25/04/2024 - Edição 540

Especial

Híbridos

Publicado em 27/08/2015 12:00 -

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Tiago Mattos é multiempreendedor, educador, palestrante e formado pela Singularity University como futurista e seu trabalho é entender que tendências a tecnologia está seguindo.  Para entrar no curso, o empreendedor gaúcho de 35 anos, foi avaliado com a capacidade de impactar um bilhão de pessoas em dez anos. De acordo com ele, a revolução da internet já passou e, agora, o futuro aponta para uma integração cada vez maior entre homens e tecnologias.

A Singularity University é uma iniciativa da NASA – sob orientação do americano Ray Kurzweil, um dos mais célebres especialistas em inteligência artificial da atualidade –  em parceria com o Google e tem como meta principal discutir e encontrar novos caminhos da cultura digital e pós-digital, "O pensamento humano é linear. Já o pensamento dos computadores funciona de acordo com uma lógica exponencial. A cada dezoito meses, mais ou menos, nossa capacidade duplica. Por isso, a velocidade da evolução é cada vez maior", explica Mattos.

Depois da internet, segundo as discussões da Singularity, três novas revoluções em curso ditam as tendências do futuro próximo: Genética/Bioecnologia, Nanotecnologia e Robótica/Inteligência Artificial. Mattos explica que, os anos de 1980 foram transformados pela computação, os 1990 pela internet e os 2000/2010 viveram o advento dos sensores e da Internet das Coisas, agora, o momento já é outro.

As interações entre os objetos e o humanos devem se intensificar e se complexificar. "Este é um processo irreversível. Se já temos smartphone, SmarTVs… as coisas ficarão cada vez mais 'espertas' e nós, humanos, somos apenas mais uma dessas coisas", afirma Tiago.

As novas revoluções já começaram

Talvez, para um terráqueo das antigas, muito pode parecer roteiro de ficção científica, mas as três revoluções citadas por Mattos já estão a pleno vapor. Pesquisas para desenvolvimento de órgãos humanos com impressoras 3D, realidade aumentada para uso pedagógico em simulações de situações de risco e funções de dispositivos móveis capazes de monitorar condições médicas dos usuários ou acessar dados bancários remotamente são exemplos de como essas novas tecnologias já estão em nosso dia a dia. E, pelo visto, vem muito mais por aí.

"Um trabalho muito interessante que discutimos bastante foi o dos carros auto-dirigíveis, como o que sendo criado pelo Google. O número de mortes por falha humana ou imprudência, além dos engarrafamentos, que poderiam ser facilmente evitados com esse veículo são provas de que esta é uma tendência que não tem volta", avalia o futurista. Ele também destaca que a inteligência artificial poderá ser um grande ajudante de pessoas que precisam de cuidados especiais ou apenas ansiosas por companhia. Como o projeto do personagem Tadashi, em Operação Big Hero, os robôs podem ser grandes ferramentas na assistência social em pouco tempo.

Na visão dos futuristas da Singularity University as revoluções tecnológicas não serão privilégio apenas dos mais ricos. "Cedo ou tarde, as inovações chegam a todos", garante Mattos. Usando como exemplo o celular, que é um bem que já foi item de luxo e hoje em dia quase todo brasileiro já possui, o entusiasta acredita que as vantagens serão democratizadas no tempo certo. "A humanidade está passando por uma mudança drástica de mentalidade, a Era da Empatia. Cada vez mais vamos nos perceber como partes de um único organismo maior".

Nosso emprego

De acordo com Mattos, os humanos não precisam se preocupar com o desemprego como consequência do avanço da tecnologia. Na verdade, isso pode ser bom para todo mundo. "A tendência, no mercado de trabalho, é que robôs sejam desenvolvidos para exercer tarefas de mão de obra barata ou trabalhos repetitivos, por exemplo. No futuro, com interfaces mais amigáveis, qualquer um poderá comprar um robô e designá-lo para fazer o que for necessário", projeta Tiago. Segundo ele, não será necessário saber a fundo as técnicas de programação e robótica. Os próprios robôs farão esse trabalho.

