28/03/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

O dia que a internet me fez defender a Claudia Leitte

Publicado em 18/02/2016 12:00 - Rodrigo Amém

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Claudia Leitte é uma pessoa pública. Ela grava discos, canta, dança, participa de programas de calouros em televisão. Claudia Leitte tem muitos fãs e muitos detratores. É provável que um livro sobre sua vida seja bem-sucedido nas livrarias. Mas não saberemos com certeza. Pelo menos não por enquanto. Sua assessoria desistiu da captação de 356 mil reais pela Lei Rouanet. Especialmente depois do tsunami de protestos nas redes sociais. Essa é uma história cercada de equívocos por todos os lados. Vamos por partes:

"Claudia Leitte não é arte"

Uma das discussões culturais mais surradas do mundo pode ser resumida da seguinte forma: "o termo arte é um elogio que eu faço às manifestações culturais que eu gosto e/ou respeito. Todo resto é lixo e deve ser desconsiderado como tal". E, mesmo dentro desse quadrado, cabem outros quadradinhos ainda menores. Arte com função social. Arte crítica. Arte para parecer inteligente na frente dos amigos.  Aqueles que sustentam esta visão funcionalista e egocêntrica de arte não costumam comprar abadá e nem deveriam: a vida é curta demais para se perder tempo com o que não nos apetece. Mas me parece razoável presumir que é possível produzir boas obras sobre uma figura pública. Truman Capote escreveu A Sangue Frio em 1965 através de entrevistas com assassinos brutais. O livro não é apenas um incrível trabalho de jornalismo. É também uma relevante contribuição para a arte literária.  "Fazer o desprezível ser prezado é coisa que me apraz", dizia Manoel de Barros.  E diferenciar objeto de obra é aula 1 de quem pretende discutir política cultural.

É preciso repensar as políticas de subvenção cultural do país para evitar abusos que acabam inviabilizando a sustentabilidade dos empreendimentos culturais do país.

Não aceito pagar R$ 356 mil pelo livro de Claudia Leitte

Quem aceita ou não pagar pelo livro de Claudia Leitte são os empresários que aceitarem patrocinar a obra, não você. "Ah, mas eles descontam no Imposto de Renda", rebate você. É verdade. No final das contas, é dinheiro público. Mas a questão também não é essa. O governo não precisa da sua autorização para escolher como investir o seu, o nosso dinheirinho. Eu também não gostei de pagar pela viagem de jatinho do Renan Calheiros para fazer implante de cabelo. Mas paguei, mesmo assim. Todos pagamos. Seja bem-vindo à democracia representativa.

Claudia Leitte não precisa de dinheiro público para lançar livro.

É verdade. Não mesmo. A Globo Filmes também não precisa de verba pública para distribuir os filmes do Leandro Hassum. Mas usa assim mesmo. O Circo de Soleil não precisa de Lei Rouanet para fazer uma turnê pelo Brasil. Mas usou assim mesmo. E cada ingresso para as apresentações do circo foi vendido por algumas centenas de reais (Ouvi alguém dizer "bitributação"?). A Bunker Editorial não precisa de quase 1 milhão para publicar dois livros sobre com ensaios de pensadores liberais sobre a importância de um Estado menor e menos intervencionista (santa ironia, Batman!). Mas a Lei Rouanet não tem (ou não tinha) relação com necessidade. É um direito de todo cidadão apresentar seu projeto para apreciação. Seja o Coro de Lavadeiras do Jequitinhonha, seja Maria Bethânia.

É preciso mudar a lei

Talvez esse seja o grande consenso a se tirar disso tudo. É preciso repensar as políticas de subvenção cultural do país para evitar abusos que acabam inviabilizando a sustentabilidade dos empreendimentos culturais do país. Não dá mais para a gente fingir que existe uma Broadway brasileira em São Paulo se grande parte do investimento é verba governamental. Não dá mais para fazer de conta que há uma retomada do cinema brasileiro se até novela ganha verba pública para voltar requentada às telas. 

Uma decisão recente do TCU determinou que eventos culturais com "potencial lucrativo" ou que "possam atrair investimento privado" serão proibidos de receber incentivos fiscais através da Lei Rouanet. Claro, cabe recurso. Claro, os "pesos-pesados" recorrerão e essa discussão ainda vai dar muito pano pra manga. Só não pode dar pano para preconceito. A internet não precisa de incentivo para produzir isso. 

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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