18/04/2024 - Edição 540

Saúde

Anvisa vai recomendar que Dilma Rousseff vete a pílula do câncer

Publicado em 24/03/2016 12:00 -

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O diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Jarbas Barbosa, disse na quarta-feira (23) que vai recomendar à presidente Dilma Rousseff o veto ao projeto de lei que prevê a liberação da produção, distribuição e uso da fosfoetanolamina no país, conhecida como "pílula do câncer”.

O projeto foi aprovado na terça (22) pelo plenário do Senado Federal. Agora, segue para sanção da presidente. Segundo Barbosa, a agência irá enviar uma nota técnica ao Palácio do Planalto em que afirma que a liberação da fosfoetanolamina antes da realização de estudos clínicos de segurança e eficácia pode trazer riscos à saúde do paciente.

Para ele, a liberação "seria um precedente muito grave". "O que impede de que amanhã um laboratório não vá fazer lobby no Congresso porque está numa determinada posição da fila e acha que é melhor dos que estão à frente? Isso pode criar uma situação muito complicada para o país", disse.

"Vemos com preocupação essa aprovação. Não duvido da boa motivação dos congressistas. Há esse clamor. Entretanto, tenho absoluta convicção de que o Congresso não é o local adequado para se fazer liberação de medicamentos. É por isso que o próprio Congresso brasileiro, inclusive como Japão e Europa, criaram agências regulatórias. Para fazer liberação de medicamentos, o critério tem que ser técnico-científico. Coisa que não é papel do Congresso", diz.

"A recomendação da Anvisa é que ela vete. Porque essa lei deve trazer muitos problemas. A lei diz que 'está liberada' a fosfoetanolamina sintética. Quem vai garantir que o que está dentro daquela cápsula é fosfoetanolamina e na quantidade que está escrita na caixa? Os primeiros testes mostram que a quantidade que estava dentro da cápsula era menor do que a diziam que tinha. E na verdade, tinha cinco substâncias, não só a fosfoetanolamina. Se tiver algum problema para a pessoa que usar, o que vai acontecer? Quem vai controlar falsificações? Isso não vai ter registro, não vai ter bula, não vai ter as informações que um medicamento tem. Quem garante que uma pessoa inescrupulosa não comece a soltar aí cápsulas azuis e brancas dizendo que é a fosfoetanolamina? Quem vai controlar isso? Isso não vai ter número de lote, nem data de fabricação, nada."

Ele teme que a liberação aumente a mortalidade por câncer no país. "Alguns defensores da fosfoetanolamina defendem que ela tenha que ser tomada em substituição à quimioterapia. Isso pode aumentar a mortalidade por câncer no Brasil. É um risco muito sério."

Ainda segundo Barbosa, a aprovação do projeto é "ruim" para a Anvisa – órgão que deveria ter o papel de regular essas questões – e também para o Congresso caso houver reações adversas aos pacientes que usarão a pílula.

"Voltamos ao começo do século passado", diz ele, em referência às promessas de cura e "remédios" indicados sem que houvesse pesquisas médicas suficientes.

Questionado, o ministro de Ciência e Tecnologia, Celso Pansera, evitou falar sobre o tema. Segundo ele, está programa uma nova reunião no ministério para apresentação de novos dados na próxima terça-feira (29).

Em nota, o ministério informa que os resultados dos primeiros relatórios das pesquisas financiadas pelo governo para avaliar a fosfoetanolamina são "preliminares". "Há uma sequência de testes a ser seguida e por esse motivo não existe ainda um laudo conclusivo sobre a substância", informa.

Outro lado

O professor aposentado de química da USP Gilberto Chierice, o "pai" da fosfoetanolamina sintética, questionou, em um ofício da Defensoria Pública da União no Rio de Janeiro, os resultados independentes sobre a ação da droga.

O aparecimento de outras substâncias – monoetanolamina protonada e fosfobisetanolamina -, segundo o químico, poderiam ser "produto de degradação durante o processo de análise". Curiosamente, uma dessas substâncias "piratas", a monoetanolamina, e somente ela, mostrou razoável efeito antitumoral nos testes.

Além de Chierice, Durvanei Augusto Maria também participou da elaboração do documento da Defensoria Pública. Originalmente ele fazia parte do mesmo grupo de trabalho do MCTI que analisa a "pílula do câncer". Segundo ele, um dos problemas dos estudos foi a ordem de grandeza testada, até 100 vezes menor que aquela já usada em outros testes.

A comparação com a droga antitumorais clássicas como a cisplatina revelou que a monoetanolamina é 3.000 vezes menos potente, em seu melhor desempenho.

O motivo da estridente diferença seria que a fosfoetanolamina, por ser uma molécula já presente no organismo, só "em excesso" poderia ter alguma ação farmacológica observável. Dessa forma, a "fosfo", que é um lipídio, com sua mera presença na membrana celular, influenciaria o funcionamento de diversas moléculas importantes para o funcionamento da célula -inclusive a tumoral.

"Não há uma concentração em que ela se torne tóxica. Pode-se dar uma maior dose para conseguir suplantar o metabolismo que a célula já tem." Um dos testes, realizado por pesquisadores da Universidade Federal do Ceará, afirma Maria, usou uma formulação de sua autoria que está patenteada no exterior –por isso, diz, solicitou reiteradamente sua exclusão do grupo de trabalho.

O ofício foi assinado pelo defensor público federal Daniel de Macedo Alves Pereira, encaminhando na terça (22) para a secretária executiva do MCTI Emília Maria Silva Ribeiro Curi, que ainda não avaliou o documento.

Por fim, o ofício da Defensoria Pública da União pede que sejam esclarecidos o dispêndio da ordem de R$ 2 milhões para essa etapa da pesquisa patrocinada pelo MCTI, apresentando os "fatores que determinam gastos e lucro obtido por cada um dos laboratórios envolvidos" e dá um prazo de dez dias para que isso ocorra.


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