20/04/2024 - Edição 540

Especial

Eles nos representam… será?

Publicado em 18/08/2016 12:00 -

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Você provavelmente nunca ouviu falar de Sólon, político grego que deu seu último suspiro há mais de 2 mil anos. Mas deveria. Sólon é considerado um dos pais da democracia porque decidiu que os postos mais importantes do governo deveriam ser ocupados apenas pelos cidadãos mais ricos. Não, você não leu errado, é isso mesmo: quanto mais alto fosse o cargo, mais dinheiro precisava ter o sujeito que quisesse ocupá-lo. Não parece o sistema mais democrático do mundo (e não é), mas antes disso os cargos políticos passavam praticamente de pai para filho, e nem mesmo os “milionários” da velha Atenas podiam participar do governo se não ostentassem um sobrenome importante.

Na teoria, o sistema de Sólon pelo menos dava a qualquer um a oportunidade de governar — bastava enriquecer fabricando toneladas de azeite de oliva ou vendendo milhares de miniaturas das esculturas de Zeus por $1,99. Mas, na prática, o governo continuava formado por meia dúzia de homens brancos endinheirados, exatamente como era antes.

De lá para cá, quase tudo mudou: Galileu foi condenado por afirmar que a Terra girava ao redor do Sol; Edison inventou a lâmpada elétrica; o direito ao voto tornou-se universal; e a seleção brasileira levou sete gols da Alemanha na última Copa. Mas pelo menos uma coisa continua quase igual: com algumas honrosas exceções, o governo ainda é basicamente formado por meia dúzia de homens brancos endinheirados.

No Brasil, que hoje é a quarta democracia do mundo em número de eleitores, só 20% dos deputados federais são negros — entre a população, eles são mais de 50%. No caso das mulheres, a situação é ainda pior: elas são 51% dos brasileiros, mas apenas 9,9% do parlamento. E os empresários, sozinhos, ocupam mais de 40% das cadeiras. Não por acaso, os deputados eleitos no último pleito foram imediatamente colocados contra a parede para realizar mudanças no sistema eleitoral. Eduardo Cunha (PMDB-RJ), promovido a presidente da Câmara (e hoje em vias de ser caçado), logo tratou de encaminhar votações para propostas de reforma política que alterariam o formato das eleições. “A reforma política é acompanhada de um clamor, como se fosse uma solução mágica. A verdade é que posso construir paredes na minha casa ou destruí-las e ainda assim será uma reforma”, diz Cláudio Gonçalves Couto, professor do departamento de gestão pública da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

E, de fato, os principais projetos que Cunha tentou aprovar estavam muito mais para contrarreforma política: o distritão, derrubado pelos deputados, favoreceria os candidatos mais ricos e faria pouca diferença na prática. E a institucionalização de doações de empresas aos partidos, que acabou sendo vetada pelo Supremo Tribunal deferal (STF), seriam contribuições para que a “casa do povo” continuasse como um puxadinho para construtoras, bancos e outras megacorporações.

“Não acho que há muitos políticos representando empresários, ao contrário, acho até que tem muito mais gente representando os trabalhadores”, dizia o então presidente da Câmara. Nas eleições do ano passado, Cunha recebeu R$ 6.832.480 de doações de empresas como os bancos Safra e Pactual, Bradesco Vida e Previdência e até a Coca-Cola. Logo tratou de recuperar os investimentos milionários, com medidas como a regulamentação da terceirização, que interessa a todas as grandes empresas.

Mas, se todos os brasileiros podem votar, por que continuam elegendo pessoas que representam muito mais os interesses das empresas que os da própria população? Frank Underwood, protagonista da série House of Cards e provável ídolo do presidente da Câmara, disse uma vez que “a democracia é superestimada”. Não é. Mas o voto talvez seja.

Pacato Cidadão

A democracia grega que Sólon ajudou a criar funcionava como uma grande reunião de condomínio: da mesma forma como todos os moradores podem ir ao salão de festas do prédio opinar sobre a reforma do elevador ou o som alto do vizinho, todos os cidadãos gregos podiam ir à assembleia popular debater os rumos da pólis. Esse sistema só era viável porque, como apenas cerca de 10% dos moradores da cidade se encaixavam na condição de “cidadãos”, ficava fácil reunir todo mundo em um mesmo espaço físico.

