28/03/2024 - Edição 540

Poder

Lula diz que combinação de medida provisória é coisa de bandido

Publicado em 22/01/2016 12:00 -

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O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou, em depoimento à Polícia Federal, que uma eventual "combinação" do teor de uma medida provisória é "coisa de bandido" e declarou que nunca recebeu lobistas nem propostas de vantagens indevidas enquanto exerceu a Presidência da República.

O depoimento foi dado no último dia 6 na Superintendência da Polícia Federal em Brasília e anexado nesta sexta-feira (22) ao processo penal que reúne 16 acusados de participar do esquema de venda de medidas provisórias investigado pela Operação Zelotes. Lula foi ouvido na condição de colaborador, não como suspeito nem testemunha.

No depoimento, agentes da PF questionaram o ex-presidente sobre o trecho de um relatório apreendido no escritório de uma das empresas do advogado e lobista Mauro Marcondes que dizia que a MP 512/2010 "foi combinada entre o pessoal da Fiat, o presidente Lula e o governador Eduardo Campos".

Marcondes foi preso na Zelotes e é apontado pelos investigadores como o responsável por comprar medidas provisórias para atender interesses de empresas automotivas.

"Que se reuniu algumas vezes com o então governador do estado de Pernambuco Eduardo Campos, o qual levou [Cledorvino] Belini, não se recordando se ele estava na condição de representante da Fiat e/ou presidente da Anfavea, e que foram esclarecidos os benefícios da instalação da fábrica da Fiat no estado de Pernambuco", diz trecho do depoimento. "Que a partir daí a discussão se transcorreu dentro dos setores técnicos dos ministérios".

Ao responder sobre se a informação procedia, Lula disse que "combinação", em sentido pejorativo, é "coisa de bandido" e que tal tratativa não ocorreu.

Lula também declarou que não teriam "coragem" de lhe oferecer vantagens indevidas em troca de decisões políticas. "Que nunca houve qualquer tipo de vantagem indevida ou proposta financeira ao declarante para que propusesse alguma medida provisória e que ninguém teria coragem de lhe fazer uma proposta dessa", afirmou.

O ex-presidente afirmou que recebeu representantes de sindicatos e de entidades de classe enquanto chefiava o Executivo, mas não "lobistas", no sentido pejorativo de agentes que tratam de negócios ilícitos ou mediante propina. Ele também negou que tenha agido como representante de interesses durante ou depois de exercer a Presidência.

"Que enquanto esteve na Presidência, tanto  o declarante quanto seus parentes jamais exerceram atividade de lobby ou consultoria empresarial, tampouco recebeu algum tipo de benefício decorrente."

Ele poderá voltar a depor, na próxima segunda (25), desta vez na 10ª Vara da Justiça Federal do Distrito Federal, porque foi arrolado como testemunha do réu Alexandre Paes dos Santos, lobista que teria atuado de forma ilegal na aprovação da medida provisória (MP) 471 de 2009, que prorrogou por cinco anos benefícios tributários ao setor automotivo.

A defesa do ex-presidente protocolou pedido para que ele seja dispensado de depor, mas a decisão cabe aos advogados do réu que o escolheu como testemunha.

Luis Cláudio Lula da Silva

No depoimento à PF, Lula afirmou que não sabe quando seu filho mais novo, Luis Cláudio, que é investigado na Zelotes, conheceu o lobista Mauro Marcondes. O ex-presidente disse ainda que não foi procurado por seu filho quando a empresa de Marcondes o contratou para prestar serviços de consultoria.

Em outubro de 2015, um escritório onde funcionam empresas dele em São Paulo foi alvo de busca e apreensão pela Polícia Federal, dentro de uma apuração sobre o suposto pagamento de propina para aprovar medida provisória em favor da indústria automotiva.

Segundo as investigações da Zelotes, as empresas de marketing esportivo dele receberam R$ 2,5 milhões em pagamentos da Marcondes e Mautoni, banca de advogados especializada na representação de montadoras automotivas em entidades do setor, como a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos (Anfavea) e o Sindicato Nacional da Indústria de Veículos (Sinfavea).

Relatório da Polícia Federal aponta indícios de que os relatórios entregues pela empresa de Luís Cláudio à empresa de Mauro Marcondes teriam sido feitos para justificar o repasse de valores.

Apesar de ter recebido R$ 2,5 milhões pelo serviço, a PF identificou que a consultoria de Luís Cláudio usou textos da Wikipedia e de outras fontes da internet, entre elas uma tese de doutorado apresentada na Universidade de Brasília, para elaborar o estudo contratado.

