18/04/2024 - Edição 540

Entrevista

Nosso caminho é o da socialdemocracia

Publicado em 22/07/2015 12:00 -

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Diante do desencanto e da descrença que toma parte do sentimento da população brasileira em relação aos rumos da política no país, das incertezas geradas pela crise econômica, com uma perspectiva de baixo crescimento para os próximos anos, e dos rumos das investigações da Operação Lava Jato, temos de nos fazer uma pergunta central, afirma o sociólogo Werneck Vianna: “Isso compromete a democracia brasileira?” A resposta é dada sem rodeios: “A meu ver, não. Esse é um processo amplo, duro, sofrido, em que a sociedade brasileira se democratiza”.

Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador na Pontifícia Universidade Católica – PUC-Rio. Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo é autor de, entre outras obras, de “A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil” (Rio de Janeiro: Revan, 1997); “A judicialização da política e das relações sociais no Brasil” (Rio de Janeiro: Revan, 1999); e “Democracia e os três poderes no Brasil” (Belo Horizonte: UFMG, 2002). Sobre seu pensamento, leia a obra “Uma sociologia indignada. Diálogos com Luiz Werneck Vianna”, organizada por Rubem Barboza Filho e Fernando Perlatto (Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2012).

 

O que está acontecendo na política brasileira? Como chegamos a este momento em que parece haver uma descrença com os rumos da política no país?

É o fim de um ciclo. Agora temos de começar outro. Na verdade já tarda o começo de um ciclo, porque estamos suspensos.

Onde pode iniciar esse novo ciclo?

Uma boa posição seria ter serenidade e esperar as coisas decantarem. Por exemplo, o impeachment está rondando a nossa vida desde o começo do segundo mandato da presidente Dilma. Ele poderá vir caso uma nova “testemunha bomba” se manifeste, ou não. O fato é que não pode ser fabricado, tem de ser um processo natural de maturação, porque a sociedade está com a respiração presa, na expectativa de como esse processo criminal irá continuar seu curso. Ele tem seus efeitos limitados ao que já se viu, ou ele pode escalar.

O senhor está se referindo às investigações da Operação Lava Jato, dadas as últimas acusações que mencionaram doações às campanhas da presidente Dilma e do ex-presidente Lula?

Isso.

Como avalia as investigações da Operação Lava Jato? Qual é o significado político da Operação?

É imenso, porque ela desnuda a maneira como se vinha fazendo política no país, com uma relação inteiramente incestuosa entre política e economia, com financiamentos de campanhas milionários extraídos de recursos estatais. Antes, com o mensalão, havia dinheiro do Banco do Brasil, agora, com o Petrolão, tem dinheiro da Petrobras.

Não se pode falar da Operação Lava Jato sem se falar do governo e dos partidos do governo, porque foram eles que abriram as torneiras para que os operadores dos partidos e das empresas pudessem trabalhar.

O debate sobre a Operação Lava Jato está bastante polarizado entre os que argumentam que se trata apenas de mais uma investigação sobre corrupção no país e os que fazem duras críticas ao envolvimento do PT nestes casos de corrupção. Como interpreta essas visões polarizadas?

Não se pode falar da Operação Lava Jato sem se falar do governo e dos partidos do governo, porque foram eles que abriram as torneiras para que os operadores dos partidos e das empresas pudessem trabalhar. A política brasileira vem correndo nesses trilhos malévolos há muito tempo e o fato é que isso chegou ao limite. Parecia que o limite tinha sido o mensalão, mas não foi. O Petrolão aponta um descalabro ainda mais significativo.

A política no Brasil tem que mudar, aliás, ela está mudando e não vai passar impune desse processo que a sociedade toda está acompanhando através da imprensa, das apurações cada vez mais profundas e severas a respeito do que é, de natureza criminal, a política brasileira. Há várias reações quanto a isso: a Lei da Ficha Limpa foi uma reação importante, mas ainda há muita coisa a ser investigada. Agora, isso compromete a democracia brasileira? Essa que é a questão. A meu ver, não. Esse é um processo amplo, duro, sofrido, em que a sociedade brasileira se democratiza, ou seja, democratiza a democracia brasileira.