Depois disso, levou pouco tempo, coisa de 2 mil anos no máximo, para que a humanidade concluísse que valia a pena incluir trabalhadores e mulheres no processo democrático. Só que aí já não dava mais para reunir todo mundo em um lugar só. A alternativa encontrada foi a democracia representativa, em que cada cidadão tinha o direito de votar em um representante que supostamente seria seu elo de ligação com o governo. O voto seria, portanto, a forma de garantir que todo mundo tivesse seus interesses representados. Mas, como agora já deve estar claro, essa garantia isolada na verdade não garante coisa nenhuma.

“O voto é um meio muito pouco expressivo de participação política. Ele tem limitações que são claras”, diz Luis Felipe Miguel, professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB). A história está de prova: quando operários europeus conseguiram o direito ao voto, no século 19, os aristocratas movidos a Moët & Chandon morriam de medo de que o resultado fosse uma redistribuição radical da riqueza. Com as mulheres, o processo foi parecido, com o receio de que a igualdade de voto fosse o primeiro passo rumo à igualdade de direitos. E não é preciso ser um Aristóteles para perceber que essas previsões passaram longe de se concretizar.

O problema é que, hoje, os eleitores têm menos liberdade do que parecem ter na hora de decidir quais números vão digitar na urna eletrônica. O voto de cabresto continua existindo — só ficou mais discreto. Ninguém vai até a cabine eleitoral para garantir que você votou, digamos, no coronel Calçada (personagem fictício, qualquer semelhança com nomes ou pessoas reais é mera coincidência) —, o que não significa que você não tenha sido influenciado de muitas outras formas. “A democracia eleitoral se baseia na presunção de que cada um tem um entendimento esclarecido de suas próprias preferências. Mas essa presunção, que até faz sentido na teoria, é pouco defensável na prática”, explica o professor da UnB. Basicamente, os ricos e poderosos têm mais condições de influenciar outras pessoas e fazer que seus pontos de vista prevaleçam. “A classe política profissional é, da perspectiva social, uma elite que tem recursos, e por isso ela é majoritariamente formada por brancos, homens, empresários. Todos os grupos privilegiados são super-representados pelo Congresso”, diz Cláudio Gonçalves Couto.

A festa da democracia funciona assim: todo mundo está convidado, mas o espaço vip com bebida que pisca fica reservado para os poucos reis do camarote que podem pagar por ele.

Crowdfunding Eleitoral

Já pensou que mágico se você tomasse 50 multas de trânsito e precisasse pagar apenas duas? Pois foi quase isso que aconteceu com os sortudos planos de saúde do Brasil. Em abril de 2014, o Congresso votou a Medida Provisória 627, criada para regulamentar os impostos sobre os lucros obtidos por multinacionais brasileiras no exterior. A medida provisória funciona mais ou menos como um projeto de lei criado pela própria presidente, e só vira lei de fato se for aprovada pelo Congresso. Mas tem uma pegadinha: deputados e senadores podem alterar o projeto da presidente antes de aprová-lo. Essas alterações são as famosas “emendas”, e a MP 627 recebeu nada menos que 513 delas. Uma dessas emendas operou praticamente um milagre: transformou um inocente projeto sobre impostos em perdão de uma dívida de R$ 2 bilhões dos planos de saúde (porque, sempre que tomassem 50 multas pelo mesmo motivo, as empresas precisariam pagar apenas duas). O relator da MP era justamente Eduardo Cunha, que na época ainda não era presidente da Câmara. E um dos principais patrocinadores da campanha milionária de Cunha nas últimas eleições foi justamente o… Bradesco Saúde, um dos maiores planos do Brasil.

A campanha de todos os partidos nas eleições de 2014 custou mais de R$ 5 bilhões, o equivalente a cinco estádios do Maracanã, 170.946 carros populares ou um passaporte de férias eternas para você, sua família e todos os seus amigos do Facebook. Para conseguir essa grana, os candidatos fizeram uma espécie de financiamento coletivo. Eles bateram de porta em porta, disseram de quanto dinheiro precisavam e, claro, prometeram recompensas para quem concordasse em ajudar. E muita gente concordou: construtoras como Andrade Gutierrez, OAS, Queiroz Galvão e Odebrecht, empresas de bebidas como Ambev e Cervejaria Petrópolis e bancos como BTG Pactual e Bradesco despejaram mais de R$ 3 bilhões nas contas dos partidos. A JBS, dona da Friboi, lidera as doações, com mais de R$ 365 milhões investidos. O resto do dinheiro veio de contribuições de pessoas físicas e do Fundo Partidário, recurso público repassado mensalmente aos 32 partidos políticos registrados no país. Em 2014, R$ 365 milhões foram distribuídos às legendas, que recebem sua parte de maneira proporcional ao tamanho da bancada na Câmara dos Deputados.

