista vexatória ainda persiste em presídios paulistas. Como não há equipamentos para inspeção não invasiva, o sistema obriga mulheres que visitam as cadeias a agacharem-se nuas para que sejam revistados a vagina e o ânus.

A LEI NÃO É PARA TODOS
Os casos de abusos registrados pelo relatório da pastoral carcerária

37 casos – Tratamento humilhante ou degradante
35 casos – Agressão verbal
10 casos – Violência resultando morte
6 casos – Violência sexual*
*Dois casos de estupro, uma denúncia de empalação e três casos envolvendo nudez forçada diante de outros presos e servidores, com os órgãos genitais das presas sendo fotografados

DO OUTRO LADO
Policiais e agentes penitenciários são os principais denunciados pela violência

BANCO DE ESCOLA
Quase metade dos presos no Brasil não completaram o ensino fundamental

ESCOLA NO CÁRCERE
A maioria da população carcerária que estuda tenta concluir o ensino fundamental

ENSINO É EXCEÇÃO
Mas apenas uma fração dos presos se envolve com a educação

Presos envolvidos em atividades de ensino formais – 11%
Presos envolvidos em outras atividades educacionais – 2%

DONOS DOS PRESÍDIOS
Organizador das regras de convivência entre os detentos, crime organizado ganha força para além dos muros

Em 1993, ano seguinte ao Massacre do Carandiru, presos paulistas deram início ao que se transformaria na maior organização criminosa do país. “Existiam quadrilhas e bandos que se agrupavam nas prisões, mas não um grupo que extrapolasse sua influência para além da unidade prisional”, afirma Camila Nunes Dias, professora de Políticas Públicas da UFABC que pesquisa a expansão do Primeiro Comando da Capital (PCC) no sistema carcerário.

Com o discurso de união entre os detentos, o PCC ganhou poder nos presídios paulistas e organizou rebeliões orquestradas e ataques contra policiais e agentes carcerários. A partir de 2006, a organização consolidou sua influência nos presídios, com um período de “pacificação” entre presos. “Quando o PCC adquiriu essa hegemonia foram percebidas mudanças, como a diminuição dos casos de violência física e sexual entre os detentos”, revela a pesquisadora.

Na prática, o Estado perdeu a autoridade sobre a dinâmica das prisões. “São presídios comandados por facções criminais, que impõem suas regras no sistema”, diz o professor Rodrigo Azevedo. “O encarceramento se torna uma forma de organização do crime, com consequências bastante conhecidas fora do ambiente do contexto prisional.”

TEMPO DE BARBÁRIE
Os piores crimes das prisões do Brasil

2 · out · 1992
O maior massacre do sistema penitenciário: chamada após uma rebelião, a Polícia Militar entra no presídio do Carandiru, em São Paulo, e 111 presos são assassinados.

18 · fev · 2001
O Primeiro Comando da Capital (PCC) lidera a maior rebelião do Brasil: mais de 27 mil detentos se amotinam em 29 penitenciárias de São Paulo. Durante a revolta, 16 presos são assassinados por rivais.

1 · jan · 2002
Grupo de detentos assassina 27 presos de uma facção inimiga durante rebelião no Presídio Urso Branco, na cidade de Porto Velho, capital de Rondônia.

1 1 · set · 2002
Quatro lideranças do crime organizado morrem após confronto entre facções inimigas no presídio de segurança máxima de Bangu 1, no Rio de Janeiro.

1 2 · mai · 2006
Em retaliação ao plano de isolar os líderes do PCC em presídios de segurança máxima, a organização criminosa inicia rebeliões e uma série de ataques a agentes de segurança, causando 59 assassinatos.

08 · nov · 2010
Conflitos entre facções levam à morte 18 detentos no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, o maior estabelecimento prisional de São Luís, capital do Maranhão.

16 · out · 2016
Dez presos são mortos em penitenciária de Roraima após disputa entre facções. No dia seguinte, outro conflito acontece em presídio de Rondônia e oito detentos morrem.

PRISÃO PARA GERAR LUCRO
Criticada por especialistas, a privatização do sistema carcerário é alvo de discussão em projeto de lei do Senado

Em tempos de recorte do Orçamento cresce o apoio a leis que transfiram parte do sistema prisional à iniciativa privada. De autoria do senador Vicentinho Alves (PR/TO), o Projeto de Lei nº 513/2011 prevê o estabelecimento de parcerias público-privadas nos cárceres: em troca da garantia de infraestrutura digna, a empresa utilizaria a mão de obra do detento. De acordo com a lei, o trabalho nas prisões privatizadas seria obrigatório.

Em tramitação no Senado, o projeto de conceder a empresas a administração dos presídios é criticado por especialistas. “O Estado não pode delegar para a iniciativa privada a custódia dos detentos”, diz o professor Rodrigo Azevedo. “Nos Estados Unidos, essa prática foi adotada desde os anos 1980, e hoje a análise é de que a experiência não deu certo.” Neste ano, o governo norte-americano anunciou que deixará de utilizar prisões privadas para abrigar presos que estão sob custódia federal.

