29/03/2024 - Edição 540

Entrevista

Estamos vivendo uma aventura política

Publicado em 16/12/2015 12:00 -

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“O vencedor do processo de impeachment levará as batatas: se Dilma, governará com uma margem de manobra no Congresso ainda menor do que a atual; se a oposição, assumirá o papel de algoz da economia popular.”. A opinião é do cientista social e professor Rudá Ricci, para quem a disputa política no país são um verdadeiro “leilão” no qual quem perde é o país. Para Ricci, a crise política teve origem em uma mudança de estratégia governamental, que acabou gerando lacunas para o fortalecimento das forças oposicionistas. “O processo só prosperou em virtude do pacote econômico de natureza monetarista, ultraconservador, que rompeu com a ‘aliança tácita’ que a inclusão pelo consumo havia gerado entre governos lulistas e eleitor pobre”, explica.

 

Como ler o episódio da – tentativa – instalação da comissão que vai avaliar o pedido de impeachment na Câmara, no último dia 8?

Um leilão. É o baixo clero tendo seus 15 minutos de fama. Os partidos políticos estão esfacelados. E é o baixo clero do PMDB que vai comandar a festa nesta primeira fase de abertura do processo de impeachment (comissão especial e, se evoluir, plenário da Câmara). Será um toma-lá-dá-cá que pode durar todo primeiro semestre de 2016. E sangrará o país e nossa economia durante todo este tempo. A fatura por este desatino tem que cair no colo do PSDB, DEM e PPS.

Como o senhor avalia a decisão do STF em suspender a instalação do processo de impeachment e quais os desdobramentos disso?

 Não há o que avaliar sobre uma decisão do judiciário. Mesmo porque, não é julgamento do mérito. Mas, evidentemente, freou o "já ganhou" que a oposição à direita esboçava. Mesmo que momentaneamente.

Como interpretar todo o episódio de aceitação do pedido de impeachment? O que se projeta daqui para frente?

Um desgaste progressivo do governo Dilma Rousseff. O processo só prosperou em virtude do pacote econômico de natureza monetarista, ultraconservador, que rompeu com a "aliança tácita" que a inclusão pelo consumo havia gerado entre governos lulistas e eleitor pobre. Dilma rompeu com este compromisso e está levando o PT para o abismo. Enfim, por erro grosseiro do governo federal, temos o atual estágio do jogo
político.

Dilma rompeu a ‘aliança tácita’ que a inclusão pelo consumo havia gerado entre governos lulistas e eleitor pobre. Com isso está levando o PT para o abismo.

Quem são e como se articulam os atores desse cenário político de hoje?

O principal ator político é o PMDB. Na verdade, os PMDBs. Temos, ao menos, quatro partidos em um só: o de Renan, o de Temer, o de Eduardo Cunha e o baixo clero que se movimenta ao sabor dos ganhos de momento. Os três primeiros tentam compor e recompor a base, mas é o baixo clero que joga objetivando fortalecer sua base eleitoral que estará em campo no próximo ano. PSDB é coadjuvante neste momento. E DEM e PPS, assim como PSB, PTB e outros partidos menores, coadjuvantes dos coadjuvantes. O PT está totalmente acuado e, possivelmente, sofrerá defecções importantes a partir de 2016. Deve se tornar um partido médio depois das eleições municipais, perdendo o posto que tem na tríade hegemônica do sistema partidário (juntamente com PMDB e PSDB). Já as organizações sociais não conseguem atingir a base eleitoral dos deputados federais de tal sorte que não alteram o jogo na Corte como fizeram no passado. Enfim, o PMDB é o principal ator e no seu interior é que os principais atores se articulam, se traem e se rearticulam diariamente.

Como entender a relação entre PMDB e PT, desde a aliança eleitoral até a carta de Michel Temer a Dilma Rousseff? Como compreender o pedido de impeachment no contexto de um governo como dito de coalização?

Foi uma aliança de conveniência. Lula sempre se opôs ao PMDB de Quércia e de Temer. E o PMDB nunca foi confiável para nenhum governo porque ele mesmo não consegue eleger um Presidente da República em função das traições internas. Explico: como se trata de um partido-federação, forjado a partir de lideranças regionais, nenhuma dessas lideranças deseja o desequilíbrio da eleição de um deles como Príncipe, de tal maneira que estaria acima de todas as regiões. Assim, em toda eleição, o PMDB se divide entre a força situacionista majoritária e a força oposicionista majoritária. Nem mesmo Temer tem confiança em seu partido como um todo. Tanto que levou um drible curto de Picciani, que também driblou seu ex-aliado, Eduardo Cunha, que tenta trazer Temer e Renan para seu lado pela chantagem, e assim, sucessivamente, como a poesia de Drummond sobre a ciranda/quadrilha de amores perdidos. Como o PT, no último período, se aproximou do estilo peemedebista de gerir interesses internos, a confusão é que preside os acordos desde então.

