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Chacina em igreja dos EUA desafia tabu sobre arma, diz reverendo

Publicado em 19/06/2015 12:00 -

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A chacina em uma igreja da comunidade negra em Charleston pode ter força para "derrotar dois tabus" em um dos Estados mais conservadores do país.

Um atirador matou nove pessoas na noite de quarta-feira (17), em uma histórica igreja da comunidade negra em Charleston, na Carolina do Sul (EUA). O suspeito, identificado como Dylann Storm Roof, de 21 anos, foi preso após uma intensa busca da polícia. Para o chefe da polícia de Charleston, Gregory Mullen, o ataque foi "um crime de ódio", em referência a um crime racial.

Para o deputado que preside a "bancada negra" na Assembleia Legislativa da Carolina do Sul, o reverendo Carl L. Anderson, 53, leis que aprovem controle da venda de armas e maiores penas a "crimes de ódio" podem ser aprovadas na Assembleia Legislativa.

Anderson lidera a bancada de 39 deputados e senadores (do total de 170 parlamentares da casa), e era amigo do reverendo Clementa Pinckney, 43, assassinado na chacina da igreja Emanuel, em Charleston, na quarta (17).

"A comunidade negra deste Estado está muito mais articulada, educada e, preciso dizer, cansada do racismo", disse que veio de Georgetown, a 100 km de Charleston, aonde mora, para participar de uma vigília nesta sexta à noite.

"Somos um Estado muito conservador, que ainda exalta a Confederação [os Estados do Sul do país que tentaram se separar dos EUA para manter a escravidão]", diz Anderson, "mas tivemos vitórias recentes".

Câmeras no Uniforme

Ele relembra que há três semanas a Assembleia local, controlada pelo Partido Republicano, aprovou uma lei exigindo que os policiais estaduais usem câmeras acopladas ao uniforme. A lei votada de forma expressa foi apresentada depois que um jovem com celular gravou um policial matando um homem negro desarmado com oito tiros após uma perseguição.

O crime aconteceu na vizinha North Charleston, terceira cidade do Estado. O vídeo viralizou e se tornou uma prova sobre abusos policiais contra a minoria negra.

"Se conseguimos apoio suprapartidiário para essa lei, temos que tentar mais alto agora", conta. Para ele, o controle de armas "ainda é tabu" no país.

"Mas acho que as pessoas estão muito sensíveis a um crime que matou pessoas que estudavam a Bíblia, que estavam absorvendo os ensinamentos de Deus."

Tais leis derrotando os tabus devem esperar. A Assembleia Legislativa local se reúne apenas no primeiro semestre. As sessões vão de janeiro ao início de junho. Deputados e senadores ganham salários simbólicos, de US$ 10.400 por ano. Mas são bastante criticados por pedir reembolsos, de diárias, refeições e hospedagens enquanto estão hospedados na capital, Columbia.

Terrorismo

Para Fredrick Harris, diretor do centro de estudos sobre política e sociedade afro-americana da Universidade Columbia, a chacina é, sem dúvida, um ato terrorista.

"Quando falamos de questões raciais nos Estados Unidos, há uma negação coletiva sobre a história e sobre atos de discriminação. É, sim, um ato de terrorismo", diz

Autor do livro "Beyond Discrimination: Racial Discrimination in a Post-Racist Era" (Além da discriminação: a discriminação racial na era pós-racista, de 2013), Harris afirma que o crime em Charleston é resultado do legado racista dos EUA e não pode ser visto como um ato isolado do cenário político do país.

"Quando brancos se voltam contra negros, isso é visto como um ato individual, como se a ideologia do racismo e a política americana não tivessem nada a ver com a decisão de um homem entrar em uma igreja e matar negros na Carolina do Sul", afirma.

"É um ato de um indivíduo, mas parece ter sido influenciado por esse pensamento”, disse Harris.

Marcas da escravidão

A dez quadras da igreja metodista episcopal Emanuel, local da chacina, fica o antigo Mercado de Escravos de Charleston, o principal do país na primeira metade do século 19.

Chamada até hoje de "Mãe Emanuel" pelos moradores de Charleston, a igreja foi a primeira criada por e para negros no sul escravocrata americano, em 1816.

Como os cultos nas demais igrejas eram segregados, líderes negros quiseram uma igreja só deles. Poucos anos depois, as autoridades locais começaram a proibir igrejas para afro-americanos – elas reuniam abolicionistas e líderes de revoltas de escravos.

Uma década depois de sua criação, vários de seus líderes já tinham sido presos ou mortos, e suas cerimônias tinham que ser secretas.

No terreno onde a atual igreja foi erguida, em 1891, havia um cemitério de escravos mortos durante rebeliões.

Por décadas já no século 20, linchamentos e atentados contra seus líderes se repetiram.

O grupo terrorista pró-supremacia branca Ku Klux Klan era forte no Estado. Atentados em igrejas para negros se tornaram comuns.

O filme "Selma" (2014) mostra um dos mais conhecidos, que matou um grupo de meninas em Birmingham, Alabama.

O reverendo Martin Luther King Jr., Prêmio Nobel e líder da luta contra a segregação racial, discursou na "Mãe Emanuel" em 1963.

O presidente Obama conhecia o líder da congregação, o reverendo Clementa Pinckney, morto na chacina.


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