Por enquanto, o complexo penal de Ribeirão das Neves, em Minas Gerais, é a primeira experiência de privatização no Brasil. Construído por um consórcio composto de cinco empresas, o presídio começou a funcionar em 2013, com capacidade máxima projetada para 3.336 detentos. O “modelo de negócio” da empresa-cadeia depende do dinheiro estatal: no contrato, o Estado repassa ao consórcio R$ 2,7 mil por preso mensalmente. Há uma cláusula que prevê a obrigatoriedade de o local contar com, no mínimo, 90% de ocupação.

O PONTAPÉ INICIAL
O complexo penal de Ribeirão das Neves é o primeiro do país a adotar o modelo privatizado

São 5 prisões
Capacidade prisional 3.336 vagas

Um consórcio formado por construtoras é responsável pela gestão do presídio

LUZ NO FIM DO CÁRCERE
Para diminuir a reincidência criminal, é necessária a garantia de direitos dentro e fora das prisões

MERCADO DE TRABALHO
Apesar de ser uma garantia da constituição, apenas 20% dos presos trabalham

Além da prisão, algumas penas preveem ao condenado o pagamento de uma multa, que pode ser quitada após a saída da cadeia. O problema é que apenas uma pequena parcela da população carcerária conta com garantias de trabalho. O salário também não é dos melhores: mais de 37% dos presos recebem menos de três quartos do salário mínimo e 38% deles nem sequer são remunerados. “O Estado dificilmente garante o trabalho ao preso e, como ele não tem renda, não consegue pagar a multa”, afirma o professor Gustavo Junqueira, da Damásio Educacional.

O TRABALHO NA PRISÃO
A maior parte dos presos realiza atividades dentro das próprias cadeias

E O SALÁRIO…
De acordo com a lei, o trabalho do preso é remunerado, não podendo ser inferior a três quartos do salário mínimo

EXISTE SOLUÇÃO?
Conheça medidas em debates para os problemas de segurança pública e do sistema

Hay que endurecer? Na verdade, não
A proposta do Ministério da Justiça de aumentar o tempo de reclusão para algumas penas é apoiada pela sociedade, mas não tem respaldo entre os especialistas de segurança pública. “Essa medida apenas reforça o controle das facções sobre o sistema, que já está superlotado”, diz o professor Rodrigo Azevedo, da PUC-RS.

Pela restauração e diminuição das prisões
Para além da punição, a justiça restaurativa é uma medida em que se busca a reparação do dano produzido pelo crime com mecanismos de conciliação garantidos pelo Estado. “Busca se criar um ambiente seguro para que as partes cheguem a uma conciliação”, diz o professor Edson Baldan, da PUC-SP.

O dinheiro é pouco e investimentos são necessários
Em 2014, o Fundo Penitenciário Nacional arrecadou R$ 459 milhões para realização de investimentos. O dinheiro é insuficiente para arcar com os custos do dia a dia das prisões: em uma penitenciária estadual, o custo mensal de um preso é estimado entre R$ 1,3 mil e R$ 1,7 mil.

A CONDENAÇÃO NÃO TEM FIM
Preconceito do “cidadão de bem” alimenta a alta reincidência criminal

Pesquisa divulgada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) afirma que um de cada quatro ex-detentos volta a ser condenado em um prazo de cinco anos. Mais do que discutir o caráter do criminoso, é necessário entender o motivo da reincidência. “Quem contratará um egresso do sistema prisional? Quem gostaria de ter um ex-detento ao seu lado na sala de aula?”, questiona a pesquisadora Maíra Cardoso Zapatar. “Precisamos desfazer a imagem de que o preso é um monstro social: enquanto não se resolver isso, essas pessoas serão reabsorvidas pelo crime.”

DE VOLTA À CADEIA
Elaborado com base na análise de 817 processos em cinco estados

A punição resolve?
A ideia sobre o papel das prisões como lugar de “ressocialização” dos detentos tem de ser repensada. “Ninguém cumpre a pena de forma neutra. Os presos sairão do sistema carcerário melhores ou piores? Isso depende de como eles serão tratados”, afirma o professor Gustavo Junqueira. “Se o sistema os trata com violência, obviamente sabemos qual será o resultado disso.”

Inferno atrás das grades

Ou seja, prendemos excessivamente, não conseguimos julgar todos os casos, cometemos absurdos contra os direitos humanos e, depois, mandamos a maioria dos presos de volta para o crime.

“O encarceramento é uma herança do Império e do Código Penal de 1830, quando a prisão foi instituída no Brasil. Achamos que é assim que se deve punir”, Marcos Fuchs, diretor da Conectas Direitos Humanos.

“Muitas vezes o preso tem o direito de ir para o regime semiaberto, mas não tem vaga. Também não pode ir para o regime aberto porque não tem tornozeleira. Então, ele acaba ficando no regime fechado até o final da pena” Jayme Garcia, Juiz Assessor da Corregedoria de São Paulo. Hoje, existem 150 mil pessoas cumprindo regime domiciliar no Brasil. Mas o acompanhamento das tornozeleiras é ineficiente.

Audiência de custódia

Um projeto de lei tenta exigir que qualquer pessoa detida pela polícia seja ouvida por um juiz em até 24 horas. Isso evitaria prisões desnecessárias e reduziria os abusos cometidos na abordagem policial.

“Quem decide que um suspeito vai para a prisão é o policial, na rua”, Maria Laura Canineu, Diretora da Human Right Watch Brasil.


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