20/04/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

Livros Assassinos

Publicado em 05/02/2016 12:00 - Rodrigo Amém

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Não sei se você acompanhou mas, essa semana, um juiz decidiu proibir a comercialização do livro Mein Kampf, de Adolf Hitler, em todo o Rio de Janeiro. Isso é grave. Como registra a História, toda vez que um funcionário público proíbe um livro é sinal de que a democracia anda mal das pernas.

A internet foi rapidamente consumida por debates incendiários. Sobre democracia, a relevância da documentação histórica da obra e a liberdade de expressão? Não, senhor. Não, senhora. O debate que dominou as timelines do país foi: Qual foi o livro que mais matou?

Muita gente pulou salivando no Manifesto Comunista. Outros apontaram seus dedos para livros religiosos variados. "O seu mata mais!" "O seu é mais intolerante." "Vai estudar, idiota!" Aquele nível de argumentação preciosa, tão comum na rede.

O óbvio costuma passar incólume nas redes sociais. Então, aqui vai: livros não matam pessoas. Talvez as enciclopédias, que costumam ser colocadas no alto da estante e são pesadas, de capa dura. Mas, é claro, essas são mortes acidentais. Qualquer tribunal do mundo inocentaria a obra. Talvez não no Rio, pensando bem.

Livros não matam pessoas. Talvez as enciclopédias, que costumam ser colocadas no alto da estante e são pesadas, de capa dura. Mas, é claro, essas são mortes acidentais.

A verdade é que, em toda história da humanidade, livro nenhum convenceu ninguém de mudar seus valores e matar pessoas. Não é assim que a banda toca. É ao contrário. Pessoas intolerantes, racistas e violentas encontram nas páginas dos livros justificativas e álibis para derramamento de sangue. E não importa o livro. Pode ser a autobiografia do líder nazista ou Apanhador nos Campos de Centeio. O cérebro humano vai percorrer caminhos tortuosos até enxergar no texto algo que justifique a própria selvageria.

Isto posto, e por amor aos fatos, fui verificar o que os dados dizem sobre as maiores matanças da humanidade e suas respectivas leituras sugestivas. Em quinto lugar encontramos às mortes atribuídas à opressão do governo soviético. Entre 1917 e 1953, contam-se cerca de 49 milhões de mortes. Se atribuirmos a Segunda Guerra ao poder de influência de Mein Kampf (como a justiça brasileira parece fazer), o livro de Hitler fica com o segundo lugar nesse pódio macabro: 72 milhões de mortes.

Em primeiro lugar, disparado, o maior massacre da humanidade é atribuído à colonização europeia das Américas, que dizimou 100 milhões de pessoas. Ainda que seja difícil saber qual livro os colonizadores carregavam debaixo do braço, parece-me correto dizer que um texto tão letal fatalmente foi banido, queimado e esquecido no obscurantismo da idade média.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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