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Artigo da Semana

Brasil e Venezuela mantêm a amizade, por enquanto

Publicado em 09/07/2015 12:00 -

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Quando uma delegação de senadores brasileiros chegou à Venezuela recentemente para visitar Leopoldo López e Antonio Ledezma, dois líderes venezuelanos detidos como prisioneiros políticos, tiveram problemas imediatos.

Na saída do aeroporto, os próprios senadores foram detidos e o micro-ônibus em que estavam foi barrado e atacado violentamente por uma multidão aos gritos de "Chávez não morreu, ele se multiplicou!". As forças de segurança presentes no aeroporto deixaram o ataque continuar, apesar de os senadores serem visitantes estrangeiros de alto nível.

Um oficial da guarda nacional venezuelana revelou que a multidão não foi uma turba espontânea. Segundo ele, o governo nacional recrutou partidários para atacar os senadores brasileiros e impedir que visitassem os prisioneiros. Forçados a voltar ao aeroporto, os senadores tiveram que embarcar de volta ao Brasil no mesmo dia, sem poder visitar os presos políticos.

A última vez em que o veículo de um político estrangeiro foi cercado por manifestantes irados em Caracas foi em 1958. O carro do vice-presidente norte-americano Richard Nixon foi atacado devido ao apoio dado pelos EUA à ditadura militar de Marcos Pérez Jiménez, que acabava de ser deposto. O então presidente Dwight D. Eisenhower respondeu enviando tropas ao Caribe.

No entanto, apesar de a delegação brasileira ter sido atacada, a presidente brasileira ainda não condenou o incidente publicamente – e os senadores disseram que a embaixada do Brasil em Caracas não lhes prestou a assistência necessária. Esses fatos revelam a dependência mútua entre Caracas e Brasília.

Embora os EUA ainda seja o maior parceiro comercial da Venezuela, graças ao petróleo (responsável por 95% da receita venezuelana de exportações), o Brasil formou um superávit comercial de US$6 bilhões com a Venezuela.

O Brasil tornou-se fornecedor crucial de alimentos e medicamentos à Venezuela e a escassez cada vez mais grave de produtos básicos torna esse país ainda mais dependente das importações brasileiras.

A liberalização comercial não é a única explicação da proximidade entre os dois governos. Antes mesmo da entrada da Venezuela no Mercosul, Hugo Chávez mantinha uma relação estreita com o então presidente Lula, e os partidos dos dois líderes se mantêm no poder há mais de uma década.

A situação na Venezuela também tem implicações internas para Dilma. Quando Chávez chegou ao poder, em 1999, seu governo inaugurou uma nova onda de governos de esquerda na América Latina, incluindo o Brasil, em 2003.

Mas o sonho esquerdista brasileiro está se esgotando. A popularidade de Dilma caiu para o nível mais baixo já registrado diante da insatisfação ampla com o desaquecimento da economia brasileira e o enorme escândalo de corrupção na Petrobrás –da qual Dilma foi presidente. Enfrentando chamados por seu impeachment, Dilma pode relutar em desagradar à sua base de esquerda.

Apesar de a delegação brasileira ter sido atacada, a presidente brasileira ainda não condenou o incidente publicamente – e os senadores disseram que a embaixada do Brasil em Caracas não lhes prestou a assistência necessária.

Seria de se esperar que Dilma se posicionasse em favor de presos políticos como Leopoldo López, considerando que ela própria foi presa e torturada pela ditadura militar brasileira nos anos 1970. Em vez disso, seu silêncio sugere que ela prioriza a solidariedade com causas políticas de esquerda, em detrimento da situação dos presos políticos.

Do mesmo modo como seus índices de aprovação foram prejudicados pelo mal-estar econômico do Brasil, o colapso econômico da Venezuela vem dizimando a popularidade de Maduro, que está na casa dos 20%. Com as prateleiras dos supermercados vazias e a violência em alta, o partido político de Chávez, antes popular, vem se rachando em facções.

A visita dos senadores brasileiros ofereceu ao governo de Maduro uma carta nacionalista bem-vinda com a qual jogar. Como fazia Hugo Chávez, Maduro caracteriza as críticas internacionais e internas dos abusos dos direitos humanos na Venezuela como golpismo e intervencionismo. Da mesma maneira, seu governo fez pouco caso de uma declaração de preocupação feita por 25 líderes estrangeiros antes da Cúpula das Américas, em abril de 2015.

Depois do ataque, os senadores brasileiros pediram que seu governo exclua a Venezuela do Mercosul, conforme o previsto na cláusula democrática do pacto comercial. A Venezuela rejeita a supervisão de mecanismos internacionais fundamentais, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos, descrevendo-os como cartéis dominados pelos Estados Unidos. Mas o Mercosul é um adversário inteiramente diferente: todos seus membros são sul-americanos.

Cinco semanas antes da visita dos senadores brasileiros que não se concretizou, López entrou em greve de fome. Uma de suas reivindicações é que o governo de Maduro defina uma data para as eleições parlamentares de 2015, coisa que Caracas vinha se negando a fazer.

Em 22 de junho as autoridades venezuelanas finalmente anunciaram que a próxima eleição terá lugar em 6 de dezembro. Mas o governo rejeitou a reivindicação da oposição de que a eleição seja monitorada pela OEA (Organização dos Estados Americanos) e União Europeia e disse que só vai permitir o monitoramento pela Unasul, organismo regional pensado por Hugo Chávez que inclui o Brasil.

O período que antecede a eleição parlamentar venezuelana não será tranquilo para Maduro ou Dilma. O Brasil busca há muito tempo um papel de mais destaque no palco mundial, incluindo uma vaga no Conselho de Segurança da ONU, mas ainda não está claro se vai agir como o líder global que quer ser e fazer o que é preciso para restaurar a democracia e os direitos humanos na Venezuela.

Dilma já deixou clara sua posição moral: em 2010, declarou que "pelo fato de ter vivido pessoalmente a situação de presa política, tenho um compromisso histórico com todos os que foram ou são presos apenas por terem expressado seus pontos de vista, sua opinião pública, suas próprias opiniões".

Para honrar essas palavras, ela precisa exortar publicamente a Venezuela a libertar López e Ledezma e definir um caminho político que não vincule seu país ao Estado mais volátil da América Latina.

Marco Aponte-Moreno – Professor de liderança no University College London.
Lance Lattig Professor direitos humanos no University College London .

Tradução de Clara Allain


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