25/04/2024 - Edição 540

Especial

Democracia em perigo

Publicado em 16/12/2016 12:00 -

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Na última quarta-feira (15), um artigo publicado no Estadão sob o título “Alertar é preciso! (2)” irritou a pulga que insiste habitar o cantinho da orelha daqueles que concordam com o estadista britânico Winston Churchill, segundo quem a “democracia é o pior sistema político, com a exceção de todos os outros”. No artigo, o General de Exército (na reserva) Rômulo Bini Pereira manda um aviso. Diz que os adeptos da adoção de uma intervenção militar no Brasil vêm crescendo visivelmente, e que a volta dos militares ao poder pode ser uma consequência da falência das instituições.

“São cidadãos de meia-idade que conviveram com o regime militar e consideram o período de proveito para a sociedade brasileira. Por terem a mesma visão, a eles se juntam jovens revoltados e sem esperanças de melhoras na crise que o País vive. Já não se intimidam com o patrulhamento e com o ‘politicamente correto’ tão apregoado no Brasil. Alegam que as Forças Armadas cultuam princípios e valores que não veem em outras instituições e que elas seriam a única solução para a crise atual”, afirma o general.

E vai além. Diz que, diante do “cenário de desgraças” em que se encontra o país, o Brasil “poderá ingressar numa situação de ingovernabilidade, que não atenderá mais aos anseios e às expectativas da sociedade, tornando inexequível o regime democrático vigente”. Bini Pereira finaliza seu “alerta” de forma bem clara. Diz o general: “Desse modo, se o clamor popular alcançar relevância, as Forças Armadas poderão ser chamadas a intervir, inclusive em defesa do Estado e das instituições. Elas serão a última trincheira defensiva desta temível e indesejável ‘ida para o brejo’”.

Resumindo: o general Rômulo Bini Pereira afirmou, em um dos jornais de maior circulação do país, que uma intervenção militar no Brasil seria justificada pelo estremecimento das instituições diante dos recentes escândalos de corrupção. Isso é grave.

O aviso não deve ser descartado como bravata de um troglodita de pijamas. O general representa uma fatia importante da sociedade brasileira. Embora minoritária, esta fatia tem ganho espaço nas manifestações da direita. Novembro passado (16), por exemplo, um grupo invadiu a Câmara Federal pedindo intervenção militar, a volta da ditadura. Invadiram o plenário quebrando a porta de vidro. Houve tumulto. A sessão era presidida pelo vice-presidente da Câmara, Waldir Maranhão (PP). O grupo tentou tirar Maranhão da cadeira. O deputado se recusou e suspendeu a sessão. Os manifestantes bateram boca com policiais e parlamentares. Os seguranças tentaram tirar alguns à força e eles reagiram com violência. Os manifestantes fazem parte de um grupo fechado nas redes sociais e se denominam “Os Patriotas”. Eles dizem que defendem o fim da corrupção e uma intervenção militar no país

Malucos

Diante do burburinho pró golpe militar que anda rolando pela caserna, incentivada por grupelhos de extrema-direita, o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, disse, em entrevista à jornalista Eliane Catanhede (O Estado de S. Paulo)  que há "chance zero" de setores das Forças Armadas, principalmente da ativa, mas também da reserva, se encantarem com a volta dos militares ao poder. Admite, porém, que há "tresloucados" ou "malucos" que, volta e meia, batem à sua porta cobrando intervenção no caos político.

"Esses tresloucados, esses malucos vêm procurar a gente aqui e perguntam: 'Até quando as Forças Armadas vão deixar o país afundando? Cadê a responsabilidade das Forças Armadas?'" E o que ele responde? "Eu respondo com o artigo 142 da Constituição. Está tudo ali. Ponto".

Pelo artigo 142, "as Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem."

O que o general chama hoje de "tresloucados" corresponde a uma versão atualizada das "vivandeiras alvoroçadas" que, segundo o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, primeiro presidente do regime militar, batiam às portas dos quartéis provocando "extravagâncias do Poder militar", ou praticamente exigindo o golpe de 1964, que seria temporário e acabou submetendo o país a 21 anos de ditadura.

