28/03/2024 - Edição 540

True Colors

Salgou a Santa Ceia, mas adoçou nossas noites

Publicado em 10/01/2014 12:00 - Guilherme Cavalcante

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Amor à Vida, a grande pedida de Walcyr Carrasco no horário das nove, está na boca do povo. Não exatamente pela qualidade de sua narrativa, mas pelo frisson que alguns núcleos tem provocado em seus espectadores. Nas últimas semanas, no entanto, todas as atenções se voltaram para Felix, o an(pro)tagonista gay – que já foi enrustido e que graciosamente saiu do armário.

Atualmente, Felix ensaia gradativamente se tornar um ex-vilão. A cada capítulo, o personagem promove sua redenção, o que tem lhe dado cada vez mais espaço em Amor à Vida. Mas nem precisava: a “bicha má” já estava no gosto do brasileiro desde o início da trama, tanto por suas expressões hilárias como pela primorosa interpretação de Mateus Solano.

Sua transformação de vilão para herói é que parece inusitada. De maquiavélico, Felix se tornará mais humano, talvez herói, e até deverá ter seu happy ending. Entre idas e vindas, Felix deverá selar um “sim” com o chef Niko (Thiago Fragoso), o outro gay da novela, que amargou maus bocados com o romance sem sal entre o ex-companheiro bissexual Eron e a ex-melhor amiga, Amarylis (conhecida pelo público como a “destruidora de lares”).

Mas disso tudo você já sabe. Sobre Amor a Vida, o que realmente vale a pena abordar é como é bom e satisfatório ver um personagem da comunidade LGBT cair na preferência da audiência, a ponto de sustentar os rumos da novela. O que isso pode trazer de positivo? Bem, imagine você as consequências de quando o Brasil inteiro torce para um personagem ser feliz…

O que isso pode trazer de positivo? Bem, imagine você as consequências de quando o Brasil inteiro torce para um personagem ser feliz…

Há quem diga que não, mas eu defendo veementemente que as telenovelas são um dos principais canais que promovem mudanças na sociedade, sejam elas avanços ou retrocessos. E é por isso que precisamos ficar de olho em Amor a Vida e, sobretudo, no Felix.

O que já ficou claro – e que foi muito oportuno – é que o comportamento de “bicha má” em Felix se explica por conta da falta de apoio da família. Seu pai, César (Antônio Fagundes), é amoroso somente com a filha Paloma (Paolla Oliveira). Até providenciou para o filho casamento com uma ex-amante, por conta do medo do filho “tornar-se gay”. Em resumo: César, que atualmente  está preso nas garras da vilã Aline, foi a reação química necessária que provocou rancor e maldade no personagem de Solano.

Já a matriarca, Pilar (Suzana Vieira) é quem lhe guia para o caminho da retidão e que simboliza a importância do apoio familiar para os LGBT. Mesmo depois de descobertas as maldades de Felix, Pilar resolve intervir no futuro do filho e lhe pede reflexão sobre os próprios atos. A partir daí, Felix começa a admitir e a compreender os próprios erros e a responsabilizar-se sobre eles.

Essa redenção de Felix é da maior importância, pois mostra ao espectador que há bondade e maldade dentro de cada um de nós. O recurso também serve para se traçarem paralelos entre a realidade e ficção, o que pode ajudar a reverter a atual demonização da comunidade LGBT.

Uma das grandes frases de Felix, e que arranca gargalhadas dos brasileiros, é “Eu salguei a Santa Ceia”, dita sempre que algo de ruim lhe acontecia. Pode até ser verdade, mas ele também adoçou nossas noites. Torcemos para que ele  tenha, sim, seu final feliz, e que este personagem abra espaço para um número maior de minorias na literatura televisionada (como eu carinhosamente chamo as novelas). E que através dele o Brasil possa ver, na TV Globo, o tão polêmico e vilipendiado beijo gay. E que a partir daí os beijos voltem a ser aquilo que são: apenas beijos.

Reestreia

A True Colors, que nasceu na Revista Semana Online, acompanhou a evolução da publicação. É com muita satisfação e orgulho que continuo tocando este espaço com o compromisso de promover a visibilidade da comunidade LGBT na mídia sul-mato-grossense. As mudanças que você vai perceber estão basicamente no formato, mas a linguagem continuará a mesma: pessoal, informal e direta. E, claro, vale lembrar que a True Colors sempre contará com seus comentários e com a sua participação. Quer falar comigo? E-mail para [email protected]! Feliz 2014!!

BAAAM!

Thomas Hitzlsperger, o ex-jogador de futebol que recentemente saiu do armário, colocou a Fifa em situação delicada. Em decorrência do outing inesperado, a gigante do futebol mundial divulgou um comunicado em apoio a atletas que resolvam assumir a homossexualidade publicamente.

“A Fifa e o seu presidente [Joseph Blatter] apoiam a decisão de Thomas Hitzlsperger de anunciar sua orientação sexual. Infelizmente, ainda existe preconceito dentro do futebol. Durante muitos anos, a Fifa tomou medidas contra qualquer forma de discriminação, inclusive contra orientação sexual, e está trabalhando duro para acabar com isso e espera que o depoimento de Thomas aumente o respeito”, descreve o texto.

Se as palavras da Fifa são ou não sinceras, o que importa é que abriu-se aí um bom precedente para os atletas repensarem o rumo de suas vidas. Afinal, o clima fora do armário é bem mais fresco e arejado. #fikadica

Brasil contra LGBTfobia

Uma enquete babado, promovida pelo Ibope e encomendada pela revista Época, revelou que a maioria  dos brasileiros (55%) é a favor da discussão sobre homossexualidade durante aulas de educação sexual em escolas. A pesquisa ouviu 2.002 pessoas, em 141 municípios, entre os dias 5 e 9 de dezembro de 2013.

Outro dado chocante é que cerca de 60% dos entrevistados entendem que é LGBTfobia quando um líder religioso prega contra a comunidade LGBT. Na mesma pesquisa, 49% disse acredita que ser gay não vai de encontro às religiões. Tá, meu bem?

Leia outros artigos da coluna: True Colors

Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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