23/04/2024 - Edição 540

Especial

O mau e velho turismo sexual

Publicado em 25/02/2014 12:00 -

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Depois do repúdio do governo brasileiro e de reclamações de consumidores nas redes sociais, a Adidas anunciou que não vai mais vender as camisetas comemorativas da Copa do Mundo que relacionavam o Brasil ao turismo sexual. A empresa disse que a camiseta fazia parte de uma edição limitada que só seria vendida nos Estados Unidos.

Patrocinadora da Copa do Mundo, a empresa avisou que suspenderá a venda das camisetas, porque “acompanha de perto a opinião de seus consumidores e parceiros”. O Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur) repudiou o vínculo da imagem do Brasil com o turismo sexual.

Em uma das camisetas, a Adidas expôs a figura de uma mulata ao lado da frase Looking to score, um trocadilho sobre fazer gols e pegar garotas. De acordo com a Embratur, a promoção turística do Brasil no exterior não faz esse tipo de referência, e tem o objetivo de mostrar um país culturalmente diverso, com roteiros turísticos, ícones patrimoniais, belezas naturais, hospitalidade e modernidade.

Em uma das camisetas, a Adidas expôs a figura de uma mulata ao lado da frase Looking to score, um trocadilho sobre fazer gols e pegar garotas.

O presidente da entidade, Flávio Dino, afirmou que o país não tem interesse algum em vincular sua imagem ao turismo sexual. “É um crime inaceitável, e não pode ser confundida de forma alguma com uma modalidade de turismo. Queremos deixar claro aos nossos parceiros comerciais na área do turismo que o Brasil não tolera esse tipo de crime em seu território”, disse.

A ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, Eleonora Menicucci, disse que é inadmissível que uma multinacional de produtos esportivos, como a Adidas, venda camisetas com imagens e frases que ligam o Brasil ao turismo sexual. Para ela, é uma ofensa ao país e às brasileiras. "Desrespeita e agride o nosso país ao repor um imaginário que tanto lutamos para sepultar definitivamente", disse.

Felizes

A presidenta Dilma Rousseff afirmou por sua vez que o Brasil está feliz em receber turistas que virão para a Copa do Mundo, mas ressaltou que o país também está pronto para combater o turismo sexual. “O governo aumentará os esforços na prevenção da exploração sexual de crianças e adolescentes no #Carnaval e na #CopaDasCopas”, escreveu a presidente em sua conta no microblog Twitter.

Dilma disse que o Ministério do Turismo, a Secretaria de Política para as Mulheres e a Secretaria de Direitos Humanos estão firmes no combate à exploração sexual durante os dois grandes eventos.

A presidenta aproveitou para divulgar o telefone para as denúncias com relação a esse tipo de  crime. “Denúncias de exploração sexual de crianças e adolescentes Disque 100”, escreveu. A Copa do Mundo será realizada em 12 capitais do país nos meses de junho e julho deste ano.

Caso Antigo

Apesar dos esforços oficiais para coibir o turismo sexual, em especial com crianças e adolescentes, o Brasil ainda projeta no exterior a ideia da mulher como atrativo turístico. Os pesquisadoras Fernando Feijó e Flávio Mário de Alcântara Calazans afirmam no artigo “A imagem internacional do turismo sexual no Brasil: o ‘prostiturismo’ no marketing turístico” que “o turismo sexual é muito maior, pois não se trata apenas de uma pessoa em busca de uma simples aventura sexual, ele se constitui numa verdadeira indústria de serviços, que apesar de inúmeros esforços de alguns governos e ONGs, continua crescendo e muito”.

Esta indústria é alimentada pela visão deturpada com a qual a mulher brasileira é apresentada no exterior. Trata-se de uma prática que ocorre por diversos meios, de forma oficial ou não. A blogeira e feminista Denise Arcoverde alerta: “Não se iludam. Essa imagem não ajuda em nada a mulher brasileira, nem ao país. É um insulto que estimula o turismo sexual”.

O turismo sexual sempre foi usado no exterior para promover as “belezas do Brasil”. Rea­li­zado na Es­panha há al­guns anos, a “In­tegra Ma­drid” – uma feira de ser­viços e pro­dutos para imi­grantes – foi palco de um destes muitos momentos. O caso foi o seguinte: no stand da revista espanhola Periodista Latino, um cartaz promocional exibia uma modelo colombiana saindo do mar com um biquíni sensual. A peça publicitária alterou os ânimos de alguns participantes do evento, provocando protestos. O cartaz foi apontado como fruto do chauvinismo e quase despedaçado. Foi preciso a ação da polícia para dispersar os revoltosos. Responsável pela publicação, Paul Monzón reclamava: “E estas brasileiras dançando no meio da feira?”. Ele se referia as dançarinas de funk que, em trajes sumários, se exibiam em um stand brasileiro.