"Nós aprendemos a lição. Estamos escaldados", diz o comandante do Exército.

Não é o que o general deixou nas entrelinhas da entrevista. Ele afirma ter se reunido com o presidente Michel Temer e com o ministro da Defesa, a quem avisou que a tropa vive dentro da tranquilidade e que a reserva, sempre mais arisca, mais audaciosa, “até o momento está bem, sob controle”.

“Eu avisei (ao presidente e ao ministro) que é preciso cuidado, porque essas coisas são como uma panela de pressão. Às vezes, basta um tresloucado desses tomar uma atitude insana para desencadear uma reação em cadeia”, relatou o general, lembrando que há temas mais prosaicos do que a crise, mas com igual potencial de esquentar a panela, como os soldos e a Previdência dos militares.

Desapreço à democracia

O clima de incerteza deixado no ar pelo general Eduardo Villas Bôas torna-se mais preocupante quando se observa o desapreço que o brasileiro tem demonstrado para com a democracia.

Em abril, uma pesquisa do Ibope apontou que democracia é a forma de governo preferível para apenas 40% dos brasileiros. Para 34%, tanto faz. Para 15%, governos autoritários são preferíveis aos democráticos em algumas circunstâncias.

E não é muito difícil de supor quais circunstâncias são essas. Na antiguidade, os romanos eventualmente abriam mão da república em períodos de crise para que um ditador tomasse as suas rédeas em nome da estabilidade. À época, o termo “ditador” não era carregado de juízo negativo de valor. Pelo contrário: sua figura era considerada necessária para a solução de imbróglios irresolvíveis em condições normais.

Retórica semelhante adotaram lideranças políticas em momentos diferentes da história. O próprio golpe de 1964, no Brasil, não se apresentou como golpe – e muito menos como definitivo. No auge da Guerra Fria, a tomada do poder pelos militares foi vendida como a transição necessária de um país assombrado pelo “comunismo” de João Goulart. Nem todos supunham que ela duraria 21 anos.

E estabilidade política é o que menos se viu no Brasil pós-Estado Novo. De lá para cá, a média é de 3 anos de mandato por presidente – incluindo os militares. Nos últimos 90 anos, somente 5 presidentes eleitos completaram os seus mandatos: Eurico Gaspar Dutra, Juscelino Kubitschek, Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma.  No restante da América Latina o quadro não é muito diferente: desde 1990, 13 presidentes já foram cassados sob diversas acusações – uma delas de “insanidade mental”, caso de Abdalá Buracan, no Equador, em 1997.

Em setembro, outra pesquisa, esta do Corporación Latinobarómetro, mostrou o mesmo cenário. Mostra que o apoio à democracia na América Latina caiu para um nível histórico. E o Brasil é o país em que mais se verifica essa tendência.

"O passado não conta, e como governante é preciso reconquistar (a aprovação dos eleitores) a cada dia", afirma uma das conclusões de uma pesquisa.

Desde 1995, a renomada organização não governamental avalia a cada ano o apoio dos latino-americanos à democracia como forma de governo. A instituição é apoiada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e pela Transparência Internacional.

A atual análise é resultado de uma sondagem realizada com 20 mil pessoas em 18 países da América Latina. O resultado: desde 2010, o índice de apoio à democracia na região caiu de 61% para 54%.

No Brasil, o índice caiu de 54% para 32% em apenas um ano. Somente na Guatemala – onde, em 2015, o presidente Otto Pérez Molina teve que renunciar por causa de acusações de corrupção – o índice de apoio à democracia é menor: 30%.

As consequências da situação no Brasil são especialmente grandes. "O Brasil não é somente o maior e mais poderoso, mas também o único país da América Latina que está lado a lado com as potências mundiais", diz o estudo.

Por isso, o estado da democracia brasileira tem fundamental importância para toda a América Latina. "A recuperação política do Brasil está vinculada à capacidade do governo de mostrar progressos na luta contra a corrupção", conclui o texto.