Investigações a exemplo da Operação Lava Jato vão conseguir por fim à corrupção que existe no país? 

Fim, não, porque parece que a corrupção faz parte de uma das possibilidades presentes na natureza humana. Não se trata de erradicá-la para sempre, porque o mal existe, vai continuar aí, mas não pode comandar a nossa vida; tem de se encontrar um limite para ele. A sociedade, através das suas instituições, está impondo esses limites. A vida republicana brasileira está funcionando, aliás, como poucas vezes funcionou, através do Poder Judiciário, da Polícia Federal, dos Tribunais de Conta da União. Várias instituições republicanas estão exercendo os seus papéis. A novidade é essa: elas deixaram de ser nominais, não figuram apenas no papel, estão encontrando formas de existência. O Ministério Público que aí está, é uma grande novidade republicana.

A corrupção faz parte de uma das possibilidades presentes na natureza humana. Não se trata de erradicá-la para sempre, porque o mal existe, vai continuar aí, mas não pode comandar a nossa vida. Tem de se encontrar um limite para ele.

A que atribui o fato de a vida republicana estar funcionando melhor em meio ao caos político?

O bom funcionamento das instituições republicanas é uma condição indispensável para que a vida democrática encontre formas vivazes de manifestações, que ela não se deixe dominar por práticas de oligarquias, como vem ocorrendo entre nós. Não é que estejamos refazendo a história do Brasil — não vamos ter diante de nós uma página branca, um momento novo, inaugural. Nós estamos tentando aperfeiçoar aquilo que dissemos que deveria ser na Carta de 88, uma vontade política expressa livremente pela sociedade na Constituinte de 1986, a qual levou à criação da Carta de 88, que hoje está exercendo uma nova jurisdição sobre a sociedade e a política. Então, isso está ocorrendo sem traumas até agora. A Justiça ainda opera, a sociedade está sobressaltada, desconfiada, mas não está descrente do papel exercido pelas instituições.

A expectativa é que possamos sair disso numa situação melhor do que antes, embora no curto prazo, olhando a política na sua vida imediata, estejamos diante de uma situação de imprevisibilidade: haverá impeachment? Essa é uma questão. O impeachment tem um objetivo desejável? Não creio. Mas pode ser que ocorram condições que façam com que ele seja imperativo. Até agora isso não aconteceu.

Tem de se calcular muito, porque um impeachment movido por ressentimento não leva a nada. No dia seguinte, vai ser o que do país? O que precisamos é seguir avante num processo de aperfeiçoamento das instituições. Não há nada de espetacular à vista e o impeachment não resolve a crise do país. 

O senhor sempre foi um crítico do presidencialismo de coalizão. A crise dos partidos é consequência desse modelo de presidencialismo?

A hora final desse modelo está chegando. Esse modelo está sendo abandonado, porque foi uma experiência extremamente negativa, porque gerou o enfraquecimento dos partidos, uma passividade da sociedade. O presidencialismo que conhecemos significou uma supremacia sem freios do Executivo sobre o Legislativo e do Executivo sobre toda a sociedade. O Executivo tem um poder decisionista imenso. O recurso institucional das medidas provisórias faz com que a força do Executivo seja muito intensa. E com um Legislativo incapaz de se contrapor ao Executivo e de fiscalizá-lo, abriu-se uma porteira para esse tipo de política que vai corroendo os demais.

O que seria uma alternativa a esse modelo? Como avalia as propostas de um regime parlamentarista?

Essa é uma questão difícil. O parlamentarismo pode ser, sim, uma solução, mas adaptada às nossas circunstâncias. Um parlamentarismo à la francesa, talvez, com um Executivo forte, com um presidente forte, e compartilhando o exercício do poder com o primeiro-ministro. É possível se pensar numa situação dessas. Aliás, há analistas que sugerem que já estaríamos vivendo esse modelo com o vice-presidente, Michel Temer, exercendo essas funções de primeiro-ministro. O que não me parece uma análise despropositada, não, mas o caso é que ela é casuística, e não é uma solução permanente, mas poderá se tornar, sim, uma situação permanente. O parlamentarismo está aí, à disposição da sociedade para ser usado em caso de necessidade. Agora, chegaremos a isso? Pode ser.