Na verdade, a tendência é que estejamos integrados a eles (os computadores). A Indústria do futuro terá integração entre humanos e robôs afirma a Arup, empresa de engenharia de projetos, sediada na Inglaterra. "A inevitável mudança para formas mais enxutas, inteligentes e flexíveis de produção terá uma série de impactos sobre a forma como fábricas são projetadas", escreve a Arup em relatório internacional chamado Repensando a fábrica.

A empresa sugere que os humanos não serão substituídos por robôs (como alguns preveem), mas que os dois trabalharão juntos. Essa integração seria a marca da quarta revolução industrial – que estamos experimentando atualmente.

Uma das principais características dessa revolução seria com o uso de tecnologias ciberfísicas. O papel dos humanos seria menos de lidar com tarefas manuais e mais de supervisionar cadeias de produção e de analisar dados.

A aposta da Arup é que a interação entre humanos e máquina deixará de ser feita usando métodos tradicionais, como o uso de um computador dotado de mouse e teclado. No lugar estariam ferramentas como a fala, gestos, expressões corporais e dispositivos como óculos inteligentes.

Tecnologias aplicadas em materiais também colaborariam com a quarta revolução industrial. Na lista, a Arup fala de materiais autolimpantes e autorreparáveis como exemplos. Os impactos seriam bens com maior vida útil e uma demanda considerável por matérias-primas.

Outro assunto explorado pela Arup é a impressão 3D. Eles acreditam que o uso em larga escala dessa tecnologia na linha de produção irá mudar a distribuição geográfica de fábricas.

"Impressão 3D permitirá que as fábricas sejam mais móveis e dispersas. As localizações de fábricas podem ser mais variadas e mais próximas dos consumidores", afirma a empresa. "A utilização de impressão 3D na manufatura pode reduzi a quantidade de produtos desperdiçados e também a quantidade de energia empregada."

O relatório completo está disponível no site da empresa. Ele está em inglês e pode ser acessado aqui.

Poder das máquinas

Ainda assim, nos preocupamos com questões pontuais sobre o tema. Um computador vai escrever o melhor romance de todos os tempos em um segundo, resolver o maior mistério da ciência em um décimo de segundo e descobrir o sentido da vida, do universo e tudo o mais em menos tempo do que você leva para terminar este parágrafo? Pode ser que sim. Muitos de nós provavelmente estaremos vivos quando esse dia chegar. O problema é saber como será o dia seguinte.

Já faz quase 20 anos que o Deep Blue, um supercomputador da IBM, bateu Garry Kasparov, o grande trunfo do xadrez do time da humanidade. Na época, houve quem desse pouco crédito à inteligência daquela máquina pelo fato de o jogo ser altamente matemático – ciência para a qual os computadores têm aptidão mais do que natural.

Na prática, não haveria uma grande "inteligência" ali. Só uma calculadora grande. Os computadores, então, poderiam até ser geniais, mas nunca saberiam "pensar como um humano". Hoje essa visão não faz mais sentido. O Watson, outro supercomputador da IBM, conseguiu vencer em 2011 os dois melhores jogadores humanos no Jeopardy, um game show da TV americana. Trata-se de um jogo de perguntas e respostas que exige dos participantes uma baita habilidade com linguagem. São questões do tipo "Esse objeto, mesmo quando quebra, está certo duas vezes por dia. Qual é o objeto?". "Um relógio", respondeu Watson, com a mesma rapidez com que uma calculadora dá um resultado. E foi assim com outras dezenas de perguntas nessa linha. "Isso não aconteceu, note bem, porque algum cientista colocou aquela informação do jeito certo", diz Ray Kurzweil. De fato. Tudo o que Watson fez antes de participar do jogo foi ler milhares de livros e enciclopédias – inclusive a Wikipedia, embora ele não estivesse conectado à internet na hora de responder as perguntas. Tinha de ser tudo "de cabeça" mesmo. Admirável. E o bastante para dizer que Watson está para o Deep Blue como um cachorrinho está para uma formiga. Trata-se de uma inteligência infinitamente superior – ainda que não chegue aos pés da humana.

