29/03/2024 - Edição 540

Poder

Irônico e agressivo, Cunha insiste ser inocente

Publicado em 20/05/2016 12:00 -

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Duas semanas após ser afastado do cargo de deputado federal e, consequentemente, da Presidência da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) retornou à Casa. Dessa vez não seguiu para o amplo gabinete que ocupava desde fevereiro de 2015, mas para um plenário onde quase três dezenas de parlamentares aguardavam para inquiri-lo no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar. Em seis horas de depoimento, Cunha reafirmou que não possui contas no exterior e que se sente injustiçado. “É óbvio que me sinto injustiçado. É óbvio que esse processo é de natureza política”. Afirmou ainda que a decisão do Supremo Tribunal Federal tem um objetivo oculto, mas não o revelou. “Foi uma decisão construída para ter algum tipo de objetivo, que com o tempo saberá qual é”.

Em todo o tempo que esteve sob a mira de seus pares, Eduardo Cunha mostrou que as duas semanas de afastamento em nada interferiram no seu comportamento. Continuou usando da ironia em sua fala e atacava sempre que provocado. Disse, por exemplo, que tinha certeza que o candidato derrotado por ele na disputa da presidência da Casa em Júlio Delgado (PSB-MG) jamais ganharia uma eleição para a função. “Não quero a extinção dos meus adversários que não seja pela disputa eleitoral”, disparou o peemedebista. 

A confiança de Cunha tem lastros concretos. Ele conseguiu emplacar três aliados na gestão interina de Michel Temer (PMDB) na Presidência da República e indicou o novo líder do Governo na Câmara, André Moura (PSC-SE). Ainda assim, ele disse negou a influência afirmando que não sugeriu “nem um alfinete” para a gestão do peemedebista. “Não indiquei, nem indico ninguém. Mas se tivesse feito, teria legitimidade porque é o meu partido que está no poder”.

Nos próximos dias, Cunha deverá recorrer à Comissão de Constituição e Justiça (onde tem um aliado seu presidindo) e ao STF para tentar uma anulação da investigação feita pelo Conselho de Ética, que em até dez dias úteis deverá iniciar a votação do parecer. “[O Conselho] quer manter a evidência do holofote. Essa decisão do relator é absurda”, disse e concluiu: “Enquanto continuarem com esse teatro, obviamente, vou buscar a anulação do que for feito ao arrepio da lei”. A expectativa é que até o dia 22 de junho o caso Cunha chegue ao plenário da Câmara. Antes, terá de ser votado no Conselho de Ética, o que deve acontecer a partir do dia 30 de maio. O processo contra o deputado já é o mais longo da história.

A reclamação de Cunha é de que o relator do processo, o deputado Marcos Rogério (DEM-RO), abriu brechas para incluir informações que constam de outros processos que tramitam contra Cunha, como a de que dois empreiteiros teriam pago propinas para ele em nove contas no exterior. “Desafio comprovarem essas informações”, disse o peemedebista. “É muito conveniente para ele vir aqui e não responder o que é perguntado”, reclamou Chico Alencar (PSOL-RJ), um dos autores da representação que está no Conselho.

A denúncia que está sendo analisada pelo colegiado se baseia no fato de Cunha ter mentido sobre a existência de contas fora do país. Por essa razão, ele se negou a responder sobre outros assuntos, como seu envolvimento em supostos desvios da Petrobras. Cunha é réu no Supremo Tribunal Federal e por essa razão foi afastado do cargo. Responde ainda há outras quatro investigações na mesma corte.

Cunha se manteve confiante e disse que espera que o Supremo reverta a decisão unânime que afastou do cargo. Antes disso, afirmou que continuará a frequentar a Câmara a partir da próxima semana. “Fui suspenso do exercício do mandato, não estou proibido de vir a Câmara”. Sobre esse fato, o deputado Max Filho (PSDB-ES) havia feito uma provocação. “Acho que Eduardo Cunha vem aqui mais para espairecer porque ele se encontra em prisão domiciliar de fato, não de direito”.

PRINCIPAIS DENÚNCIAS

Intimidação

O pedido de afastamento de Cunha foi feito em dezembro de 2015 pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que listou 11 motivos para a "necessário e imprescindível" saída dele do mandato de parlamentar e de líder da Casa. No documento, Janot afirma que o presidente da Câmara "valeu-se de seus aliados para constranger e intimidar quem ousou contrariar seus interesses" na CPI da Petrobras. "Eduardo Cunha vem se utilizando de todo seu poder como deputado e, especialmente, como presidente da Câmara dos Deputados, a fim de constranger diversos atores envolvidos na investigações, sejam eles colaboradores, testemunhas, advogados de defesa e agentes públicos", diz no documento. Cunha acusa Janot de fazer "perseguição política" contra ele.

