20/04/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

Luto e autocrítica na saída das urnas

Publicado em 25/11/2016 12:00 - Rodrigo Amém

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No seu livro "On Death and Dying", publicado em 1969, a psiquiatra Elisabeth Kübler-Ross propôs o modelo que ficou conhecido como Os Cinco Estágios do Luto (da perda, da tragédia ou da morte). Para a doutora, a experiência do luto passa por cinco estágios: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação.

A ascensão da direita conservadora ao redor do mundo enlutou a esquerda. Primeiro, houve a negação. "Não, Crivella e Dória são fruto da boçalidade brasileira. Aqui, tudo anda para trás", diziam alguns. Mas, lá fora, teve Brexit. "Ah, essa Inglaterra é super reacionária. Até rainha eles têm!" E então, veio Trump e a casa da social democracia caiu.

Agressões, choro, ranger de dentes, protestos. Habemus raiva. Chegou o momento de apontar o dedo e nomear culpados. Alguns acusaram os eleitores de Trump de neonazismo, machismo e racismo. Outros condenaram a esquerda radical por apostar em candidatos nanicos ou – pior ainda – não votar em ninguém. "Vocês, idiotas, destruíram o mundo. Parabéns aos envolvidos."

Neste momento, começam os chamados discursos de "autocrítica da esquerda". É o pontapé inicial da fase da barganha. "A culpa é nossa."

Um dos mais compartilhados é o desabafo do comentarista britânico Jonathan Pie. Histriônico, ele faz o "Eu já sabia, Galvão" que sempre soube que Trump ganharia. Eu juro que procurei um vídeo dele antes da eleição afirmando isso, mas não encontrei. Também não é o caso.

O importante é que ele centra sua autópsia em 3 fatores:

1 – Hillary não era uma boa candidata porque não representa mudança.

Fosse alguém que representasse a mudança de verdade, tipo Bernie Sanders, teria ganho fácil de Trump. O problema desse argumento é que ele pressupõe que o americano médio estaria disposto a votar em alguém que se diz abertamente socialista. Se essa palavra é problemática no Bexiga, imagina no Texas. Se os valores progressistas de Hillary eram problemáticos para os conservadores (como acolher imigrantes e direito ao aborto), os de Sanders também seriam. Claro que o americano do interior quer mudança. Ele quer voltar para 1950, como todo bom conservador.

Nas questões sociais que realmente importam para esse eleitor, os dois se equivalem. Lembre-se: Clinton teve mais de dois milhões de votos a mais que Trump. Mas ela perdeu nos lugares onde globalização e inclusão social são coisas do capeta.

o próximo estágio do luto da esquerda é a depressão. Vamos nos dar conta de que não importaria o candidato, não importaria a plataforma ou a didática da campanha. Os conservadores simplesmente estavam fartos de não estar no controle e os progressistas estavam acomodados demais com o poder para perceber que ele corria perigo. E isso acontece mais ou menos de década em década nas democracias modernas.

2 – A esquerda perdeu sua capacidade de dialogar.

Esse argumento é interessante porque também foi reproduzido aqui para explicar as derrotas de Haddad e Freixo. Como se tivesse faltado um discurso, uma proposta de governo, uma promessa de campanha. Como se o problema fosse pedagógico. Esse argumento é perigosamente condescendente. Ela parte do princípio que a outra posição é um equívoco a ser esclarecido. "Precisamos mostrar por A + B que nossa visão do mundo é a correta. Eles estão apenas mal informados. Mas, se falarmos isso, eles vão se sentir melindrados, ofendidos. Temos que oferecer mudança para convencê-los a continuar nosso projeto de poder". Seja lá o que isso quer dizer.

Partir do princípio que faltou esclarecer seu ponto de vista não é humilde. É um duplo twist carpado de arrogância. Agora, adaptar seu ponto de vista para representar os anseios da população mais ampla é outra coisa. Mas, quando isso acontece (e acontece pacas), a esquerda normalmente se ressente. Vide Lulinha Paz & Amor.

3 – Passamos muito tempo demonizando o eleitor conservador

Nem todo mundo que votou no Trump é machista. Verdade. Nem todos são nazistas. Verdade. Nem todos são intolerantes. Também é verdade. Mas existe um ressentimento nesse eleitor que não está aberto ao diálogo. É um povo sofrido por ter sido abandonado na estrada da economia global. Um povo que se sente traído pelos valores do próprio país. E, por isso, se sente no direito de apoiar um candidato machista, racista e xenofóbico. Não dá pra fazer de conta que não há um dolo eventual nessa decisão. E essa denúncia precisa ser feita, sim.

Só para lembrar: Trump foi eleito prometendo banir muçulmanos, construir um muro na fronteira com o México e acabar com tratados de preservação ambiental e combate às mudanças climáticas. Tudo bem que você não acendeu a fogueira. Mas, se você foi comprar a gasolina e ainda emprestou o isqueiro, você faz parte do Klu Klux Klan sim, senhor.

A boa notícia é que o próximo estágio do luto da esquerda é a depressão. Vamos nos dar conta de que não importaria o candidato, não importaria a plataforma ou a didática da campanha. Os conservadores simplesmente estavam fartos de não estar no controle e os progressistas estavam acomodados demais com o poder para perceber que ele corria perigo. E isso acontece mais ou menos de década em década nas democracias modernas.

Aí sim, virá a aceitação.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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