19/04/2024 - Edição 540

Especial

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Publicado em 09/07/2015 12:00 -

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Nativos digitais, geração Z, milenials, globalists. Esta é a geração nascida a partir do ano 2000. Dos mais complexos artigos acadêmicos a confusos textos em sites e blogs, todos estão tentando entender quem são as crianças e os adolescentes que incorporam com facilidade tecnologias que um senhor de 20 e tantos anos teria dificuldade de absorver. Uma das corajosas que se aventuram nesse mundo é a analista de tendências Carolina Althaller. “Eles enxergam a tecnologia e as redes como um meio. Usam o online como ferramenta para se manter conectados, não como um fim”, explica.

Segundo a União Internacional de Telecomunicações (ITU), agência das Nações Unidas especializada em tecnologias da comunicação e informação, o número de nativos digitais já representa 30% da população jovem mundial ou 5,2% da população mundial de 7 bilhões de habitantes. São 363 milhões de jovens com acesso à internet há pelo menos cinco anos, dos quais 20,1 milhões no Brasil.

Dois terços dos nativos digitais estão nos países em desenvolvimento. A China lidera com 75,2 milhões de nativos digitais. Em seguida vem os EUA, com 41,3 milhões. E a Índia, com 22,7 milhões. O Japão é o quinto país em número de nativos digitais: 12,2 milhões.

Nos países desenvolvidos os nativos digitais representam 86,3% dos 145 milhões de usuários de internet. Já nos países em desenvolvimento eles representam a metade dos 503 milhões de usuários de internet. Nos próximos cinco anos, a população de nativos digitais nos países emergentes deverá dobrar.

Mais que tecnologia

Mais do que com tecnologia, nativos digitais têm uma relação inédita com a informação. Dominando a internet, a geração anterior, chamada de Y, abriu caminho para que, além de consumidores, todos fossem produtores de conteúdo. E em grande volume.

De acordo com estudo da consultoria norte-americana Qmee, a cada minuto são geradas, em média, 72 horas de vídeo no YouTube, 41 mil posts no Facebook e 3,6 mil fotos no Instagram.

Essa é a quantidade de informação que deixou a geração Y com problemas de ansiedade crônica, mas que os nativos digitais parecem ser os primeiros a conseguir filtrar e processar. “É uma juventude que tem uma vida digital, mas com o bom senso de buscar experiências fora do mundo virtual”, avalia Bruna Paulin, pesquisadora de comportamento. “O mundo digital e o real se misturam, acaba sendo uma coisa só”.

Embora nem sempre seja fácil para os mais velhos entender o que os nativos digitais têm a dizer, é importante compreender que se trata de uma geração pronta para contribuir com o mundo hiperconectado. A internet e a infinidade de gadgets que os cercam fizeram com que eles desenvolvessem uma forma de pensamento não linear. Eles são e sabem várias coisas ao mesmo tempo, sem medo de expressar suas diferenças e formas de pensar e sem a necessidade de se encaixar em um grupo específico.

Para o doutor em comunicação Dado Schneider, é preciso abraçar as características da gurizada que irá definir como a humanidade se relaciona e consome. “Eles estão operando em um novo cenário, mas os pais ainda exigem comportamentos antigos. Isso é absurdo. Não há nada de errado em ser como eles são”, reforça.

Percebendo o mundo

“Se você tem mais de 20 anos, provavelmente consegue se lembrar de como era o mundo antes da internet e também perceber quando está ou não conectado. Mas isso nem sempre é assim. Para a geração das pessoas nascidas nas últimas duas décadas, que sempre estiveram em um mundo on-line, o conceito de desconectado praticamente não existe”, afirma o advogado Ronaldo Lemos, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio, especialista em cultura digital.

Quem nasceu conectado quase não percebe a internet. Ela não é algo em que é possível se conectar ou não. É uma infraestrutura da vida moderna, tal como a eletricidade ou água encanada, afirma Lemos.

“Ninguém pensa muito hoje sobre a eletricidade, exceto quando ela não está disponível. Com a internet será o mesmo. O que vai vir à tona são serviços construídos a partir dela. Isso traz problemas. Será mais difícil visualizar a internet como uma rede aberta e infinitamente flexível. A maioria das pessoas vai se contentar com alguns poucos serviços. Mas ainda há espaço para a vida analógica. A desconexão verdadeira vai ser cada vez mais um luxo”, projeta.

