19/04/2024 - Edição 540

True Colors

Castro, 1985

Publicado em 14/03/2014 12:00 - Guilherme Cavalcante

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Castro, o bairro histórico de São Francisco é cenário para muitas histórias gays na indústria televisiva americana. Na última semana, Looking, a mais nova série gay do canal americano HBO, chegou ao capítulo final de sua primeira temporada. Ambientados em São Francisco, foram oito episódios de 30 minutos que narraram o dia a dia de três amigos: Dom, um garçom quarentão; Augustin, um artista plástico frustrado; e Patrick, um designer de games confuso e imaturo.

De fato, Looking utiliza a história dos personagens para reproduzir ao espectador a realidade de quem vive em São Francisco atualmente. É uma realidade que contrasta com a rotina da maioria absoluta dos gays mundo a fora. A forma como a orientação sexual é tratada com naturalidade pelas ladeiras da cidade chega até a impressionar. Pessoalmente, não gosto da série, por uma série de fatores particulares, mas acho que vale a pena acompanhar a narrativa.

O fato, no entanto, é que existe um abismo entre o que é mostrado na TV e que Castro foi, na realidade, um dia. Diferentemente do lugar hedonista e tolerante retratado em Looking, Castro passou por uma história até conquistar seu status de meca dos gays. Afinal, é o lugar onde morou e atuou politicamente o ativista Harvey Milk; onde tomou forma a primeira parada do orgulho LGBT.

Sobretudo, Castro foi um dos principais cenários da epidemia da AIDS nos anos 80, uma cicatriz em nossa história que até hoje nivela por baixo LGBTs. Suas ruas, becos, vielas, saunas e afins guardam uma história de resistência e luta pela dignidade de LGBTs e de pessoas com HIV.

E mesmo quando a AIDS entrou em cena e ser gay parecia ser uma sentença de morte, mesmo com o medo generalizado, havia muita gente disposta a lutar pelo seu espaço de existência. Afinal, Castro era exatamente isso: uma possibilidade de exercer a própria identidade, de não se anular perante a opinião pública, de resistir à heteronormatividade.

Entre 1985 e 1988, o fotógrafo Thomas Alleman clicou o entusiasmo da comunidade que resistia ao estigma imposto sobre LGBTs mundo a fora. Anos depois, em 2012, os registros fotográficos de Alleman compuseram a brilhante exposição “Dancing in the Dragon’s Jaws”.

“Espero que estas fotografias lembrem os espectadores de que momento de nossa história social – há muito tempo, mais ainda muito recente – quando a primeira onda da epidemia de AIDS derrubava um dos bairros mais vibrantes de nosso país e, ao mesmo tempo em que uma parte da comunidade mostrava medo, desgosto e raiva, alguns ainda tiveram a coragem e a vontade de celebrar o sonho de vida que foi ir morar em São Francisco (…)”, disse Alleman à imprensa, na época da exposição.

As imagens, riquíssimas, nos trazem uma lição de vida. Mostram que mesmo nos tempos mais difíceis, é possível lutar pela própria dignidade e dar a volta por cima. Certamente, ainda estamos neste longo processo, porém, com a participação de um coletivo que só faz crescer.

 

Muxe, o terceiro gênero mexicano

Uma grande festa popular, chamada “Vela”, está para acontecer na região do sul do México, conhecida por Oaxaca, mais especificamente na cidade de Juchitan. Além da unicidade dos festejos latinos, sobretudo dos mexicanos, uma outra particularidade põe as Velas em situação de contraste com outras festas populares daquele país: nas Velas, as estrelas da noite não são nem homens, nem mulheres: são as muxes!

Muxes são indivíduos que nascem com genitália masculina, mas que se vestem e se comportam conforme o gênero feminino. Na cultura ocidental, as muxes poderiam ser facilmente classificadas como travestis ou transexuais, mas tem algo de diferente que não torna essa rotularão tão simples.

A cultura binária de gênero é subvertida na Oaxaca. Muxes são visivelmente distinguíveis de homens e de mulheres cisgêneras, sendo consideradas uma espécie de terceiro gênero. E além de tudo, as muxes são aceitas e celebradas em suas famílias e respeitadas nas comunidades.

Para quem ficou com a pulga atrás da orelha, o documentário acima, produzido pela Vice, descreve com exatidão as peculiaridades do terceiro gênero mexicano e serve também como exemplo clássico do gênero enquanto construção social. Assistir é obrigatório! OBS: não esqueça de acionar as legendas em português no player.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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