Indústria do sexo é alimentada pela visão deturpada com a qual a mulher brasileira é apresentada no exterior.

Outro bom exemplo desta prática foi a campanha publicitária da cachaça Cabana, veiculada nos Estados Unidos, que mostra mulheres exibindo o que lá fora eles chamam de "depilação brasileira".

Em 2009, uma campanha publicitária da Relish – grife de roupas femininas da Itália – revoltou autoridades municipais e estaduais do Rio de Janeiro. Espalhadas por outdoors de Milão, Bolonha e Nápoles, as imagens mostravam modelos aparentemente estrangeiras sendo abordadas e revistadas de forma abusiva e agressiva por policiais militares fardados. Em uma das fotos, na Praia de Ipanema, um PM com a farda do 22º Batalhão de Polícia Militar (BPM), do Complexo da Maré (zona norte), coloca a mão por baixo da saia da modelo.

O Rio for Parties (Rio para Festeiros), uma espécie de “guia” para que os gringos se “deem bem” com as brasileiras, não pode ficar de foira da lista de excessos em prol do turmo sexual.  Em sua edição de 2010 o “guia” classificava as brasileiras como "máquinas de sexo" e as dividia em quatro categorias: as britneys ("filhinhas de papai", mais difíceis), as popozudas ("máquina de sexo bundudas", sexo fácil), as hippies/ravers (garotas divertidas, mas difíceis de beijar) e as balzacs (mulheres com mais de 30 anos que querem se divertir, dançar, beber e beijar). O livreto recomendava também que o turista não “tente pegar sua brasileira na praia", principalmente no fim de semana, além de aconselhá-lo a não tentar a abordagem na rua. E avisava: “Tente derretê-la com uma aproximação suave. Tente começar a beijar o mais rápido possível”. Outra recomendação: o turista não deve insistir para ir a casa dela, mas sim sugerir um passeio por onde estão os melhores motéis. Uma lambança que foi parar na justiça.

A mulher oficialmente desconstruída

Foi entre os anos 70 e 80, quando o turismo começou a ser apontado como a “indústria do futuro”, que a Embratur deu início a campanhas publicitárias com a intenção de “vender” o Brasil como destino para o turismo mundial. Estas campanhas enalteciam as belezas naturais do país, mas também a sexualidade da mulher brasileira.

Foi nesta época que o material oficial do turismo brasileiro – cartazes, folders, filmes publicitários e até a participação em congressos mundiais – passou a explorar a imagem da mulher, sempre em trajes sumários, expondo sua sensualidade inerente como um produto a ser consumido. Também teve início neste período a transmissão via satélite dos desfiles de carnaval, onde as mulatas eram os principais focos de atenção, assim como a transmissão pela tevê de bailes de carnaval do Rio de Janeiro, onde a pouca roupa das mulheres era o principal atrativo das câmeras.

Técnicos da própria Embratur apontavam o órgão como um dos responsáveis pela consolidação do Brasil como rota do Turismo Sexual. Através da sua política de propaganda, associando a imagem da mulher nativa às paisagens naturais, bem como às festas populares, a autarquia atraiu a atenção tanto de turistas quanto de agenciadores nacionais e internacionais, para as potencialidades de exploração desse mercado.

Na década de 80, um estande da Embratur em Nova York (EUA) exibia uma modelo brasileira com roupas de banho desfilando na frente de fotos do país. Os atuais cartões-postais da praia de Copacabana, da mesma forma, ainda estampam quatro mulheres de biquíni na areia.

Em sua dissertação de mestrado intitulada “Embratur: Formadora de imagens da nação brasileira”, a pesquisadora Louise Prado Alfonso sustenta que a divulgação deste tipo de imagem da mulher brasileira por organismos oficiais de turismo levou uma mensagem negativa e equivocada que contribui para o aumento do turismo sexual. Para Louise, os aspectos depreciativos da divulgação da mulher brasileira como atrativo turístico poderiam ter sido previstos pela Embratur.