A hora final do presidencialismo de coalizão está chegando. Esse modelo está sendo abandonado, porque foi uma experiência extremamente negativa, porque gerou o enfraquecimento dos partidos, uma passividade da sociedade.

O senhor vê mais vantagens na implantação do parlamentarismo neste momento?

Isso é muito difícil de responder. Essas mudanças não são feitas “a frio”, elas têm de ser feitas como resposta às crises. A crise chegou a um ponto tal que a solução do parlamentarismo sob uma modelagem própria a nós, nova, já se impõe? Parece que ainda não, mas isso poderá ocorrer, sim. Mas só será uma medida bem-sucedida se for tomada “a quente”. Os países não fazem reformas políticas “a frio”, em laboratório, tem de ser no calor dos acontecimentos, tentando encontrar melhores caminhos a fim de se criarem condições políticas saudáveis para a sociedade, e isso não é feito numa planilha. 

Entre as propostas da reforma política existentes, alguma lhe parece adequada?

A reforma política ainda não chegou ao seu termo. Há uma possibilidade ainda de que ela avance para estabelecer limites a essa proliferação de partidos que não são funcionais ao bom desempenho da democracia política. Não que os partidos devam ser interditados, ao contrário, deve haver liberdade de organização partidária, mas para que essa liberdade seja frutuosa, ela não pode se converter numa espécie de cartório do partido, de se dar acesso a recursos públicos a eles. Devemos dar recursos públicos aos partidos que antes demonstraram presença na vida social através do voto. Partidos sem expressão eleitoral podem investir, certamente, mas não devem ter acesso a recursos públicos.

Outro ponto são essas coalizões nas eleições proporcionais inteiramente sem sentido que ocorrem na nossa política. Se eliminarmos a possibilidade de coalizão nas eleições proporcionais, seria possível reduzir o número desses partidos, porque muitas das legendas só vivem de se coligarem com partidos fortes, os quais lhe passam recursos para continuarem sobrevivendo. O melhor projeto de reforma política seria o de limpar a proliferação dos partidos e pôr fim às coalizões nas eleições proporcionais. Isso já estaria muito bom. Pode ser que isso ainda venha a passar, e me mantenho esperançoso de que algo nessa direção passe no Congresso.

O PT ainda tem condições de oferecer alguma proposta e de se rearticular?

Sim, porque os partidos custam a morrer. Veja, o partido comunista russo ainda existe. Os partidos custam a morrer, especialmente quando têm atrás de si uma história aqui ou ali bem-sucedida. Agora, o PT não vai ter, pelo menos por hora, o peso que teve antes.

Qual é o significado das críticas de Lula ao PT?

São declarações complicadas, porque é um partido em que um só fala. O problema do PT é o monopólio da fala. Como se vê nos quadros do PT, não apareceram mais lideranças novas, embora as jornadas de junho de 2013 tenham mexido com a juventude de uma maneira muito intensa. Mas, daqueles jovens, quais foram filtrados para o mundo da política? E no PT? Quase nenhum.

A continuidade da inclusão social no país não depende da continuidade do PT no Governo. Inclusive essa coisa da política social começou com um prefeito de Campinas, do PSDB, que morreu moço.

Nesses 13 anos em que o PT esteve à frente da presidência, houve espaço para surgir uma nova liderança política no partido?

Acho que tem havido obstáculos para isso. Os petistas vivem, como cartórios, com seus dirigentes. São muitos recursos envolvidos, os recursos das legendas, dos fundos públicos. São como os sindicatos também, que, tendo ou não o apoio dos seus associados, têm o dinheiro da contribuição sindical. Esse é um dos elementos da oligarquização dos partidos políticos brasileiros, que não se rejuvenescem e que têm lideranças que se reproduzem, com terceiro mandato, quarto mandato. Cada política é uma ilha, com seu escritório, com seus serviços sociais. Só se mexe com isso quando a sociedade emerge. Essas mudanças ocorrem a partir dessa movimentação social vigorosa, como vem ocorrendo na Espanha, com o Podemos, que está crescendo. Sem essa vida que vem da sociedade, os partidos se oligarquizam.  