Mas para alguns especialistas essa nossa vantagem não deve durar mais tanto tempo. É o caso de Kurzweil. Para ele, os chips devem nos ultrapassar até a metade do século. É quando toparemos com o que ele e outros cientistas chamam de "singularidade tecnológica". Vamos ver o que é isso.

Na física, "singularidade" é o que acontece no interior de um buraco negro. Um buraco negro se forma quando uma estrela implode e começa a ser destruída pela própria gravidade. Chega uma hora em que não sobra mais estrela. Só gravidade. Na verdade, um pontinho no espaço onde a gravidade tende ao infinito. Esse pontinho é o que os físicos chamam de "singularidade". Com o passar do tempo, a singularidade vai sugando tudo o que tem à sua volta. A massa e a energia dos objetos que ela engole deixa o buraco negro "mais forte". O poder de sucção dele aumenta, ele engole mais coisas, fica mais forte… Em suma: o crescimento do buraco negro acontece numa espiral infinita. Com a "singularidade tecnológica" seria a mesma coisa. Uma máquina mais inteligente que a humanidade criaria ela mesma máquinas ainda mais sofisticadas, sem precisar de programadores humanos. A inteligência artificial cresceria por conta própria, igual o poder de sucção dos buracos negros. Esse processo tenderia ao infinito, com máquinas dando à luz máquinas incríveis que depois criam máquinas ainda mais fantásticas. E nós ficaríamos só assistindo.

Isso é só uma possibilidade teórica. Mas talvez estejamos dando agora mesmo os primeiros passos para chegar a essa realidade. E por um motivo simples: construímos máquinas cada vez mais à imagem e semelhança do nosso cérebro. A inteligência humana foi produzida pela seleção natural. Ao longo da evolução, nossa cabeça cresceu para lidar com desafios que nossos corpos não teriam como vencer – tente correr de um leão na savana africana para ter uma referência mais completa do que estamos falando.

A sobrevivência dos seres humanos dependeu basicamente do desenvolvimento da capacidade de criar extensões dos nossos corpos – ferramentas – e ao mesmo tempo ter a chance de nos especializarmos no uso delas. Podemos, portanto, resumir o cérebro humano em duas qualidades básicas: capacidade de processamento (para imaginar a ferramenta certa) e plasticidade (para se adaptar ao uso da tal ferramenta).

Capacidade de processar

Primeiro vamos falar da capacidade de processamento. Qual é o desempenho computacional dos nossos miolos? Pesquisadores da IBM fizeram essa conta e estimam que o cérebro é capaz de atingir 36,8 petaflops – ou 36,8 quatrilhões de operações por segundo. Isso equivale a mais ou menos 1 milhão de PCs trabalhando em conjunto.

Coordenar o trabalho de tantos chips ainda é algo impossível com a tecnologia de hoje. Mas os supercomputadores têm avançado um bocado. Em 2012, o Sequoia, da IBM, conseguiu atingir 16,32 petaflops – quase metade da capacidade humana. Ainda assim, ele não faz nada tão incrível quanto nós fazemos – coisas como pensar que estamos vivos. Por quê? Para responder a essa pergunta, entra a segunda qualidade básica da sua cabeça: a plasticidade.

Seu cérebro é altamente maleável, adaptável. Conforme o sistema nervoso vai se desenvolvendo, diversas regiões cerebrais vão assumindo diferentes responsabilidades. Sabe-se, por exemplo, que há áreas determinadas para o processamento da linguagem. Também há partes específicas do cérebro que controlam partes diferentes do corpo, como os pés e as mãos.

Mas o melhor de tudo é que dá para adaptar o cérebro conforme o uso. É a plasticidade que permite, por exemplo, que um sujeito se torne um grande pianista. As áreas do cérebro referentes às mãos se expandem enormemente em quem treina piano durante muitos anos. "Nosso cérebro é um sistema projetado para aprender, para se moldar na interação com o ambiente", diz o psicólogo Steven Pinker, de Harvard, um dos maiores especialistas no funcionamento da massa cinzenta. Os melhores cérebros eletrônicos de hoje funcionam basicamente assim. Ou seja: eles conseguem aprender. "As técnicas que evoluíram no campo da inteligência artificial são similares às tecnicas que o cérebro usa", diz Kurzweil. "E isso não aconteceu porque esse campo de pesquisa estava copiando o cérebro". Ou seja: foi uma feliz coincidência. Uma coincidência que permitiu máquinas como o Watson, capazes de aprender por conta própria quando leem um livro – que nem você.