Especialistas destacam que quando esta geração começar a esbarrar em leis obsoletas, impostas por indústrias e governos, elas se tornarão ineficientes e incompreensíveis. Para eles, não ter acesso músicas e filmes no Youtube ou em algum servidor em nuvem como o Groove Shark representa um grande atraso cultural e social.

Lawrence Lessig, advogado americano que criou as licenças Creative Commons, destaca: “a alfabetização digital das crianças simboliza o abolicionismo dos direitos autorais”. Para ele essa é uma geração que “rejeita a noção básica de direito autoral e acredita que a lei não é nada mais do que uma chatice a ser ignorada e confrontada em qualquer oportunidade. Nós temos de reconhecer que eles são diferentes de nós. Nós fazíamos fitinhas; eles fazem remix. Nós assistíamos à TV; eles fazem TV”.

Geração conectada

Pesquisa Datafolha divulgada na última quinta-feira (9) confirma a preferência explícita dos nativos digitais pelo celular. O levantamento, feito em junho em 175 municípios, ouviu 2.437 pessoas, destes 1.036 jovens de 16 a 24 anos, além de 1.072 adultos com 25 anos ou mais e 329 adolescentes de 12 a 15 anos.

Dos brasileiros que têm entre 16 e 24 anos, 78% têm o próprio smartphone ou moram em uma casa com um desses aparelhos – ante apenas 52% daqueles com 25 anos ou mais.

Nenhum dos outros aparelhos pesquisados – computador de mesa, notebook, tablet, smart TV e videogame – alcança esse percentual, e nenhum deles ultrapassa 50%. E há jovens que nem sentem falta do resto desses produtos, desde que tenham seu companheiro smartphone.

Que o aparelho não desgruda da mão não parece novidade, mas o Datafolha mostra que o uso do smartphone é mais intenso entre os nativos digitais. A maioria dos jovens usa a internet pelo celular inteligente: 56% ficam conectados por quatro horas ou mais – entre os mais velhos, o índice cai para 24%. Em média, pessoas de 16 a 24 anos ficam on-line pelo smartphone por nove horas diárias, contra seis horas do outro grupo.

Para Ronaldo Lemos, esta tendência de vai se aprofundar com os smartwatches (relógios inteligentes) e tecnologias vestíveis. “Todas as atividades humanas estarão permeadas pela mídia. Mudam os relacionamentos pessoais, a política, a economia da informação, a educação e assim por diante”, afirma.

O que fazem?

Mas para que usar tanto a internet no celular? As atividades realizadas no smartphone mais citadas pelos jovens são ouvir música, publicar fotos (selfies?) em diferentes redes sociais, compartilhar notícias e ver vídeos no YouTube.

O smartphone também é o aparelho mais citado pelos jovens como o preferido para acessar notícias, enquanto os brasileiros que têm 25 anos ou mais se dividem entre os que preferem ler no celular e os que preferem acessar no computador.

A música baixada da rede (legal ou ilegalmente) e salva no celular está dando lugar aos serviços de streaming, mais acessíveis no Brasil.

Por onde navegam?

A TV aberta, apesar de ainda ser o principal meio usado pela população para se informar no Brasil, perde espaço para as redes sociais entre os grupos mais jovens.

A pesquisa Datafolha mostrou que a TV aberta é a principal fonte de informação para 50% dos adultos com 25 anos ou mais. Entre os jovens de 16 a 24 anos, esse índice cai para 34%.

Enquanto isso, as redes sociais apresentam movimento inverso entre os três grupos. Entre adolescentes de 12 a 15 anos, 32% se informam principalmente por sites como o Facebook. O número cai um pouco entre jovens de 16 a 24 anos (27%) e despenca entre adultos a 7%.

O hábito de se informar pelas redes sociais pode indicar uma evolução do costume de obter informações na internet acessando sites de notícias, blogs e outras páginas de forma "avulsa". Isso porque boa parte do que é compartilhado entre amigos nas redes sociais e em grupos de mensagens tem origem em outros canais da web.

Em 2014, outro levantamento constatou que 61% do conteúdo compartilhado em redes sociais tinha origem na mídia profissional – jornais, portais, TVs, rádios, sites de notícias locais ou imprensa internacional.

Mercado de trabalho

Eles não conheceram o mundo sem internet, não diferenciam a vida online da off-line e querem tudo para agora. São críticos, dinâmicos, exigentes, sabem o que querem, autoditadas, não gostam das hierarquias nem de horários poucos flexíveis. A chegada dessa nova geração ao meio organizacional já causa certos impactos por conta das características peculiares desse jovens e vai exigir que empresas se adaptem e apliquem novas práticas para atrair e reter esses profissionais.