Maria Jaqueline de Souza Leite, do Centro Humanitário de Apoio à Mulher (CHAME), completa o quadro, ampliando os agentes propagadores desta imagem desconstruída de nossas mulheres: “A imagem de sensualidade, erotismo e liberdade sexual que alimenta as fantasias dos homens no exterior a respeito das mulheres brasileiras, sobretudo negras e mulatas… é projetada não apenas através de propaganda turística, mas também da literatura e cinema nacionais”

Estratégias e Exemplos

Até pouco tempo, as es­tra­té­gias de com­bate ao tu­rismo se­xual im­ple­men­tadas pelo poder pú­blico e pela so­ci­e­dade civil li­mitam-se – em grande parte – a ex­plo­ração da cri­ança e do ado­les­cente.  Hoje, a Em­bratur tenta subs­ti­tuir a sen­su­a­li­dade da  mu­lher bra­si­leira pelas be­lezas na­tu­rais do país.

Ocorre que, aliado a isso, é ne­ces­sário agir para re­cons­truir a imagem da mu­lher bra­si­leira lá fora. En­quanto a pre­o­cu­pação com o tu­rismo se­xual no Brasil es­tiver apenas fo­cada sobre sua mo­da­li­dade in­fanto-ju­venil o nosso tu­rismo per­ma­ne­cerá li­gado a uma se­xu­a­li­dade fe­mi­nina es­te­ri­o­ti­pada, fo­cada no mito da “orla ca­li­ente", atraindo tu­ristas se­xuais e per­pe­tu­ando a imagem ne­ga­tiva da mu­lher bra­si­leira – uma imagem que cons­truímos.

Confira no vídeo alguns casos do uso inadequado da mulher brasileira no turismo.

Outro caso que de­monstra as es­tra­té­gias equi­vo­cadas do tu­rismo tu­pi­ni­quim, que co­la­boram ainda hoje para a cons­trução de uma imagem de­tur­pada das nossas mu­lheres foi abor­dado pela jor­na­lista Elaine Chry­sos­tomo, no ar­tigo “Des­res­peito lá fora, des­pudor aqui dentro”. Ela re­lata “o epi­sódio do de­sem­barque dos pas­sa­geiros do navio Queen Mary 2 no Rio de Ja­neiro (em 2004), em que mu­latas-sam­bistas, in­dig­na­mente ‘ves­tidas’, agar­raram um tu­rista ve­lhinho (e fu­ri­bundo), de ben­gala, na saída do Cais do Porto, só para posar para foto”. “O pior é que essas ini­ci­a­tivas re­cebem apoio do go­verno do es­tado e da Pre­fei­tura , para desrespeitar a imagem da mulher brasileira”, diz Elaine.

Hoje, a Em­bratur tenta subs­ti­tuir a sen­su­a­li­dade da  mu­lher bra­si­leira pelas be­lezas na­tu­rais do país.

Entre as estratégias que poderiam ser adotadas em um processo de recuperação da imagem das brasileiras no exterior está o combate à prostituição que leva milhares de brasileiras a vender o corpo no velho mundo. É fato que este grupo constrói uma imagem negativa do Brasil e das brasileiras em especial. A criação de mecanismos que evitem o aumento deste contingente é importante e, certamente, ajudaria a mitigar a ideia que permeia as mentes de muitos “gringos” de que o Brasil é um paraíso de praias e de sexo fácil e barato.

Serviria de alento, por exemplo, para uma amiga jornalista residente em Londres, que vivenciou – em uma reunião social – o assédio de estrangeiros que, movidos pelo álcool, mostraram como, de fato, enxergam a mulher brasileira. “Um babaca com uma risadinha sacana me perguntou se as mulheres andavam peladas no Brasil porque era muito quente. Um imbecil francês disse que seria bom ir participar de uma reunião no Brasil para poder ‘catar’ as mulheres, afinal, as mulheres no Brasil estão assim disponíveis como qualquer mercadoria barata e descartável, bastando escolher. O outro concordou e imaginou e descreveu uma cena bizarra dele saindo do aeroporto e sendo agarrado por três mulheres desesperadas querendo levá-lo para cama. Um teve a cara de pau de dizer que se fosse ia voltar com umas três para casa. Nessa hora meu sangue ferveu, mas infelizmente não poderia falar muita coisa, pois é isso que o Brasil vende aqui fora – turismo sexual e barato.”.

Como bem disse Rita Lee, “nem toda brasileira é bunda”.


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