Réu no STF

Eduardo Cunha é réu em processo no STF, acusado de crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. O Supremo decidiu no começo de março pela abertura do processo criminal contra o presidente da Câmara. Cunha foi denunciado pela PGR em agosto do ano passado por supostamente ter recebido US$ 5 milhões de propina relativa a dois contratos de navios-sonda da Petrobras. O deputado será julgado pelo Supremo, mas ainda não há data para isso acontecer. Se condenado, ele pode perder o mandato. A cassação, no entanto, precisa ser aprovada pela maioria dos votos dos 513 deputados. O deputado nega as acusações e diz que não há provas contra ele.

Mulher e filha investigadas

A outra denúncia oferecida pela PGR ao STF afirma que Eduardo Cunha teria recebido propina superior a R$ 5 milhões "por viabilizar a aquisição de um campo de petróleo no Benin, na África, pela Petrobras". O dinheiro teria abastecido contas ligadas a Cunha e familiares no exterior, segundo a PGR. A mulher de Cunha, Claudia Cruz, e sua filha, Danielle Dytz da Cunha Doctorovich, teriam sido beneficiadas por essa propina e também são investigadas no âmbito da operação Lava Jato. Elas teriam feito compras no exterior e gastado cerca de US$ 86 mil com marcas de renome como Chanel, Dior, Balenciaga e Louis Vuitton entre dezembro de 2012 e julho de 2015. A denúncia contra Cunha aponta que os gastos "foram pagos com parte do dinheiro de propina". Como elas não têm foro privilegiado, estão sob investigação dos procuradores da força-tarefa da Lava Jato. Cunha nega ligação com o esquema de corrupção da Petrobras. Ele diz que o dinheiro tem origem lícita, resultado de negócios no exterior como venda de carne enlatada e investimentos em ações.

Processo no Conselho de Ética

Cunha também enfrenta processo no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados por quebra de decoro parlamentar. Ele é acusado de ter mentido na CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Petrobras, ao dizer que não tinha contas no exterior. Se for condenado no Conselho, pode ter o mandato cassado. A declaração de Cunha à CPI foi dada em março do ano passado. Em setembro, o Ministério Público da Suíça revelou ter descoberto contas que teriam como beneficiário o presidente da Câmara dos Deputados. A Suíça congelou perto de US$ 5 milhões em ativos que estariam em nome do presidente da Câmara e de seus parentes. Cunha afirma que possuía "truste" — e não contas — no exterior, tipo de negócio em que terceiros passam a administrar bens do contratante. Ele também afirma que os valores têm origem em operações comerciais e no mercado financeiro, como a venda de carne enlatada para países da África. Mesmo tendo sido denunciado ao Conselho em outubro do ano passado, o processo contra Cunha se arrasta devido a uma série de manobras de seus aliados. No momento, o processo está em fase de instrução, que deve terminar em 19 de maio.

Porto Maravilha

Cunha é alvo de pelo menos mais um inquérito, resultado das investigações da Lava Jato. Ele leva em conta a delação premiada de empresários da Carioca Engenharia, que o acusam de ter recebido propina em contas no exterior. Os desvios estariam ligados à liberação de verbas do fundo de investimentos do FGTS para o projeto do Porto Maravilha, no Rio, do qual a Carioca Engenharia obteve a concessão em consórcio com as construtoras Odebrecht e OAS. Segundo a delação dos empresários, o presidente da Câmara teria recebido R$ 52 milhões em propina na Suíça e em Israel, vindas da Carioca Engenharia. Cunha nega ter ligação com o esquema. Sua defesa diz não ter conhecimento do processo.

Novos inquéritos

O ministro do STF Teori Zavascki autorizou recentemente a abertura de dois novos inquéritos para investigar a suposta ligação do presidente da Câmara com o esquema de corrupção da Petrobras. Os dois inquéritos estão em segredo de Justiça, mas tratam de crimes de corrupção ativa e passiva e ainda de lavagem de dinheiro. Segundo a "Folha de S.Paulo", também tem como alvo o banqueiro André Esteves, ex-presidente do BTG Pactual. Uma das questões que serão analisadas no inquérito envolve a relação de Cunha e Esteves com medidas provisórias no Congresso. A defesa do deputado diz não ter sido informada desses novos inquéritos.

Acusado de manobras

Adversários do presidente da Câmara acusam Cunha e seus aliados de manobrar para garantir medidas que o beneficiam ou são de seu interesse no Congresso. Supostamente usando uma série dessas manobras, aliados de Cunha conseguem arrastar o processo contra ele no Conselho de Ética da Câmara, que já dura mais de cinco meses e é o mais longo da história. Cunha afirma que o presidente do Conselho, deputado José Carlos Araújo (PR-BA), comete erros de propósito para permanecer na mídia. Adversários de Cunha o acusaram de manobrar quando projetos de seu interesse sofreram derrotas em votações no plenário da Câmara, conseguindo que fossem votados novamente na sequência e serem aprovados. Eles citam o financiamento empresarial de campanhas eleitorais (que posteriormente foi barrado pelo STF), a redução da maioridade penal e, mais recentemente, a criação das comissões de Defesa dos Direitos da Mulher e dos Direitos da Pessoa Idosa. Ele diz que apenas segue o regimento.


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