26/04/2024 - Edição 540

Saúde

Entenda a judicialização da saúde e debate do STF sobre acesso a remédios

Publicado em 04/10/2016 12:00 -

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O Supremo Tribunal Federal (STF) voltou a discutir no último dia 28 se os Estados devem ou não fornecer medicamentos de alto custo, fora da lista do SUS ou até sem registro no Brasil a pacientes que recorrem à Justiça para obtê-los.

Em nova etapa do julgamento que avalia se os governos devem ser obrigados a dar remédios de alto custo fora da lista do SUS e sem registro no Brasil, três ministros do STF defenderam a possibilidade de medicamentos avalizados apenas fora do país serem fornecidos a pacientes, mas em caráter de exceção.

Eles sugeriram a adoção de critérios na análise das ações judiciais que pedem acesso aos remédios -indicando que pacientes poderão conquistar esse direito, mas mediante novas condições. A sessão do STF foi suspensa na quarta (28) depois de pedido de vista do ministro Teori Zavascki. Não há data definida para a retomada –outros oito ministros irão votar.

O julgamento no STF é um marco na discussão sobre a judicialização da saúde. Estados esperam um freio nos processos, devido ao impacto nas contas públicas para atender demandas individuais. Já pacientes esperam a ampliação do acesso a medicamentos.

O ministro Marco Aurélio Mello mudou parte de seu voto anterior: manteve avaliação de que os governos devem custear tratamentos de alto custo e acrescentou que poderão arcar até com a importação de produtos sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Mello fixou condições: desde que não haja similares no Brasil, que esse remédio seja ofertado em outros países e que o paciente apresente laudo para atestar que é indispensável à sua saúde. O ministro defendeu que os Estados possam requerer a solidariedade familiar no custeio de tratamentos caso se constate a capacidade financeira de parentes do doente.

Embora avalie, de modo geral, que os governos não podem ser obrigados a disponibilizar remédios fora da lista do SUS, o ministro Luís Roberto Barroso defendeu exceções, com base em cinco critérios: 1) a comprovação de que o paciente não tem como arcar com os custos; 2) que o medicamento não tenha sido recusado em análise da comissão que avalia a oferta de remédio no SUS; 3) que não haja outra alternativa disponível; 4) que tenha segurança e eficácia comprovadas; 5) que o custeio seja feito pela União, e não só por Estados ou municípios.

"Não há sistema de saúde que possa resistir a um modelo em que todos os remédios, independentemente do seu custo e impacto financeiro, possam ser oferecidos a todas as pessoas", afirmou.

Em relação a remédios sem registro na Anvisa, Barroso defendeu que a exceção valeria só para medicamentos "com segurança comprovada e testes concluídos", e diante de "irrazoável" demora (mais de um ano) para a agência apreciar um registro.

A adoção de critérios foi defendida pelo ministro Edson Fachin, para quem deve ser observado se houve "falha ou demora" na incorporação do remédio na rede pública. Fachin disse que a Justiça não pode, como regra, autorizar medicamento não registrado, mas pode determinar que a agência reexamine um registro e, "em última hipótese", autorizar o fornecimento.

Entenda o debate

Abaixo, entenda o que a judicialização, o que está em jogo na sessão do STF e quais são os argumentos das partes envolvidas na discussão.

1. O que é judicialização da saúde?
É a tentativa de obter medicamentos, exames, cirurgias ou tratamentos, aos quais os pacientes não conseguem ter acesso pelo SUS ou pelos planos privados, por meio de ações judiciais. Os pedidos normalmente são feitos com base no direito fundamental de todo brasileiro à saúde.

2. Por que esse tema está sendo tão debatido ultimamente?
Nos últimos anos, o número de processos e o gasto dos governos com ações judiciais têm crescido tanto a nível federal quanto em Estados e municípios. O total de condenações do Estado de SP, por exemplo, quase dobrou nos últimos cinco anos (foi de 9.385 em 2010 para 18.045 no ano passado).

3. Quando essa prática começou?
A partir da década de 1980, com a progressiva constitucionalização dos direitos sociais e as dificuldades do Estado em prover esses serviços efetivamente. O envelhecimento da população, a crise econômica e os cortes no orçamento da saúde contribuíram para o atual aumento dos casos.

4. O que o STF terá que debater no julgamento desta quarta (28)?
Os ministros vão discutir sobre a obrigação do Estado em fornecer medicamentos considerados de alto custo, que estão fora da lista do SUS ou que ainda não são registrados na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) –e, que, por isso, não podem ser vendidos no Brasil.

5. O que motivou esse debate?
Dois processos que chegaram ao STF. O primeiro, de 2007, trata de um recurso impetrado pelo governo do Rio Grande do Norte após o Estado ser obrigado a fornecer um medicamento de alto custo a uma paciente que não tem condições financeiras de comprá-lo. O segundo, de 2009, ocorre depois que uma paciente de Minas Gerais, com doença renal crônica, pediu à Justiça que o Estado custeasse o acesso a um remédio sem registro na Anvisa na época, mas aprovado em outros países. Com o pedido negado, ela recorreu.

6. Por que a decisão do STF é importante?
Como o supremo já decidiu que os dois casos são de repercussão geral, a decisão deve influenciar outras ações judiciais pelo país. A avaliação é esperada por governos, membros do Judiciário, entidades de saúde e representantes de pacientes, entre outros.

7. O que dizem os governos?

  • O volume de ações judiciais é crescente e tem causado desequilíbrio nas contas
  • São gastos valores altos para beneficiar poucos pacientes
  • Despesas "inesperadas" podem ameaçar políticas de saúde, já que orçamentos só preveem remédios incluídos na lista do SUS
  • Há distorções em algumas solicitações -em SP, por exemplo, já houve pedidos de itens como lenços umedecidos, colchão de solteiro e até remédio para cachorro

8. O que dizem representantes dos pacientes?

  • Os pacientes acionam a Justiça por causa da demora na incorporação e oferta de tratamentos pelo SUS ou na análise de novos medicamentos pela Anvisa
  • O conceito de "alto custo" deve ser olhado do ponto de vista do paciente
  • Trata-se de remédios que já foram aprovados por agências de outros países, como a americana FDA
  • Decisão contrária pode inviabilizar o acesso à saúde a pacientes pobres ou com doenças raras, por exemplo, cujo tratamento só está disponível no exterior

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