No início do segundo governo Dilma, houve uma série de críticas às políticas sociais dos governos Lula e Dilma, porque elas teriam sido elaboradas para beneficiar mais os bancos do que a população. Agora, com a crise do PT se intensificando, muitos críticos, ao contrário, veem no PT a única possibilidade para dar continuidade às políticas sociais no país. Essas posições são justificadas?

Os indicadores não são tão favoráveis às políticas sociais, basta olhar a questão da saúde e da educação. O que houve de fato foi uma melhoria e um enfrentamento do tema da miséria, com o Programa Bolsa Família, que realmente deu uma melhorada na condição de vida dos mais vulneráveis da nossa sociedade. Agora, o ponto é que essas pessoas continuam vulneráveis como sempre e não têm como sair de uma situação de vulnerabilidade. Sem educação, sem empregos qualificados, aos quais só a educação dá acesso, não há como as pessoas saírem dessa situação.

Alguns argumentam que se o PT perdesse representatividade política hoje, as políticas sociais estariam ameaçadas, porque outros partidos não teriam preocupações com políticas sociais. Concorda que a continuidade da inclusão social no país depende da renovação e da continuidade do PT? 

Não acredito, inclusive essa coisa da política social começou, em suas origens, com um prefeito de Campinas, do PSDB, que morreu moço; foi ele quem inventou esses programas de bolsas assistenciais. Teve um movimento também com quadros do PT, como os desenvolvidos pelo Betinho (Herbert José de Souza), que trouxe o tema dos vulneráveis para uma evidência maior. A professora Ruth Cardoso, que foi casada com o ex-presidente Fernando Henrique, também foi uma entusiasta dessa questão. Então, política pública no Brasil é algo difundido, não tem um pai certo, é uma possibilidade difusa e várias gerações participaram desse movimento de elaboração de políticas públicas. 

Eu vislumbro aprofundamento e consolidação da democracia brasileira. Vislumbro possibilidades novas da emergência das novas gerações, movimentos sociais de novo tipo. Sou otimista e não jogo contra. Torço a favor.

Qual é a herança de Lula no governo Dilma?

Sem dúvida há uma herança e a presença do PT no governo Dilma é muito forte. O fato é que as oposições brasileiras dão muito espaço para o PT falar sozinho. Mesmo nessa situação de horror que os integrantes do partido estão vivendo com o caso do Petrolão, você abre os jornais e as posições das notícias mais relevantes são das manifestações das lideranças petistas, especialmente de Lula, que nem faz parte do governo. Então, isso quer dizer que, do ponto de vista das oposições, não se tem feito presente uma manifestação forte, e as oposições também estão inseguras acerca de que caminho seguir. Agora, de um modo ou de outro, o que se pode dizer, e isso eu digo, é que o nosso caminho é o da socialdemocracia, com uma inclinação mais à direita ou mais à esquerda, é por aí que gravita e vai gravitar, até onde a nossa vista alcançar, a política brasileira.

O senhor está sugerindo que a socialdemocracia é a melhor alternativa para o Brasil?

Não tem jeito, ela já faz parte da nossa história e não vamos conseguir eliminá-la. 

E como o senhor vê, apesar disso, as frentes de articulação de esquerda que estão sendo propostas, como a que vem sendo proposta pelo ex-presidente Lula, por exemplo? O que elas poderiam oferecer de novo à política em relação ao PT?

Elas podem ter um papel, sim, mas não creio que seja um papel dominante. Tudo isso me leva a desconfiar e a descrer da Frente de Esquerda que o Lula está propondo, porque se for para fugir das balizas da socialdemocracia, isso não vai ter futuro nenhum.

Algum dos partidos que existem hoje pode oferecer alguma proposta para o Brasil?

Sozinho não, nenhum deles.

Quais são os cenários e possibilidades que vislumbra para a política brasileira?

Eu vislumbro aprofundamento e consolidação da democracia brasileira. Vislumbro possibilidades novas da emergência das novas gerações, movimentos sociais de novo tipo. Sou otimista e não jogo contra. Torço a favor.


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