Os resultados atuais da pesquisa estão alinhados com uma tendência mundial de ceticismo em relação à democracia abordada pelo pesquisador americano Marc F. Plattner no ano passado, em seu livro Democracy in decline? ("Democracia em declínio?", em tradução livre).

Herança do passado

Na América Latina, muitos países voltaram à democracia há não mais de 30 anos. A análise das consequências das ditaduras militares dos anos 1970 e 1980 ainda não foi concluída.

Segundo o estudo, o aumento da indiferença política na região é particularmente grave. Do total de entrevistados, 23% da população não se importam se o governo foi eleito democraticamente ou não. Em 2010, esse índice era de somente 16%.

"A perda de confiança se manifesta num momento em que as perspectivas sombrias para a região se misturam com as altas exigências dos cidadãos em relação aos seus representantes no governo", afirma Marta Lagos, fundadora e diretora da Corporación Latinobarómetro. Esta é a primeira vez que a combinação desses fatores foi verificada na pesquisa.

Recessão e corrupção

Perspectivas econômicas negativas dificilmente são os fatores decisivos para a crescente desilusão com a democracia. Isso porque, justamente durante a crise mundial de 2008 e 2009, o índice de aprovação alcançou, respectivamente, 57% e 59%. Um ano depois, em 2010, ele chegou a 61%.

"A sociedade mudou", constata Marta Lagos. "O que ainda era tolerado há cinco anos, não é mais aceitável hoje." As pessoas exigem soluções concretas que precisam ser implementadas imediatamente contra problemas também concretos. "Eles não estão mais dispostos a esperar para depois", opina.

À primeira vista, o resultado da pesquisa na Venezuela é surpreendente. Embora o país esteja em colapso político e econômico, a democracia tem 77% de aprovação. Uma possível explicação é que muitos venezuelanos não consideram mais o governo do presidente Nicolás Maduro democrático e desejam que a Constituição volte a ser respeitada.

No Chile, Uruguai, Nicarágua e El Salvador, o apoio à democracia também caiu. No Chile, não diminuiu somente o apoio à democracia, mas também à presidente Michelle Bachelet.

Embora ela tenha terminado seu primeiro mandato em 2010 com um índice de aprovação de cerca de 80%, seu segundo mandato, iniciado em 2014, registra números bem menores.

A razão para a queda não foi somente a crise econômica provocada pela diminuição dos preços de exportação no mercado internacional da principal matéria-prima do país – o cobre –, mas um escândalo de corrupção no qual o filho de Bachelet estava envolvido. "Esses são sinais do tempo: não há mais garantia sobre êxitos alcançados no passado", explica Lagos.

"Com a democracia crescem também as exigências aos representantes eleitos para que resolvam os problemas estruturais da região", resume Lagos, citando o único resultado positivo da pesquisa: o apoio à volta de regimes autoritários caiu de 16% para 15%.

Crise de representatividade

Na avaliação do cientista político e professor de jornalismo do Centro Universitário de Brasília (UniCeub), Vivaldo de Sousa, as pesquisas revelam que turbulências políticas, como o cenário atual enfrentado pelo país, podem enfraquecer a democracia. “É um dado preocupante. Fora que se tem uma parte importante da sociedade com essa avaliação e, com isso, se tem espaço para propostas autoritárias; me preocupa, porque a democracia, por mais falha que seja, é o melhor sistema político que existe”, disse.

Para o cientista político João Feres Junior, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Iesp/Uerj), a taxa de apoio à democracia no Brasil é tradicionalmente baixa, em comparação a outros países, e isso tende a piorar por causa das descobertas e investigações de casos de corrupção, amplamente noticiadas pela imprensa.

“A cobertura política hoje em dia é basicamente a corrupção, então isso fica pior ainda. É natural que as pessoas vejam a democracia com descrédito e que tenha pessoas que fiquem falando que a ditadura seria melhor. Eu acho que é parte da intensa campanha de deslegitimação da política, que a mídia promoveu nos últimos anos, mais de uma década”.

