26/04/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

Sobre doutrinações e interesses

Publicado em 12/12/2015 12:00 - Rodrigo Amém

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Eu tenho uma criação de trolls na minha timeline. São gente de bem, de pedigree e famílias tradicionais. Eles são barulhentos, mas requerem pouca manutenção. Um emoji assustado sobre seus comentários irascíveis e eles já se sentem prestigiados. E, assim como meus gatos, eles me trazem presentes asquerosos como forma de apreço. A mais recente barata morta me foi ofertada com orgulho em um post sobre o movimento "escola sem partido". Vamos a ele.

Papais preocupados querem que professores sejam proibidos de falar de política, sexualidade e questões de gênero com seus pupilos. É uma tentativa de combater a doutrinação das pobres criancinhas, que vão todos virar gays comunistas por influência (Aparentemente, homossexualidade é só uma questão de ouvir o argumento certo). Enfim, para este grupo, os professores não podem dar opiniões pessoais e tem que se ater ao conteúdo programático.

Contra essa nefasta conspiração vermelha, o movimento pretende "apoiar iniciativas de estudantes e pais destinadas a combater a doutrinação ideológica, seja qual for a sua coloração". Mas como fazer valer essa premissa? Assim como Martinho Lutero fixou seu protesto na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg, eles querem que os mandamentos da escola sem partido sejam expostos em todas as salas de aula do Brasil. São praticamente protestantes pedagógicos.

E se a "proposta" é secular, a "estratégia" é ainda mais caquética. É um mal-ajambrado cavalo de troia. Por debaixo da camada de paranoia samaritana, está algo muito mais doentio do que a briguinha de coxinhas contra petralhas.

Se a melhor maneira de fazer gente como você é restringir o acesso à informação, interessa a quem ter mais gente como você?

No Rio de Janeiro, onde o projeto das plaquinhas nas salas de aula foi apresentado à Câmara por Carlos (quem mais?) Bolsonaro, o nobre vereador saiu com essa máxima: "Se o menino é filho de religiosos, vai crescer pensando na história de Adão e Eva para falar sobre o começo da humanidade. Deve-se respeitar isso".

Na barriga desta iniciativa de combate à doutrinação há, obviamente, uma doutrina. Conservadora e muito, muito religiosa (mas a religião certa, claro. Nada de macumba na aula. Deus me livre). Não vamos falar em Darwin. E, se falarmos, terá que ser em pé de igualdade com o velho testamento. Imagino que professores de geografia terão que achar espaço no programa para falar do dilúvio de Noé.

É curioso que um movimento tão determinado a lutar pelo fim da "doutrinação ideológica" não se preocupe com os crucifixos e imagens de santos nas paredes dos colégios Dom Bosco e Nossa Senhora Auxiliadora. É aquela velha história: diálogo é quando você me ouve. Doutrinação é quando você fala.

Mas eu já sou velho o bastante para não me surpreender com a sordidez teológica dos cidadãos de bem. O que eu ainda não entendo são esses pais e mães focados em produzir clones de si mesmos. Mais interessados em criar minions do que cidadãos informados, capazes de desenvolver sua própria visão crítica do mundo. Minha dúvida: se a melhor maneira de fazer gente como você é restringir o acesso à informação, interessa a quem ter mais gente como você?

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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