19/04/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

Não, seu chefe não quer inovação

Publicado em 06/05/2016 12:00 - Redação Semana On

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Faz uns 15 anos que eu comecei a enveredar pelo fantástico mundo da comunicação corporativa. Para os leigos interessados, é a área responsável pelo desenvolvimento do discurso da empresa, seja ele para o público interno (os funcionários) ou externo (a sociedade em geral). Para os leigos desinteressados, sou um desses raros cidadãos que alegam saber a diferença entre visão, missão, propósitos e valores. Aquelas coisas bonitas e vagas que as corporações gostam de dizer sobre elas mesmas.

Muita gente acha que a parte difícil do trabalho é inventar maneiras de alegar que o objetivo da empresa não é (pelo menos não apenas) o lucro. Mas criar o discurso é relativamente simples, uma vez que está claro o que o empresário quer. Eis o problema.

Já ouviu falar de Preferência Declarada e Preferência Revelada? Um resuminho rápido num exemplo: a Spirit Airlines é a companhia aérea que mais cresce nos Estados Unidos. Só faz voos domésticos. Suas cadeiras não reclinam. Quer usar o compartimento de bagagem acima do seu assento? Tem que pagar por fora. Amendoim? Só pagando. Quer água? Tem que comprar. Todas as entrevistas com passageiros recém saídos de um avião da Spirit terminam com uma variação de: "nunca mais viajo com essa companhia". Se você perguntar o porquê, o cidadão dirá: "É muito desconfortável. E tem que pagar por tudo".

Mas a falta de conforto e o fato de nada ser incluso no preço faz da Spirit o jeito mais barato de voar na terra do Tio Sam. Resultado? O cliente volta sempre. A preferência declarada pelo conforto na viagem é desbancada pela preferência revelada pela economia. Uma coisa é o que você diz querer. Outra coisa é o que você precisa.

E esse é o segredo de ouro da comunicação corporativa: uma coisa é o que o CEO diz que a empresa valoriza. Outra é como a empresa funciona no dia a dia.

Inovação, nas empresas de hoje é menos Steve Jobs e mais McGyver. Tem empresas que dão prêmios para ideias inovadoras de seus funcionários? Claro! Mas invariavelmente o vencedor é alguma forma de fazer mais, gastando menos.

Nesses 15 anos trabalhando com empresas de tamanhos variados, não me lembro de um caso sequer onde a palavra "inovação" não tivesse lugar de destaque no discurso da diretoria. Uma terminologia tão onipresente que passou a ser clichê.

Inovar significa experimentar, correr riscos. E risco é uma palavra tóxica no mundo corporativo contemporâneo. E não só porque novas ideias podem falhar. A autonomia para implantar uma inovação requer capital político. Uma empresa inova quando troca de CEO que, por sua vez, traz as práticas positivas das outras empresas por onde passou. Inovação, em termos práticos, é uma dança de caciques.

Ainda assim, o novo cacique chega querendo estabelecer a inovação como um valor para o dia a dia da equipe. Do gerente financeiro à tia do cafezinho. Mas ele não espera que o café seja diferente, e sim mais "sustentável", para usar outro jargão popular. Ele espera um jeitinho brasileiro criativo de fazer mais café com menos pó e açúcar. Inovação, nas empresas de hoje é menos Steve Jobs e mais McGyver. Tem empresas que dão prêmios para ideias inovadoras de seus funcionários? Claro! Mas invariavelmente o vencedor é alguma forma de "fazer mais, gastando menos".

É óbvio que não há o menor problema em querer que o seu negócio seja mais eficaz no uso de recursos. O problema é que, ironicamente, seria mais eficaz aceitar que "correr riscos" não faz parte do perfil de gestão da sua empresa. Essa inconsistência é que nos leva a declarações de valores corporativos tortuosos como: "tradição com inovação". Juro.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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