Feres Junior acredita que a baixa adesão à democracia também se deve ao fato de ser um conceito abstrato e estar pouco presente no dia a dia das pessoas.

“Para a vida cotidiana, não faz quase diferença nenhuma se está em um regime de uma maneira ou de outra, pelo menos ela [a sociedade] não consegue articular as diferenças de regime dessa maneira. Colocar essa questão dessa forma é muito intelectualizada. Para a maioria das pessoas, não é palpável, elas não têm contato com a democracia, com o Parlamento, nada disso; pelo contrário, o único contato que têm geralmente é por meio da mídia, que mostra que eles roubam o seu dinheiro. Para a maioria, é uma coisa exterior e ruim no dia a dia”.

De acordo com o professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, Paulo Silvino Ribeiro, a interpretação de que as instituições democráticas não funcionam é um elemento relevante para entender os dados das pesquisas. “Se o Estado não tem condições ou não tem assegurado suas obrigações, e dada a frustração que as pessoas têm – seja em relação à crise econômica, seja em relação aos reiterados casos de corrupção que vêm à tona – contribuem para o descrédito da população em relação às instituições democráticas”, disse.

“É preciso que se diga [que os casos de corrupção] não foram criados ou estimulados ou inventados pelo PT, mas estão aí há décadas, se pensarmos nesses últimos governos democráticos”, acrescentou.

Em relação ao percentual de entrevistados que afirmaram (na pesquisa do Ibope) preferir um regime autoritário ao democrático, Paulo Silvino Ribeiro avalia que parte da sociedade tem interpretação equivocada do que foi a ditadura militar, por exemplo, no país, e aponta a ausência de engajamento político dos brasileiros. “Essa porcentagem é uma leitura equivocada, faz sentido quando sabemos que, para o senso comum, foi no regime militar que houve relativo crescimento econômico, que haveria uma ordem – e quando falamos de ordem, falamos evidentemente de um policiamento mais ostensivo –, uma defesa de valores e noções absolutamente conservadoras e reacionárias, que transitam muito bem no imaginário social”.

A (frágil) democracia na América

De fato, a democracia decai. Há algum tempo isso é dito pelo Club de Madrid, Freedom House e o National Endowment for Democracy, entre outros. Estamos testemunhando uma paulatina “recessão democrática”, nas palavras de Larry Diamond. A prolongada crise econômica europeia, o ressurgimento dos nacionalismos e dos partidos xenófobos, o fracasso da primavera árabe e, por outro lado, a estabilidade alcançada por diversas autocracias falam de um clima global inóspito para a democracia.

Na América Latina, entretanto, é mais do que isso. A narrativa dos anos oitenta foi marcada pelos direitos humanos e a transição. O argumento dos anos noventa foi sobre as democracias que delegavam, não liberais e híbridas, construções conceituais que enfatizavam a robustez dos processos eleitorais, apesar de seus déficits nas áreas de direitos da população e separação de poderes. Essa linguagem hoje é insuficiente: a noção de recessão democrática não descreve a regressão autoritária em curso.

Tal regressão não pode ser compreendida desconectada do efeito dos preços favoráveis da última década. Muitos governos democraticamente eleitos, com o boom das matérias primas, tiveram assegurados preços de venda históricos e recursos fiscais sem precedentes. Foram usados para aumentar a arbitrariedade do Executivo, financiar máquinas clientelistas de profunda imersão na estrutura social e estendidas no território e, desse modo, buscar a perpetuação no poder. É paradoxal que a prosperidade desse século tenha prejudicado mais as instituições democráticas do que a crise da dívida e a hiperinflação do século anterior. Isso convida a repensar a teoria.