Agora certamente já está claro que as doações feitas por empresas eram, na verdade, investimentos. As construtoras esperavam se dar bem com novas obras, as cervejarias queriam diminuir os impostos sobre a bebida, e os bancos queriam, veja só, dinheiro (que pode vir na variação da taxa de juros, por exemplo). É por isso que muita gente lutou pelo fim do financiamento privado: quando candidatos dependem mais das empresas que das pessoas para ser eleitos, não é difícil saber quais interesses priorizarão quando estiverem instalados nas confortáveis cadeiras do Congresso.

Para piorar, as empresas não colocavam dinheiro em qualquer candidato. “Algumas faziam estudos prévios para investir seu dinheiro em candidatos competitivos”, afirma Wagner Mancuso, professor de gestão de políticas públicas da Universidade de São Paulo (USP). “Candidatos homens têm maior prevalência que mulheres, e os empresários também recebem mais recursos.” Como em uma corrida de cavalos, a aposta é feita em quem tem mais chance de vencer e, assim, garantir o retorno do investimento. Às vezes, não necessariamente por métodos legais: as empreiteiras OAS e Andrade Gutierrez são investigadas na Operação Lava-Jato justamente por conta das doações que fizeram aos maiores partidos brasileiros. Com propriedade de causa, Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras envolvido no esquema de corrupção, deu sua opinião sobre o financiamento privado em vídeo gravado pela Procuradoria Geral da República: “Nenhuma empresa vai doar 2, 3, 4, 5 milhões de reais porque gosta de fulano de tal. Todas as doações, sejam oficiais ou não, são empréstimos. A empresa está emprestando para o cara e depois vai cobrar dele”.

Em campanhas cada vez mais profissionalizadas, que investem pesado em recursos audiovisuais e obrigam o candidato a se deslocar para diferentes localidades, o dinheiro torna-se um diferencial na hora da eleição. Uma pesquisa realizada pelo Estadão Dados estimou que candidatos a deputado federal com verba de campanha superior a R$ 5 milhões têm nada menos que 100% de chance de se eleger. Já quem investe menos de R$ 500 mil tem apenas 3% de possibilidade de chegar à Câmara.

Nas últimas eleições, o deputado federal Sergio Zveiter (PSD-RJ) foi o dono do voto “mais caro”: investiu R$ 5.720.551 para receber 57.587 votos, uma média de R$ 99,34 por voto. O pastor Marco Feliciano (PSC-SP) não precisou de muito para ser eleito, gastando apenas R$ 145.560 para ganhar 388.087 votos. Seu desafeto, Jean Wyllys (PSOL-RJ), foi o segundo deputado federal mais efetivo, com gastos de R$ 67.892 e 144.770 votos.

33 Mil + Benefícios

Os 32 políticos filiados ao Partido Progressista (PP) que são investigados na Operação Lava-Jato não assustam Paulo Maluf, líder histórico da legenda. O deputado federal, que é ex-prefeito paulistano, ex-governador paulista e ex-candidato à presidência da República e atualmente figura na lista de procurados da Interpol por “apropriação indébita de fundos”, disse em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo que se orgulhava de pertencer há 48 anos ao “melhor partido do mundo”. Sucessor da Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido oficial da ditadura militar, o PP ainda abriga políticos ligados ao regime, caso do deputado federal fluminense Simão Sessim e do próprio Maluf, além de figuras como Jair Bolsonaro.

É de imaginar, portanto, que uma reunião entre membros do partido com lideranças do Partido dos Trabalhadores não seria lá muito amigável. Mas que nada: em 2012, Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Haddad, na época pré-candidato à prefeitura de São Paulo, visitaram a mansão de Maluf e selaram o acordo entre os dois partidos com um caloroso aperto de mãos. Em 2014, a dobradinha se repetiu e o PP apoiou a candidatura de Dilma Rousseff, que na juventude pegou em armas e foi torturada para combater a ditadura sustentada pela Arena. Um caso de esquecimento seletivo, esquizofrenia coletiva ou um bom jeitinho para se adaptar ao nosso sistema eleitoral?