No depoimento, Lula foi questionado diretamente pela PF sobre se o pagamento de R$ 2,5 milhões pela Marcondes e Mautoni à empresa de seu filho seria "algum tipo de contraprestação por serviços prestados em decorrência de elaboração ou assinatura de medidas provisórias", o petista negou "veementemente" e disse considerar a hipótese "um outro absurdo".

Fabricante sueca de caças

A PF também relatou ter apresentado a Lula documento apreendido no escritório de Mauro Marcondes que seria uma “minuta de carta” num aquivo nomeado como “VISITA SAAB AO PRESIDENTE 01.RTF”. No documento, há uma solicitação de agendamento de audiência para o dia 4 de julho de 2009 para receber o presidente e CEO da Saab, Ake Svensson. A Saab é a empresa sueca fabricante dos caças Gripen comprados pelo Brasil.

Lula respondeu que não se recorda de ter recebido o documento e nem de uma eventual audiência. No entanto, disse que, se a audiência tiver ocorrido, deve estar registrada na agenda presidencial.

Dispensa

A defesa do ex-presidente apresentou nesta sexta-feira, em audiência da 10ª Vara Federal do Distrito Federal, pedido para que a defesa de um dos réus da Operação Zelotes desista de exigir depoimento do petista na ação penal que investiga venda de medidas provisórias. O depoimento está marcado para ocorrer na próxima segunda (25), em Brasília.

Lula foi arrolado como testemunha do réu Alexandre Paes dos Santos, lobista que teria atuado de forma ilegal na aprovação da Medida Provisória (MP) 471 de 2009, que prorrogou por cinco anos benefícios tributários ao setor automotivo.

Os advogados de Lula argumentaram que o ex-presidente já falou tudo o que sabe sobre o caso no do dia 6.

O advogado Marcelo Leal, que representa o réu Alexandre Paes dos Santos, disse que analisaria o depoimento dado por Lula para decidir se o dispensa ou não. “Se a acusação contra o meu cliente é de compra e venda de uma MP editada no governo Lula, e se a lei diz que a edição de medida provisória é prerrogativa do presidente da República, é natural que a defesa queira ouvi-lo”, afirmou.

O advogado destacou que insistirá em ouvir Lula se o depoimento dado por ele à Polícia Federal for inconsistente. “Se o depoimento não me servir, vou insistir na oitiva. Vou brigar por cada centímetro de direito do meu cliente”, afirmou.

A Operação Zelotes investiga a suspeita de negociação da MP 471, de 2009, e da MP 512, de 2010, as duas editadas no governo Luiz Inácio Lula da Silva. A outra medida provisória investigada é da gestão Dilma Rousseff, a MP 627, de 2013. Já foram denunciados 15 réus suspeitos de participar da negociação, a maioria lobistas e empresários que defenderiam interesses de clientes negociando alterações nas medidas provisórias em troca de propina.

A presidente Dilma Rousseff também foi notificada para depor no processo da Zelotes, mas poderá responder por escrito e dizer que nada tem a esclarecer sobre o fato.

Ela foi arrolada como testemunha pelo empresário e advogado Eduardo Valadão, que também é acusado de integrar o esquema de venda de MPs. O juiz Vallisney de Souza Oliveira, que conduz a ação penal, autorizou o depoimento da presidente sob o argumento de que é direito do réu escolher suas testemunhas.

Entenda a Operação Zelotes

Deflagrada em março pela Polícia Federal, a Operação Zelotes investiga venda de medidas provisórias e supostas irregularidades em julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Federais (Carf).

Em 4 de dezembro, 16 pessoas suspeitas de participar do esquema se tornaram réus depois que a Justiça Federal aceitou denúncia do Ministério Público Federal no Distrito Federal.

Segundo as investigações, empresas teriam atuado junto a conselheiros do órgão para que multas aplicadas a elas fossem reduzidas ou anuladas. Na denúncia, o MP pediu que o grupo, composto por advogados, lobistas e servidores, devolva aos cofres públicos R$ 2,4 milhões, por conta de benefícios fiscais concedidos a empresas do setor automobilístico, mas aprovadas mediante pagamento de propina.

Inicialmente voltada à apuração de supostas irregularidades no Carf, a Zelotes descobriu que uma das empresas que atuava no órgão recebeu R$ 57 milhões de uma montadora de veículos entre 2009 e 2015 para aprovar emenda à Medida Provisória 471 de 2009, que rendeu a essa montadora benefícios fiscais de R$ 879,5 milhões. Junto ao Carf, a montadora deixou de pagar R$ 266 milhões.

Além de integrantes dessas empresas, a denúncia também acusa membros de outra companhia. Entre os 16 denunciados, há também uma servidora do Executivo e um servidor do Senado. De todos os acusados, sete permanecem em prisão preventiva, decretada no fim de outubro.


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