O PMDB são quatro partidos em um só: o de Renan, o de Temer, o de Eduardo Cunha e o baixo clero que se movimenta ao sabor dos ganhos de momento.

De que forma analisa as estratégias do governo e da oposição? Como se dá e o que está por trás, nesse cenário de articulações pró e contra impeachment?

O Brasil está entregue ao baixo clero da Câmara dos Deputados, como já afirmei. Dilma só reagiu com certa inteligência nos últimos dez dias, apresentando muitas forças sociais anti-impeachment, articulação de juristas e tentando cindir o PMDB a partir do baixo clero. Mas demorou, e muito, para reagir. Imagino, inclusive, que esta reação não veio dela propriamente, mas de algum núcleo estrategista que pode ter envolvido gente do calibre de Jacques Wagner ou Franklin Martins. A questão é se reagiu com tempo suficiente para virar o jogo. Já a oposição está dividida e é pouco inteligente. Só sabe agir na Corte (o palco das disputas neste momento do processo de impeachment), com exceção da ala oposicionista do PMDB, ágil e objetiva. O PSDB é um partido sem programa e sem habilidade política. Diria que é um partido livresco, acadêmico, com muita teoria e muitos conselhos a dar (como os conselhos diários de Fernando Henrique Cardoso), mas que pouco sabe se movimentar no dia-a-dia do jogo político.

O que a ameaça de impeachment ensina para a esquerda nacional, em especial ao PT?

Primeiro, que a conciliação de interesses não interessa à classe média tradicional sulina e setores do empresariado. Há uma forte cultura reacionária focada numa cultura estamental, que refuta que recursos públicos sejam canalizados para a promoção social. Utilizam o frágil argumento da meritocracia para afirmar que os seus privilégios são fruto de seu esforço pessoal. Não são afeitos à noção de justiça equitativa. De outro lado, não se indica uma neófita política, como Dilma Rousseff, para um cargo tão alto, à sombra de um líder carismático. Estamos no topo do ecossistema econômico mundial. Dilma tem perfil tecnocrata e nunca soube negociar com nenhuma força social coletiva. Finalmente, em países com forte desigualdade social, atrair entidades de mediação para o interior do Estado (como pastorais sociais, Organizações Não Governamentaiss e sindicatos) é apostar na orfandade das ruas. A adoção da política econômica monetarista no início deste ano destruiu todo vislumbre de política estratégica que o lulismo havia esboçado. Agora, estamos ao sabor da queda do PIB, do aumento do desemprego e da volta à pobreza.

Como aparecem e como compreender as movimentações para as eleições 2016 nesse episódio do pedido de impeachment e para as eleições presidências de 2018?

Imagino que o país sairá mais plural, do ponto de vista partidário, das eleições municipais. O PSOL deve crescer em Porto Alegre e Rio de Janeiro. O PT deve se encolher aos Estados nordestinos e Minas Gerais. O PMDB deve permanecer grande. Fica a dúvida sobre PSB (que vinha crescendo constantemente), Rede (que oscila a partir das desventuras de sua figura maior, Marina Silva) e PSDB (que está encolhido, neste momento, a São Paulo).

Não se indica uma neófita política, como Dilma Rousseff, para um cargo tão alto, à sombra de um líder carismático.

O que se pode esperar para o Brasil no primeiro semestre de 2016, em termos políticos e econômicos?

Uma crise econômica quase similar a este ano (queda de 2,5% do PIB que já terá sido reduzido em 3% neste ano). E queda de 1,5% do PIB em 2017. Teremos, contudo, Olimpíadas e eleições municipais, que podem alterar um pouco o debate público a partir de junho ou julho. Mas será a economia que contaminará os ânimos. No mais, o vencedor do processo de impeachment levará as batatas: se Dilma, governará com uma margem de manobra no Congresso ainda menor do que a atual; se a oposição, assumirá o papel de algoz da economia popular. Quem governar o país ao final do processo de impeachment dificilmente estará fortalecido em 2018.

Nesse cenário atual, como ficam as discussões e qual a importância de retomar o debate acerca da reforma política? E que reforma política emerge?

A reforma política foi destruída pelo PT (aqui, a Presidente Dilma não tem culpa) e pela oposição liderada pelo PSDB. Neste momento, trata-se de uma sugestão que aparece como prato requentado para a opinião pública. Teremos que retomar esta agenda começando do início, como se nunca tivesse se apresentado como alternativa.

O senhor vislumbra a possibilidade de um novo pacto federativo? Entorno de quem?

Não há pacto federativo algum em momento de crise econômica com a dimensão que a recessão atual se impôs. Estamos mais próximos da situação da Grécia que dos Estados Unidos. Teremos que amargar com esta crise por mais dois anos e a luta fratricida que se seguirá. Não haverá pacto nacional, pacto de salvação nacional ou algo que o valha, seja lá quem sair vitorioso deste processo de impeachment. Todos sairão com feridas profundas. Estamos vivendo uma aventura política, e isto tem que ficar nítido, liderada pela pior geração de políticos da história de nossa República.


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