28/03/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

A mão nada santa do preconceito

Publicado em 01/07/2016 12:00 - Rodrigo Amém

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Em 1996, Rick Barry foi eleito um dos 50 maiores jogadores da história da NBA. Também foi incluído no Hall of Fame do basquete americano com absurdos 94,7% de aproveitamento em lance livre. Sua técnica de arremesso era tão eficaz que aumentava a porcentagem de acerto de jogadores em 60% em média. Ou seja, se seu índice de conversão girasse em torno de 50% (a mesma probabilidade de um cara ou coroa), você passaria a acertar 9 em cada 10 arremessos, se utilizasse a técnica de Barry.

Outro exemplo: se LeBron James usasse a técnica de Rick Barry, teria acumulado mais mil(!) pontos em sua carreira.

Shaquille O'Neal, outra lenda do esporte, era famoso por ser péssimo em arremessos livres. Os adversários preferiam fazer a falta, confiantes que o jogador não acertaria a cesta. Uma prática que tinha até um nome: Hack-a-Shaq. Parar o Shaq na força compensava, já que ele não era bom de lance livre. Barry, já aposentado, tentou convencer O'Neal a utilizar sua técnica e acabar com o estigma de ruim de cesta. Shaq respondeu: "Esqueça. Eu prefiro nunca mais acertar um só arremesso do que usar sua técnica".

Acontece que Barry arremessava por baixo, lançando a bola do meio das pernas, entre os joelhos. Exatamente como a sua mãe faria o arremesso. Em termos anatômicos, faz todo sentido. Seus braços começam o movimento na posição de relaxamento. Não existe tensão muscular, há muito mais controle sobre a trajetória da bola. Os números confirmam se tratar de uma estratégia objetivamente superior. Qual o problema, então? A técnica de Barry é "visualmente esquisita" e ganhou apelido de "arremesso da vovó". Como disse Shaq, parece "sissy"("de mulherzinha"). Ser percebido como afeminado era pior que perder o jogo. O'Neal não estava sozinho. Todos os jogadores da NBA sabem que a técnica de Barry faz mais sentido. Mas ninguém quer fazer o arremesso "da vovó".

As decisões que uma pessoa toma não dependem apenas de suas crenças, mas também do seu limiar de comportamento coletivo.

Mark Granovetter tem uma teoria interessante chamada Modelo Limiar de Comportamento Coletivo. De acordo com o sociólogo, as decisões que uma pessoa toma não dependem apenas de suas crenças, mas também do seu limiar de comportamento coletivo. Enquanto as crenças são individuais, os limiares são influenciados pela pressão dos pares, pela maneira como a sociedade vê uma questão.

Um adolescente decide participar de um racha, porque o seu limiar de comportamento coletivo é muito baixo. Viver uma aventura com os amigos não é necessariamente contrário às suas crenças pessoais. Basta um pouco de pressão dos colegas para que ele tope a brincadeira arriscada. Para uma velhinha participar de um linchamento, no entanto, é preciso muita pressão comunitária até que sua crença pacifista seja sublimada. Velhinhas têm um limiar alto para linchamentos. Pelo menos as velhinhas que eu conheço.

Imagine o tamanho da pressão social capaz de fazer Shaquille O'Neal abrir mão de recordes, conquistas e vitórias. Capaz de fazer um gigante das quadras preferir a derrota a ser visto como "afeminado" por seus colegas. Uma pressão capaz de transpor o limiar dos egos dos maiores astros da NBA de todos os tempos. Este é, meu amigo, o tamanho da força da cultura do machismo, dando de chuá na tolerância e no bom senso.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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