"Eles enxergam o mundo diferente. Sua relação com o tempo é outra, é online, a maneira como lidam com hierarquias e a autoridade, enfim, tudo é diferente para a geração deste milênio e as organizações devem se inspirar nela", afirma Dado Schneider.

Hoje, na opinião do especialista, os jovens não se submetem à condições de trabalho que não os satisfaçam. "Mas não os considero arrogantes, eles apenas sabem o que querem. Diferentemente da Geração X (nascidos entre o fim de 1960 e 1980), que aceita as normas de trabalho, e da Geração Y (nascidos entre 1980 e 1995), que finge que aceita, eles são questionadores e possuem bons argumentos. A verdade é que eles são bastante maduros, assertivos e vão ser os chefes da geração Y em poucos anos", prevê.

Pesquisas mostram que os nativos digitais são menos motivados por dinheiro que a Geração Y e têm mais ambições empreendedoras. A pró-atividade com relação aos meios digitais também levam muitos a desejarem ter sua própria start-up. "Eles não nasceram para serem empregados e sim para empreender e empregar. O trabalho para eles precisa ser uma extensão da casa. Essa geração vai nos ensinar a ter prazer com o trabalho", explica Schneider.

Além da veia empreendedora, não é novidade que o costume de se dedicar quase toda a carreira a uma só empresa veio mudando ao longo das últimas gerações. Porém, foi com a Geração Z que essa tendência se consolidou. "Até mesmo as empresas já estão aceitando melhor os currículos dos profissionais que ficam menos tempo em um lugar, com passagens rápidas por elas. Isso antigamente não era bem visto pelas consultorias que contratam", explica Diogo Forghieri, gerente regional da Randstad Professionals, especializada em recrutamento e seleção de profissionais.

Diferentemente da Geração Y, os nativos digitais não têm em mente o conceito "work hard, play hard". O jargão sempre foi usado pelos jovens que se esforçavam muito no trabalho para ganhar bem e ter tudo que desejavam. De acordo com a coach Marie-Josette Brauer, os Y gastam com audácia e poucos limites enquanto que grande parte dos Z prefere economizar. "A geração anterior cresceu em um momento de economia forte e a atual cresceu com o terrorismo, complexidade e volatilidade", explica.

Flexibilidade profissional

Segundo o Datafolha, o objetivo mais comum dos nativos digitais não é ficar rico nem mesmo ser feliz. É alcançar a profissão dos sonhos. Os nascidos neste milênio não querem abrir mão do seu tempo livre. Não consideram que trabalhar muito e ficar no escritório horas depois do fim do expediente seja gratificante. Além disso, eles preferem trabalhar de casa. Oito em cada dez brasileiros da Geração Z exigem condições de trabalho mais flexíveis que as gerações anteriores, aponta uma pesquisa da Randstad.

Faltar o trabalho depois de uma festa pode parecer inaceitável aos olhos das novas gerações, mas as empresas que compreenderem as peculiaridades deste novo grupo profissional e estiverem dispostas a se adaptarem a essa geração sairão na frente. "O comportamento tanto dos jovens quanto das organizações está em constante mudança e evolução. As empresas precisam estar atentas e ter flexibilidade para alinhar suas práticas e programas para estarem sempre atualizadas, colaborando na retenção e desenvolvimento de futuros talentos", afirma a gerente de aquisição de talentos da AkzoNobel, Elaine Miranda.

A coach Marie-Josette Brauer, do Innovation Coaching Center, ressalta, entretanto, que é importante que as companhias se perguntem se realmente estão prontas para a Geração Z. "Esses jovens podem dar muita dor de cabeça, e muito grave, se a empresa não atender às suas necessidades, tanto como clientes quanto como funcionários", afirma.

No campo da carreira, o mercado observa que há uma tendência a que sejam futuros profissionais com abordagem mais generalista, de acordo com Diogo Forghieri, gerente regional da Randstad Professionals. Por isso, há uma preocupação por ausência de especialistas em algumas áreas. "Isso acontece por causa do amplo acesso que a Geração Z tem às informações, por meio da internet, utilizando ferramentas como smartphones, tablets etc. Eles recebem muita informação, mas não se aprofundam em nada", afirma.


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