O ponto fundamental dessa deterioração foi a reforma constitucional, um verdadeiro vírus latino-americano que não respeita fronteiras e ideologias. Foi feita pela esquerda, pela direita e pelos (mal denominados) populistas. Foi feita por todos, e todos com o objetivo de se manter no poder por mais tempo do que o estipulado ao chegar ao poder. De um mandato a dois, de dois a três e de três à reeleição indefinida. A regressão autoritária foi inevitável. Um presidencialismo sem alternância não pode ter outro destino a não ser adquirir traços despóticos.

A reforma per se não é o problema, e sim que a constituição se transforme em uma roupa feita sob medida para o presidente da vez, um conjunto de normas com seu sobrenome e escritas com sua caneta. A perda da neutralidade das regras do jogo dilui a noção de igualdade diante da lei e fragiliza a separação de poderes, o devido processo e as garantias individuais, princípios que dão sentido ao viver em democracia. Não é de surpreender, portanto, as subsequentes restrições à liberdade de imprensa e a intimidação a juízes e promotores independentes, práticas frequentes na região. É o menu completo da manipulação.

A democracia é um contrassenso na ausência do Estado de Direito. É difícil garantir justiça e proteger liberdades e direitos sem uma norma jurídica objetiva, neutra, impessoal e equitativa. Desnecessário falar da capacidade decrescente do Estado para monopolizar os meios de coerção, cuja imediata consequência foi a exacerbação do crime organizado e a corrupção, sintomas iguais da degradação institucional.

É quase o nascimento de um novo tipo de regime político. Nele, a corrupção é, justamente, o componente central da dominação. É muito mais do que o ato ilegal de ficar com o dinheiro público. A corrupção faz as vezes de partido político: seleciona políticos, organiza a disputa eleitoral e exerce a representação – e, sobretudo, o controle – territorial. Cristaliza desse modo a pós-democracia latino-americana.

O desafio do futuro é a mudança do ciclo econômico. A desaceleração produzirá um crescimento bem modesto nos próximos anos, e isso sem contar os sérios problemas macroeconômicos de alguns países; a Venezuela, Argentina e Brasil, em ordem de gravidade. A América Central terá desequilíbrios no setor externo pela diminuição do subsídio da Petrocaribe e a diminuição das exportações à Venezuela. O Caribe, que está muito endividado, sofrerá os aumentos da taxa de juros nos Estados Unidos.

As dificuldades econômicas colocarão pressão sobre o sistema político. Se, além disso, o poder das instituições democráticas estiver diluído, a volatilidade macroeconômica poderá acabar em uma intensificação do conflito social. As vozes mais ouvidas serão as das novas classes médias, 70 milhões de pessoas que deixaram a pobreza, mas que são especialmente vulneráveis diante de mudanças bruscas na economia e no emprego. O grande desafio virá da população jovem, mais preparada do que seus pais, mas também mais desempregada. Não é por acaso serem eles os mais desafiados pelo processo político. A frustração social poderá ser generalizada.

Ou talvez não e, pelo contrário, resida ali a grande oportunidade, a consequência não buscada (conceito criado pelo grande Albert Hirschman) do boom e do clientelismo redistributivo. Acontece que essas novas classes médias já não querem ser clientes, súditos, peças descartáveis da máquina de perpetuação. São cidadãos, pedem seus direitos, detestam a corrupção, querem qualidade institucional, têm voz e capacidade de ação coletiva, resistem à pós-democracia. É isso que se vê hoje nas ruas de São Paulo, Caracas, Quito, Cidade da Guatemala e San Miguel de Tucumán.

A América Latina continua sendo ela mesma: pouco Estado, um sistema político fragmentado, instituições inexistentes e uma enorme sociedade civil, cada vez mais atuante.

Em meio a tudo isso, nos resta relembrar que a democracia pode não ser a panaceia para todos os males, mas, como disse recentemente Leandro Karnal, é o melhor que temos para nossas doenças sociais.

“A democracia não é o sistema onde todos são éticos, mas onde os não éticos podem ser punidos. A democracia não é o sistema onde todos são bons, mas onde alguns ruins podem ser punidos. A democracia não é o sistema que garante o paraíso na terra, mas é o sistema que impede que o inferno se instale”.


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