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Artigo da Semana

Francisco entre misericórdia e resistência

Publicado em 23/12/2016 12:00 -

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Não é de hoje que o papa Francisco vem sendo vítima de ataques dentro e fora da Igreja Católica. Comunista, antipapa e até mesmo como o Anticristo o pontífice já foi rotulado.

Eleito no conclave de 2013 com o objetivo de reorganizar a cúria romana e de encarar os problemas da igreja na contemporaneidade, tornou-se um estorvo para os defensores do "status quo" eclesial e pastoral.

Eclesialmente, tem se movimentado em direção à colegialidade. A escuta parece ser uma aptidão fundamental para a igreja desse início de século. A questão do poder papal e sua relação com o colégio dos bispos é um tema complexo. Gerou graves crises por toda a sua história. Nesse ponto, Francisco parece não avançar tanto quanto demonstrava desejar.

Pastoralmente, dá passos largos. Com seu espírito fraternal, sua linguagem convidativa e universal, atinge não apenas leigos, padres e religiosos mas também agnósticos, ateus e membros de variadas tradições religiosas.

Seu apelo insistente à misericórdia toca o centro dos corações feridos que clamam pelo amor reconfortante de um Deus que se interessa profundamente por nossas misérias.

Francisco é filho teológico do Concílio Vaticano 2º (1962-1965) -assembleia de bispos e religiosos que levou a Igreja Romana à distensão com a modernidade. Sua ênfase na compaixão lembra diretamente João 23, o "papa bom", que convocou aquele concílio e que dizia que nos tempos atuais a igreja prefere "usar mais o remédio da misericórdia que o da severidade".

Em uma de suas últimas entrevistas mandou um recado: "Eu não barateio a doutrina, eu sigo o concílio".

Num mundo em que todos os espaços parecem contaminados por conflitos de ‘vida ou morte’, Francisco convida ao perdão. E desagrada os mais apegados aos padrões legais e à rigidez normativa.

O ímpeto renovador e reformista do papa não caminha sem barreiras. As divisões tornaram-se mais notáveis, especialmente com a publicação no início do ano da exortação apostólica pós-sinodal "Amoris Laetitia" (alegria do amor), sobre o amor na família. Fala-se até mesmo em "guerra civil na igreja".

Por mais que tenha alto capital simbólico no mercado das imagens das lideranças globais, Francisco não é unânime. E qual papa seria? As sensibilidades são inúmeras.

Comparado ao seu predecessor, o papa Bento 16, desenhado por seus detratores como um pastor alemão, pois enfrentava de peito aberto aspectos contraditórios do tempo corrente, o argentino Jorge Mario Bergoglio é pintado pela mídia como um "papa progressista".

A trupe anti-Francisco parece também cair nesse canto, ao mesmo tempo que o alimenta. Francisco não se confunde com ideologias progressistas de qualquer estirpe.

Sua teologia da misericórdia se movimenta para além delas, tendo o olhar na verdade de que "independentemente da Lei, se manifestou a justiça de Deus, testemunhada pela lei e pelos profetas, justiça de Deus que opera pela fé em Jesus Cristo em favor de todos os que creem"(Romanos 3, 21-22).

O papa é objeto de investimento dos grupos que estão nas trincheiras das guerras culturais, herdeiras das guerras religiosas de outrora. Num mundo em que todos os espaços parecem contaminados por conflitos de "vida ou morte", Francisco convida ao perdão. E desagrada os mais apegados aos padrões legais e à rigidez normativa.

Rodrigo Coppe Caldeira – Professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, é autor de "Os Baluartes da Tradição: o Conservadorismo Católico Brasileiro no Concílio Vaticano 2º"


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