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CRMV-MS volta a perseguir pesquisadores que tratam cães com leishmaniose

Publicado em 17/12/2015 12:00 -

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O veterinário André Luis Soares da Fonseca foi autuado ontem (16) pelo Conselho Regional de Medicina Veterinária MS e pela ANVISA e teve interditado o espaço onde atendia gratuitamente à população de Campo Grande (MS) – sobretudo pessoas carentes e ONGs – e seus animais, especialmente com o tratamento de leishmaniose (doença epidêmica em Campo Grande – MS, cuja área ele é especialista).

Vale lembrar que o tratamento de cães com leishmaniose é permitido por decisão judicial, sendo que a portaria que tentava proibi-lo foi considerada ilegal pelo Supremo Tribunal Federal (STF.)

André Fonseca foi multado em R$ 6.000,00 (seis mil reais) e responderá a processo. Se não puder mais atender, inúmeras ONGs e milhares de animais serão lesados. Para evitar isso, apoiadores da causa animal criaram um grupo no Facebook em apoio ao veterinário e iniciaram uma Petição Pública para garantir a continuidade do tratamento gratuito por ele oferecido.

O trabalho voluntário de André Fonseca, como médico veterinário, tem salvado milhares de seres indefesos que seriam impiedosamente mortos pela equivocada política administrativa de Saúde Pública no País. Hoje, a política adotada pelo Ministério da Saúde e pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) é o abate indiscriminado de animais.

Muitos pesquisadores, no entanto, discordam desta política. Alguns estudos apontam que a matança de cães não controla a doença. O pesquisador Carlos Henrique Nery Costa, por exemplo, desenvolveu estudos realizados no Espírito Santo, na Bahia e no Piauí que demonstram que não houve diminuição no número de pessoas infectadas por leishmaniose com o sacrifício de cães. Ele recomendou a suspensão do programa de eliminação de cães por falta de evidências da sua efetividade.

“A Organização Mundial da Saúde (OMS) fez uma revisão sistemática de estudos e a conclusão é que não existem evidências de que matar cachorro controla a doença. E o Código Sanitário Internacional diz que não se pode adotar uma política pública sem que haja comprovação científica”, alfineta.

Costa alerta que, além de ineficaz, matar os animais pode ter até efeito contrário ao que se espera. Isso porque, durante o rastreamento para eutanásia de cães infectados, muitas vezes são sacrificados também animais que têm o parasita, mas não desenvolvem sintomas. Mortos, eles deixam de se reproduzir e gerar indivíduos resistentes à doença. A longo prazo, sobram apenas cães sensíveis, o que poderia agravar ainda mais o cenário.

Por último, é preciso considerar que, embora seja o principal reservatório, o cão não é o único. Animais silvestres, como a raposa e o cachorro-do-mato, também transmitem a doença. Pesquisas também já encontraram o agente da leishmaniose visceral em gatos, embora se acredite que os felinos sejam mais resistentes ao protozoário.

Opção pelo tratamento

André Luiz reforça: “O abate sanitário não é controle adequado para a leishmaniose em lugar algum do mundo. Os trabalhos científicos são claros. A eutanásia não resolve o problema, porque a leishmaniose é doença vetorial. E controle de doença vetorial se faz sobre o vetor, o mosquito. É como a dengue. Se sua esposa chega em casa com dengue, de nada adianta mandá-la para a casa da sogra, pois a causa é o mosquito da dengue, que está na sua casa. O cão com leishmaniose é um indicativo de que há infestação de mosquitos na região. O procedimento correto seria dar tratamento ao cão, fazer a desinsetização do local e um levantamento no entorno para averiguar se há outros animais doentes e focos do mosquito”.

O doutor em parasitologia pela Universidade de Minas Gerais, Vítor Ribeiro também defende que seja dado o direito aos donos dos cães de optar pelo tratamento. “A eutanásia do cão é realizada na Europa em cima de uma decisão do proprietário, da gravidade da doença do animal, da possibilidade de ele cuidar do animal ou não, mas o tratamento assumido pelo proprietário é altamente viável”, explicou.

O deputado federal Geraldo Resende (PMDB-MS) apoia esta linha de ação. Ele apresentou o projeto de lei 1738/2011, que prevê o fim da obrigatoriedade de sacrifício de animais infectados pela leishmaniose. De acordo com a proposta, o sistema de saúde pública deve implantar uma política nacional de vacinação e tratamento de animais. “A prática do sacrifício indiscriminado é inaceitável na Europa. Em diversos países existem estudos científicos e mobilização de médicos veterinários e criadores de cães contra esta ação”, explicou.

Segundo o deputado, há diversos protocolos de trabalhos científicos exitosos nesta área: “Além disso, me parece mais racional tratar a exterminar cachorros e gatos. Vamos lutar pela vacinação dos animais, bem como a possibilidade de curar os animais infectados”, propôs.

600 mil cães sacrificados em Campo Grande

Fosse uma solução eficiente, a matança de animais já teria resolvido o problema em Campo Grande. Na capital do Mato Grosso do Sul, a população canina estimada é de 150 mil cães. Destes, calcula-se que cerca de 20% tenham leishmaniose. “Não é uma epidemia, é uma pandemia causada pela falta de foco do governo”, afirma André Luiz. Estima-se que de 1998 até hoje foram mortos mais de 600 mil cães em Campo Grande. O CCZ local mata em média de 100 a 120 cães por dia. Ainda assim, um levantamento realizado com base em números do Ministério da Saúde aponta que a leishmaniose matou 194 pessoas no estado entre 2000 e 2011.

Se há estudos clínicos e pesquisas científicas atestando a possibilidade do tratamento de cães infestados pela leishmaniose, por que o Ministério da Saúde insiste na política de abate sanitário? Para André Luiz, trata-se de uma questão de orgulho: “Essa política foi implantada há mais de 15 anos, mas os resultados não apareceram. E agora, até por uma questão de moral desses técnicos envolvidos, voltar atrás seria reconhecer incompetência. Por isso, por uma questão até de falta de brilho ético, por uma questão até de vaidade e de orgulho, eles não querem voltar atrás nessa decisão, mas eles sabem que o abate sanitário é ineficaz”, acusou.


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