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Artigo da Semana

Não à impunidade

Publicado em 14/03/2014 12:00 -

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A extradição do ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato seria o ato do Estado italiano em entregá-lo, em face da condenação pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na ação penal 470, o mensalão, à pena privativa de liberdade de 12 anos e sete meses de prisão à Justiça brasileira, que é competente para aplicação da sanção em nosso território.

O pedido precisa partir do governo brasileiro, jamais do Ministério Público ou do STF. À Itália, cabe analisar os requisitos previstos em sua Constituição e legislação, que não proíbem a extradição de seus nacionais (natos ou naturalizados), apresentando maior flexibilidade do que o texto constitucional brasileiro, que nunca permitiria a extradição de brasileiros natos e, de maneira excepcional, em duas hipóteses, permitiria a de brasileiros naturalizados.

Em seu artigo 26, a Constituição italiana afirma que a extradição do cidadão italiano será permitida quando expressamente prevista pelas convenções internacionais, o que vem possibilitando extradições para os Estados Unidos em crimes transnacionais (máfia), com fundamento em duas convenções das Nações Unidas: aquela contra o crime organizado transnacional –Convenção de Palermo– e aquela contra a corrupção, ambas incorporadas ao ordenamento jurídico brasileiro.

A dupla nacionalidade de Pizzolato não é empecilho à concessão de sua extradição.

A dupla nacionalidade do fugitivo Pizzolato não é empecilho à concessão de sua extradição, nem garantia, pois um dos requisitos para que isto ocorra é a existência de reciprocidade entre os países. Ou seja, nos mesmos crimes, hipóteses e condições, o Brasil precisaria se comprometer a analisar eventual pedido italiano de extradição. Esse requisito é formalizado por meio de um tratado de reciprocidade ou por uma promessa de reciprocidade restrita do país requerente no próprio pedido.

Entre Brasil e Itália, há tratado de reciprocidade, que, todavia, não abrange a possibilidade de extradição de nacional. Esse obstáculo somente seria superado caso houvesse promessa de reciprocidade restrita do governo brasileiro em relação aos pedidos italianos de extradições nas mesmas hipóteses: o Brasil precisaria comprometer-se a analisar extradições de brasileiros natos e naturalizados, desde que solicitadas pela Itália.

Essa promessa, entretanto, seria nula, pois a Constituição Federal não admite extradição do brasileiro nato e só autoriza a do naturalizado em duas hipóteses (artigo 5º, LI): "Crime comum praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei". O STF já decidiu pela inviabilidade de concessão de extradição por impossibilidade de cumprimento da promessa de reciprocidade que contrarie frontalmente a Constituição do país que a requer (Brasil/Alemanha, Extradições 1002, 1003 e 1010).

Entre Brasil e Itália, há tratado de reciprocidade, que, todavia, não abrange a possibilidade de extradição de nacional.

Apesar desse empecilho, é possível solucionar o problema sem que prevaleça a impunidade, devendo ser elaborado um duplo pedido à Itália. No primeiro, seria requerida a extradição com base no artigo 26 da Constituição italiana e nas convenções, porém sem a promessa de reciprocidade restrita, que seria inválida pela Constituição brasileira.

A decisão de não exigir a reciprocidade restrita ficaria a cargo da Itália e respeitaríamos nosso texto constitucional.

O segundo pedido, subsidiário, seria feito com base no artigo 16, item 12 da Convenção de Palermo e no artigo 44, inciso 13 da Convenção contra a Corrupção, que estabelecem que se a extradição pedida para efeitos de execução de uma pena for recusada porque a pessoa desse pedido é um cidadão do Estado requerido, a Justiça italiana executaria a pena aplicada pelo STF no próprio território italiano e sob suas leis de execução.

A concessão da extradição ou o imediato cumprimento da pena privativa de liberdade aplicada pelo STF na Itália evitariam a impunidade, desencorajando futuras fugas.

Alexandre de Moraes – advogado e chefe do Departamento de Direito do Estado da Faculdade de Direito da USP. Foi secretário da Justiça do Estado de São Paulo (governo Geraldo Alckmin) e membro do Conselho Nacional de Justiça (2005 a 2007)


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