20/04/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

Nós, os reles não olimpianos

Publicado em 05/08/2016 12:00 - Rodrigo Amém

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Reza a lenda que, se todos os habitantes de Copacabana fossem às ruas ao mesmo tempo, não haveria espaço físico suficiente nas ruas e calçadas do bairro para comportar tantos transeuntes. Para garantir que turistas, soldados e autoridades possam ter livre acesso à abertura dos jogos, o prefeito decretou feriado. Não apenas no dia da abertura dos jogos, mas também no dia da chegada da tocha. E em outras duas datas olímpicas. Por enquanto.

Muitos líderes mundiais preferiram se abster da cerimônia de abertura. Seja por causa da ameaça da Zika, do terrorismo ou do Temerismo. O fato é que o presidente interino não poderia se dar ao luxo de se preservar num momento desse. A ameaça de ouvir uma vaia de tremer as estruturas do Maracanã era um problema. Para garantir que Temer não saia do estádio com o ego lesionado, os policiais fizeram jornada dupla como censores nos estádios. Dividiram seus afazeres na procura por indícios de terrorismo e o confisco de cartolinas com os dizeres "Fora, Temer".

Um assaltante tentou render um motorista na barra. Numa reviravolta digna de um filme da série Bourne, o condutor desarmou o meliante e o executou em plena Avenida das Américas, às onze da manhã. O assaltado ninja era o Vice Cônsul da Rússia, ou seja, alguém que Putin manda no seu lugar quando a viagem é arriscada, ou desimportante. Numa reviravolta digna de um filme da série Bourne, o consulado russo negou a identidade do motorista. Os jornais que deram a notícia se retrataram com uma veemência inédita no jornalismo brasileiro, acostumado a erratas de pé de página. No caso do ninja russo, nosso quarto poder decidiu pegar mais leve.

A nós, reles não-olimpianos, resta lidar com a conta da festa, dos escândalos e dos desmandos da mesma maneira que sempre fazemos: uma marchinha debochada em fevereiro, uma curtida no post sarcástico do Sensacionalista, uma compartilhada no vídeo do Porta dos Fundos.

Os produtores da cerimônia de abertura acharam que seria genial ter a Gisele Bundchen desfilando no Maracanã para ser teatralmente assaltada na passarela. Se acharam geniais, "meta", "coreô-verité". Afinal, encenar um pivete rendendo uma top model internacional é, tecnicamente, um jeito de representar as nuances do povo brasileiro. Parece que o constrangimento foi grande demais, mesmo para os participantes da seita dos voluntários organizadores: alguém decidiu vazar a informação. Chateados, os produtores tiveram que pensar noutro papel para Gisele. Escrevo algumas horas antes da cerimônia. Imagino que ela vá cobrar um pênalti de salto alto, ou alguma outra coisa genial assim. Talvez Renata Sorrah reviva sua Narazé e a empurre escada abaixo, outra referência obrigatória para as classes baixas, na provável visão do comitê.

Não se pode dizer que Rio-2016 não seja um evento de inclusão. A comitiva chinesa, por exemplo: suas postagens de fotos e vídeos sobre a precariedade da Vila Olímpica estão fazendo sucesso nas redes sociais. E olha que eles vivem num país comunista, o inferno na terra, de acordo com nossa classe média. Houve também maior acessibilidade do carioca à tecnologia. Um container (!) de equipamentos de uma rede de TV alemã foi roubado.

Em setembro, tudo acaba. E a porcentagem do legado olímpico que, mesmo super faturado foi entregue, começará sua inexorável trajetória de deterioração e desuso. A maior parte do que ficou incompleto ou por fazer cairá no esquecimento. Vida que segue. O prefeito vai cantar vitória e dizer que os jogos foram um sucesso e que seu nome será redimido pela história. O presidente vai correr para aprovar suas "reformas" no tempo que lhe resta. Os atletas, medalhistas ou não, voltarão ao costumeiro e desassistido anonimato.

Quanto a nós, reles não-olimpianos, resta lidar com a conta da festa, dos escândalos e dos desmandos da mesma maneira que sempre fazemos: uma marchinha debochada em fevereiro, uma curtida no post sarcástico do Sensacionalista, uma compartilhada no vídeo do Porta dos Fundos. Esses caras são geniais, mesmo.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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