As três respostas estão corretas, mas a maneira como as coligações se formam para disputar eleições ajuda a explicar por que partidos sacrificam seus programas de governo — aqueles que usaram para ganhar o seu voto — e se aliam a outras legendas com programas completamente diferentes. É que, se eles não fizerem isso, fica impossível conseguir o mínimo de apoio necessário para aprovar qualquer projeto. Quem se dá bem com essa bagunça são os partidos pequenos, que podem negociar seu apoio tanto com a situação quanto com a oposição. Aliás, a pulverização partidária na Câmara — 28 legendas elegeram pelo menos um deputado — não é tão difícil de ser explicada quando observamos as mordomias reservadas aos parlamentares: cada deputado federal recebe um salário de R$ 33.763 (maior que o da presidente), auxílio moradia de R$ 4.272,99 e uma verba de R$ 92.005 para contratar até 25 funcionários de sua confiança.

Para complicar um pouco mais, o sistema brasileiro privilegia o voto proporcional. Isso significa que seu voto conta ao mesmo tempo para o candidato e para a legenda. Se você votar no coronel Calçada e ele não for eleito, seu voto não é jogado fora: ele pode ajudar a eleger outros candidatos do mesmo partido ou da mesma coligação (quando vários partidos se juntam para disputar a eleição). Mas o sistema proporcional também tem falhas. Uma delas é a possibilidade de que os partidos pequenos invistam nos chamados “puxadores de votos”. São figuras como Tiririca (PR-SP), que recebem uma votação monstruosa e acabam elegendo outros candidatos da mesma coligação. Em 2010, quando concorreu pela primeira vez, o humorista recebeu mais de 1 milhão de votos. Teoricamente, seus eleitores estavam protestando contra “tudo o que está aí”. Mas o partido de Tiririca estava coligado com o PT, e os votos dados ao humorista na verdade ajudaram a eleger o petista José Genoíno, posteriormente condenado no processo do Mensalão.

Por mais bem-intencionado que um chefe de Estado seja, ou ele dialoga com os 28 partidos do Congresso ou se inspira em Game of Thrones para fazer um Casamento Vermelho, com direito a dragões cuspindo fogo e tudo.

Dia da Capivara

Em fevereiro de 2015, o deputado catarinense Ronaldo Benedet (PMDB-SC) pediu o desarquivamento de um projeto de lei (PL) apresentado por ele e outros 126 colegas em setembro de 2013. Tratava-se de uma proposta de reforma política que, entre outras coisas, previa uma espécie de recall para legisladores — os deputados poderiam ser afastados se os eleitores concluíssem que eles não estavam agindo de acordo com o que prometeram. O pedido de desarquivamento foi negado, e a explicação foi constrangedora: não havia como desarquivar um projeto que nunca tinha sido arquivado.

“Costumamos pedir o desarquivamento de nossos projetos quando iniciamos um novo mandato”, diz Benedet. “Talvez um assessor tenha incluído esse PL junto com os outros.” É comum que parlamentares não saibam exatamente em que pé estão seus projetos. Além de Benedet, outros sete deputados pediram o desarquivamento do PL 6.316 no início do ano passado — e todos obviamente tiveram seus pedidos indeferidos pelo mesmo motivo. Mas foi Benedet o escolhido para ilustrar esta reportagem porque, de todos, ele foi o único que votou a favor do financiamento privado de campanha no final de maio de 2015, apenas três meses depois de tentar “ressuscitar” um projeto que defendia justamente o contrário. “Eu sou a favor do financiamento público, mas hoje ficou impossível aprová-lo na Câmara, porque somos massacrados pela mídia e a população não quer usar dinheiro público para pagar campanhas”, justificou o deputado na época. “Votei contra as doações de empresas a candidatos, mas, depois de uma conversa com os líderes do PMDB, resolvi votar a favor das doações para partidos.” Seria caso de recall?

“É curioso que as pessoas tenham aprendido rapidamente a reclamar quando um eletrodoméstico estraga ou a entrega do jornal atrasa, só que o sistema político não desperta o mesmo interesse”, diz Jairo Nicolau, pesquisador da UFRJ. Mas a verdade é que, se os 105.303 catarinenses que votaram em Benedet em 2014 — ou 105.302, descontando o próprio deputado — quisessem voltar atrás depois que ele “mudou de opinião” subitamente, tudo o que poderiam fazer seria xingar muito no Twitter. A democracia representativa não prevê qualquer contato direto entre eleitores e eleitos. “Existe um elemento elitista na defesa da manutenção da distância entre representantes e representados”, diz Luis Felipe Miguel, da UnB. “Precisamos ter mecanismos de interlocução capazes de permitir que os representantes respondam aos interesses que vão se formando na base inclusive ao longo dos mandatos.”