Conforme a plasticidade dos cérebros eletrônicos aumente, é possível que uma hora eles fiquem tão complexos quanto o cérebro que você carrega. Kurzweil, que é o maior arauto dessa tese, estima que as máquinas chegarão a uma inteligência equivalente à humana em 2029. Sim, exatamente 2029. Ele chegou a esse número com base em projeções matemáticas sobre a evolução da capacidade de processamento. Claro que a previsão é polêmica – para muitos pesquisadores, cravar o ano em que algo tão imprevisível e insólito deve surgir é loucura. Ponto. Seja como for, pelas contas de Kurzweil, a singularidade propriamente dita começará em 2045, quando um único computador será mais inteligente que a humanidade inteira.

Uma máquina com tamanho poder seria tão fascinante quanto perigosa. Por um lado, ela seria capaz de coordenar e executar todas as atividades hoje atribuídas a nós, como escrever um grande romance ou unificar numa só teoria a física quântica (que rege o universo subatômico) e a relatividade (que dita as ordens no mundo das coisas grandes) – algo que Einstein morreu tentando fazer. Tudo isso em questão de segundos. Lindo. Por outro lado, qual é o nível de respeito que uma máquina assim teria pela gente? Estamos falando de um "sujeito" para quem um Einstein ou um Dostoievski são só cachorrinhos – e nós, formigas. A gente não dá muito valor à habilidade intelectual de uma formiga, certo? Isso dá a noção exata do tamanho do perigo. Estamos criando uma possível "forma de vida" ultrapoderosa que pode ou não compartilhar nossos valores éticos e morais.

Para discutir essas implicações foi que Ray Kurzweil criou o Singularity University. A entidade oferece cursos de pós-graduação focados em "montar, educar e inspirar um grupo de líderes". A esses líderes caberá "guiar o desenvolvimento" dessa superinteligência artificial que estaria por vir. A esperança por trás da iniciativa é que essas máquinas já nasçam "cultivando" valores como democracia, liberdade de expressão… Em suma, fazer com que elas, mesmo sendo vastamente mais poderosas que nós, tenham "bom senso" suficiente para não nos destruir. "As pessoas dizem: `Ei: isso não soa como uma estratégia infalível'", diz Kurzweil. "E não é mesmo. Mas é o melhor que podemos fazer."

Upload de consciências

Se você não pode vencê-los, junte-se a eles. Esse ditado vai fazer mais sentido do que nunca num mundo com máquinas bilhões de vezes mais inteligentes do que nós: juntar-se a elas pode ser o futuro da humanidade. "Um dia poderemos descarregar nossas lembranças num computador e preservá-las", diz outro especialista em sistemas inteligentes: o brasileiro Miguel Nicolelis, que trabalha no desenvolvimento de próteses capazes de conversar com cérebros humanos – e de funcionar como se fossem braços ou pernas normais. Esse "descarregamento", em tese, pode significar o upload da sua consciência para dentro de uma máquina. A mente continuaria viva após a morte do corpo. E acabaria deitada eternamente no berço esplêndido de um simulador de realidade… Não deixa de ser uma forma de alcançar a vida eterna.

Bom, provavelmente caberá à máquina decidir se você vai saber que vive numa simulação. Ela pode achar que é melhor você não saber de nada, e ir tocando a vida achando que tem um corpo, que respira, que vai morrer um dia… Se for assim, inclusive, a singularidade pode já ter acontecido. E nós estaríamos vivendo agora mesmo numa ilusão, numa "Matrix". Essa hipótese, ao menos filosoficamente, não tem como ser refutada, já que não dá para imaginar o que uma inteligência superior é realmente capaz de fazer. Ou de já ter feito.

Para saber mais
How to Create a Mind
Ray Kurzweil, Penguin, 2012.


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