29/03/2024 - Edição 540

Saúde

Justiça libera droga contra o câncer sem testes feitos em humanos

Publicado em 15/10/2015 12:00 -

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Após a Justiça recuar e liberar a entrega de uma substância que supostamente trata vários tipos de câncer, o Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP) em São Carlos virou destino de uma "romaria".

A corrida de pacientes começou depois que o desembargador José Renato Nalini, presidente do Tribunal de Justiça (TJ), reconsiderou, na última sexta-feira (9), o pedido de suspensão de entrega da substância fosfoetanolamina.

A decisão do TJ baseou-se em liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) que liberou a entrega das cápsulas de fosfoetanolamina a um paciente. Segundo estimativa de advogados e familiares de outros pacientes com câncer, há mais de mil ações do gênero.

Nos últimos dias, filas se formaram na universidade em busca da droga. Alguns creem que essa pode ser a última chance de evitar a morte dos doentes.

Na terça (13), no entanto, as pessoas foram informadas que a substância não seria entregue por não haver estoque e que os mandados judiciais deveriam ser protocolados na Procuradoria Geral da USP.

Cobaias?

Segundo o presidente da Sociedade Brasileira de Oncolgia Clínica Evanius Wiermann, o caso pode se resumido como uma "loucura". "Os pacientes estão sendo feitos de cobaia sem garantia nenhuma de segurança ou de eficácia."

A fosfoetanolamina só passou por estudos iniciais em células e em animais. Para uma droga ser aprovada, pelo menos três fases de estudos em humanos devem ser realizadas –para avaliar se a droga de fato funciona, se é segura e quais os efeitos colaterais.

Cientificamente, ela ainda pode ser considerada apenas uma promessa, com a qual deve se ter muita cautela.

Nem nos casos de "sucesso" é possível saber se há realmente um efeito anticâncer da fosfoetanolamina ou um efeito placebo – já que não existem estudos controlados.

Para Wiermann, outro problema é o "viés de seleção" – só os casos de sucesso são relatados, aumentando a fama da droga. Os possíveis efeitos colaterais jamais são reportados porque os pacientes não estão sendo acompanhados em um dos estudos.

Em nota, a USP informou que a fosfoetanolamina não é remédio e que foi estudada como produto químico e que não há "demonstração cabal de que tenha ação efetiva contra a doença".

A USP evitou, porém, bater o martelo a respeito do caso e não esclareceu, por exemplo, por que um de seus pesquisadores – Gilberto Chierice, professor aposentado que coordenou pesquisas com a fosfoetanolamina sintética – distribuía o suposto medicamento alegando que seria a "cura do câncer".

Tampouco a universidade disse porque levou mais de dez anos, desde o início da distribuição, para que alguma providência fosse tomada para cessá-la.

A USP diz que não tem como produzir a substância em larga escala para atender às "centenas de liminares", mas que vai cumprir as decisões dentro da "capacidade". Por fim, afirmou que apura o possível envolvimento de docentes ou servidores na difusão da "informação incorreta".

Má vontade

As declarações de Chierice à imprensa fizeram com que a busca pela droga aumentasse.

Segundo ele, a droga não chegou ao mercado devido à "má vontade" das autoridades. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) esclarece que não é possível registrar um medicamento sem os testes em humanos.

Nesta quarta (14), em uma reunião com cerca de 15 pessoas, foi avisado que o funcionário que cuida da preparação da droga está viajando e que só haverá novas entregas a partir da próxima semana, atendendo decisões judiciais referentes a setembro.


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