Curiosamente, o PL 6.316, que Benedet e os colegas tentaram desarquivar, foi fruto de um dos raros “mecanismos de interlocução” que existem hoje entre a sociedade e o Congresso. Trata-se dos chamados “projetos de lei de iniciativa popular”. Digamos que você queira criar o Dia Nacional da Capivara. Se conseguir a assinatura de 1% dos eleitores brasileiros, algo como 1,5 milhão de pessoas, você pode “obrigar” a Câmara a debater sua proposta. Parece bom. Mas aí sempre pode acontecer o mesmo que aconteceu com o PL 6.316: nada.

O projeto, organizado por entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), foi levado ao plenário em 2013 pela então deputada Luiza Erundina. Desde então, ele está mofando em algum canto da Câmara — aparentemente com a condescendência do presidente Eduardo Cunha. “Vamos exigir que o PL 6.316 seja apreciado, apesar de o presidente [Cunha] o desvalorizar a ponto de ter dito, em reunião de líderes, que ‘assinatura de apoio qualquer um pega na esquina’”, afirma o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ). Um dos idealizadores do projeto, o jurista Ives Gandra Martins, da OAB, acha que ele só tem chances reais de ser apreciado se houver pressão popular: “Só com manifestações de rua teremos uma reforma política adequada. Os políticos não aprovariam por conta própria mudanças em leis que os beneficiam”.

Lascados

Desde os tempos da Grécia Antiga, a democracia por definição pressupõe a igualdade política de todos os cidadãos. Mas o sistema representativo divide automaticamente a população em um pequeno grupo de tomadores de decisões e um grande conjunto de governados cuja influência sobre essas decisões é quase nula. “A igualdade de voto não consegue se traduzir em igualdade de representação, e muito menos de influência política”, diz Luis Felipe Miguel.

Hoje, cientistas políticos e ativistas do mundo todo buscam formas de tornar a democracia representativa um pouco mais participativa. “Precisamos criar instituições mais abertas às demandas das ruas. O parlamento está longe de esgotar toda a representação da sociedade, e os partidos também”, diz Chico Alencar.

Na Espanha, o partido Podemos, criado no início de 2014 por professores universitários, reuniu mais de 100 mil filiados em 20 dias e conseguiu eleger cinco representantes para o Parlamento Europeu poucos meses depois da sua fundação. A estrutura do Podemos reproduz o sistema grego da antiguidade: todos os filiados se reúnem em assembleias pelo país e ajudam a decidir tanto os candidatos quanto as posições do partido em relação a determinados assuntos. Além das assembleias, voluntários — filiados ou não — também se reúnem em “círculos”, grupos de discussão que debatem questões que podem ser territoriais (relativas a um bairro ou cidade) ou setoriais (condições de trabalho de uma categoria específica, por exemplo) e repassam suas conclusões à cúpula do partido.

Já o Partido de la Red, da Argentina, tem uma proposta um tantinho mais radical: a ideia é que os eleitores escolham não um representante, mas um “delegado” que estará no Congresso apenas para votar de acordo com o que foi decidido pela maioria em discussões feitas pela internet. Essas discussões acontecem em uma plataforma de código aberto chamada DemocracyOS, criada pela desenvolvedora argentina Pia Mancini. Além do Partido de la Red, a Legislatura de Buenos Aires, o equivalente da nossa Câmara de Vereadores, também aderiu à plataforma para pedir a opinião da população sobre assuntos como o horário de funcionamento do metrô e a criação do Dia da Trabalhadora Sexual.

Se ainda não foi encontrada uma solução definitiva para a crise da democracia representativa, o Podemos e o Partido de la Red surgem como alternativas para tornar a relação de poder entre os eleitores e seus representantes um pouco menos desigual. “Sempre será necessário ampliar a capacidade de supervisão dos representados sobre os representantes, não só porque isso contribui para a promoção da igualdade política, mas sobretudo por uma questão de realismo”, explica Luis Felipe Miguel. “Só há uma lei universalmente válida que a ciência política foi capaz de estabelecer em toda a sua história: se dependermos da boa vontade de quem tem poder sobre nós, estamos lascados.”


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