29/03/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

O direito de falar e o falar direito

Publicado em 13/05/2016 12:00 - Rodrigo Amém

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Patrícia Abravanel não é apenas herdeira de uma das maiores emissoras do país. Ela também, ao contrário das outras irmãs, segue os passos do pai na frente das câmeras, preparando uma transição lenta que culminará com a aposentadoria de Sílvio Santos.

Nesta fase de transição, o SBT tem exposto Patrícia ao lado do pai aos domingos e em programas próprios durante a semana. O público fiel do SBT está tendo a oportunidade de ver a dupla azeitando a máquina da sucessão inevitável.

No que me diz respeito, Patrícia é uma boa apresentadora. É bonita e carismática. Faz bem o seu trabalho e tem o melhor professor do mundo – seu pai e patrão – endossando a coisa toda. O que poderia dar errado?

Domingo passado, Patrícia fez uma declaração polêmica. No ar com seu pai no "Jogo dos Pontinhos", saiu-se com essa pérola: "Acho que a gente tem que ensinar para o jovem de hoje que homem é homem, e mulher é mulher. E se por acaso ele tiver alguma coisa dentro dele que fale diferente, aí tudo bem. O que está acontecendo é que estão falando que tudo é normal, tudo é bonito, o jovem acaba experimentando coisas que pode vir eventualmente a se arrepender depois".

Na opinião de Patrícia Abravanel, gay não é normal. Algo realmente estranho para uma pessoa pública, uma celebridade televisiva. Ninguém na sua produção é gay? Ela realmente acha que esses profissionais que trabalham na empresa da sua família são pervertidos e anormais?

Vamos desembrulhar o raciocínio. Patrícia parece entender que existe uma glamourização da homossexualidade na mídia. Na cabeça dela, o número de relações homossexuais está crescendo porque os meios de comunicação estão pressionando os jovens a experimentarem com a própria sexualidade. O que "não é normal", diz ela.

É claro que, primeiramente, não há nada de errado em expressar sua própria sexualidade. Mas, mesmo que houvesse, esse complô de doutrinação sexual não existe. O que existe é mais liberdade de expressão, o que leva a mais debate e ao esclarecimento da população. Cada beijo gay de novela leva a uma discussão em família. Cada discussão em família derruba um pedacinho de preconceito. Cada preconceito que cai, diminui o medo das pessoas de assumirem ser quem são. Não tem propaganda gay (ou, se tem, não assisti), tem evolução social.

Muita gente – homofóbica e não – saiu em defesa da Patrícia com variações do mesmo tema. "Essa patrulha politicamente correta! O mundo tá muito chato!" e "Ela só deu sua opinião" foram as mais repetidas. Sempre que eu ouço essa história de mundo chato e patrulhado, imagino alguém saudoso do tempo em que não era necessário se preocupar com o sentimento alheio. Eu costumo chamar esse pessoal de "Viúvas do Didi Mocó". Mas vamos deixar essa galera vintage pra lá.

Quanto ao segundo argumento, as viúvas tem razão: Patrícia só deu sua opinião pessoal, constitucional e legítima. E, na opinião de Patrícia, gay não é normal. Algo realmente estranho para uma pessoa pública, uma celebridade televisiva. Ninguém na sua produção é gay? Não tem um só cabeleireiro que trate suas madeixas que seja homossexual? E ela realmente acha que esses profissionais que trabalham na empresa da sua família são pervertidos e anormais? Imagina a torta de climão no camarim na segunda-feira.

Justiça seja feita, Patrícia pediu desculpas durante a semana. Duas vezes. A coisa ficou tão feia que Luana Piovani veio a público sugerir que Abravanel tomasse mais cuidado com o que diz. Sim, quando a ex do Dado Dolabella te aconselha a ser mais comedida, é hora de repensar suas atitudes. Até porque, em alguns anos, Patrícia Abravanel vai assumir uma responsabilidade enorme. Provavelmente caberá a ela tocar o SBT na ausência do seu pai. Seria bacana saber que pelo menos esta sucessão brasileira não estará fadada ao retrocesso na luta contra a intolerância e o preconceito.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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