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Artigo da Semana

Chikungunya e artrite

Publicado em 25/02/2016 12:00 -

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Há uma década, poucos já tinham ouvido falar da chikungunya. Este patógeno tornou-se mais conhecido a partir do seu hospedeiro, que também carrega o vírus da zika, da febre amarela e da dengue.

A chikungunya, entretanto, está longe de ser o primo pobre, a mais inofensiva dentre as doenças transmitidas pelo vetor Aedes aegypti. Inicialmente identificada em regiões tropicais da Ásia e África, hoje também pode ser encontrada no continente americano.

Esse vírus causa febre, dor nas articulações e manchas na pele durante sua fase aguda. Os sintomas tendem a desaparecer em duas a três semanas. Essas manifestações clínicas são um grande diferencial da infecção por chikungunya em relação à dengue, que muitas vezes ocorre sem sintomas.

Enquanto era pouco conhecida e estudada, a chikungunya tinha fama de ser inofensiva. Somente com a disseminação mundial desse vírus é que se descobriu que, em um número expressivo de pacientes, os sintomas persistiam por meses, quando não por anos, após a fase aguda.

Nesses casos, os pacientes costumam ter recaídas e desenvolvem uma forma crônica de artrite que se assemelha àquelas de natureza autoimune, como é o caso da artrite reumatoide.

Não sabemos ainda se a artrite crônica ocorre pela presença do vírus na articulação ou pela indução de uma resposta do sistema imune à presença do vírus.

Esse conhecimento fez com que a classe médica deixasse de enxergar a chikungunya como benigna. Despertou ainda a necessidade de desenvolvermos tratamentos para atender esses portadores de atrite.

Hoje existem modelos experimentais de infecção pelo vírus da chikungunya que permitem observar as artrites características da forma crônica da doença. Esses modelos experimentais assemelham-se bastante às formas da doença no homem, tornando possível o isolamento do vírus e comprovando sua localização preferencial nas articulações, embora não de forma exclusiva.

Em 2014, a cidade de Feira de Santana, localizado a 100 km de Salvador, registrou 1.400 casos de chikungunya. Em 2015, a doença teve mais de 4.000 registros, embora estimativas indiquem que esse número possa ser, de fato, três ou quatro vezes maior.

No Brasil, já são 12 Estados com casos autóctones (contraídos no próprio local) de chikungunya, com mais de 20 mil notificações.

A chikungunya costuma tornar-se uma doença crônica em um elevado percentual de doentes, com 50% a 60% dos casos persistindo com artrite durante meses.

Na região de Feira de Santana, os pacientes queixam-se de dores intensas nos pés, nos tornozelos, nas mãos e nos punhos. Esses sintomas dificultam as atividades rotineiras, como dirigir um carro, digitar em um computador ou celular. Em conjunto, formam um forte indicativo da instalação da artrite pós-infecção aguda por chikungunya.

O mecanismo de aparecimento e persistência da artrite em pacientes infectados não está bem determinado. Não sabemos ainda se a artrite crônica ocorre pela presença do vírus na articulação ou pela indução de uma resposta do sistema imune à presença do vírus.

Estudos para ajudar a responder a essas dúvidas foram iniciados pelo centro de pesquisas clínicas do Hospital da AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente), em colaboração com pesquisadores internacionais.

As informações que serão obtidas a partir dessas pesquisas podem trazer novos conhecimentos e recursos de tratamento para os portadores de artrite crônica, além de limitar o aparecimento da deficiência física associada à fase aguda da infecção por chikungunya.

Morton Scheinberg – Doutor pela Universidade de Boston e professor livre-docente de imunologia da USP, é pesquisador em doenças do aparelho locomotor e clínico e reumatologista do Hospital Israelita Albert Einstein

Rivaldo Venâncio da Cunha – Professor titular de ciências parasitárias da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul


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