Meia Pala Bas
Publicado em 27/11/2015 12:00 - Rodrigo Amém
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Faz algum tempo que eu vivo de martelar letrinhas no teclado. E uma coisa que a gente aprende com o tempo e a prática é que palavras laceiam, gastam. Perdem o sentido e a utilidade. Viram barulho. Gromelô. E quanto menos sentido uma palavra faz, mais popular ela fica, mais ela é abusada, num círculo vicioso de promiscuidade semântica. No meio corporativo, onde a necessidade de dizer é inversamente proporcional a importância do falar, algumas palavras viram uma quase paródia de seu sentido clássico. "Inovação", por exemplo, ironicamente virou lugar comum. Seguiu o mesmo triste caminho de sua mãe, "globalizado" e sua avó "modernidade".
Cada geração faz o que pode para preencher sua cota no cemitério das palavras. Mas a internet tem ajudado. Fascismo. Machismo. Comunismo. Esquerdismo. As ideologias mais variadas estão perdendo seus nomes, transformados em xingamentos vagos. Como discutir a ascensão do nazismo quando o termo é empregado sem qualquer critério em rinhas virtuais?
Fascismo. Machismo. Comunismo. Esquerdismo. As ideologias mais variadas estão perdendo seus nomes, transformados em xingamentos vagos.
Dilapidada, a língua portuguesa recorre aos anglicismos, numa tentativa de "empoderamento". Porém, assim como nos comunicados internos das grandes empresas, não há concessão de poder sem transmissão substância e propósito. Não faz muito sentido inventar uma palavra que descreve um resultado para o qual não há um processo definido.
Poucas palavras hoje são tão magras de significado quanto "criatividade". Criar é característica intrínseca do ser humano. Transformar informações e estímulos em novas ideias e obras é uma das características que definem a experiência humana. Todo mundo cria, de uma forma ou de outra. Todo mundo é "criativo". Procurar uma pessoa cria tinha o mesmo sentido de procurar uma pessoa que respira.
O problema é que passamos a empregar o termo como um adjetivo, um diferenciador. Quem elabora ideias e conceitos "novos" é criativo. Como se "novas ideias" também não fossem fósseis poeirentos no cemitério das palavras.
Num mundo dividido entre criativos e mundanos, antes que a gente percebesse, criativos eram os poetas, os publicitários, os empreendedores. Os transformadores, os artistas, os formadores de opinião e outros eufemismos para uma suposta elite intelectual, moral, social. E foi assim que faxineiros, operários, lixeiros e mecânicos deixaram de ser "empoderados para criar".
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