19/04/2024 - Edição 540

Entrevista

Maria Auxiliadora Budib – Vacinação contra o HPV tem que superar barreiras religiosas

Publicado em 14/02/2014 12:00 -

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A vacinação de meninas de 11 a 13 anos contra o papiloma vírus humano (HPV) na rede pública de saúde vai começar no dia 10 de março. O vírus é uma das principais causas do câncer de colo de útero, o terceiro tipo mais frequente de câncer entre mulheres, atrás apenas do câncer de mama e do câncer de cólon e reto. Apesar disso, pais e mães conservadores ou religiosos ameaçam não vacinar suas filhas. Eles temem que, protegidas, as meninas possam ser tentadas à promiscuidade sexual. Para falar do tema, a Semana On entrevistou a médica ginecologista e obstetra – e professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) – Maria Auxiliadora Budib.

 

Por Victor Barone

A partir do dia 10 de março, meninas entre 11 e 13 anos vão poder vacinar-se na rede pública de saúde contra quatro tipos diferentes do Papiloma vírus, o agente causador do HPV, uma das doenças sexualmente transmissíveis mais frequentes em todo o mundo. No que isso vai influenciar a qualidade de vida destas meninas?

Será fundamental para a prevenção primária do câncer de colo de útero, que é o segundo tipo de câncer que mais mata em países em desenvolvimento e subdesenvolvidos. O causador deste tipo de câncer é o HPV, e 80% das mulheres entram em contato com ele no primeiro ano de relação sexual. Se a menina teve relação sexual com 14 anos, terá 80% de chance de estar contaminada pelo HPV até os 15 anos.

São números assustadores…

Sim, absurdamente altos. O HPV não se apresenta ao sistema imunológico. Não é como o vírus da gripe, que gera dor no corpo, febre, náusea, fazendo o organismo providenciar uma defesa. O HPV é um vírus dissimulado. Ele entra, e quando a pessoa tem uma queda na imunidade é que ele aparece e invade a mucosa do colo do útero. Entre o contato com o HPV e o desenvolvimento da doença existe um período de latência que depende de cada mulher. Mas, cada vez mais vemos mulheres jovens morrendo de câncer de colo. Antes era aos 50 anos, caiu para 40 e hoje vemos mulheres de 25 e 30 anos em estágio avançado, com metástase, sem chance de cura efetiva. A preocupação toda era como prevenir isso.

A vacina vem neste sentido.

Sim, como prevenção primária, antes que esta menina entre em contato com o vírus vamos vaciná-la.

Se a menina teve relação sexual com 14 anos, terá 80% de chance de estar contaminada pelo HPV até os 15 anos.

A ideia então é atingir as meninas de forma precoce para protegê-las mais cedo?

Exato. Este ano vacinaremos as meninas de 11 a 13 anos e no ano que vem de 9 a 11 anos. A partir de 2016 só meninas de 9 anos.

Algumas mães conservadoras ou religiosas pretendem boicotar a vacinação sob o argumento de que ela incentivaria a promiscuidade sexual entre crianças e adolescentes. Como a senhora analisa esta questão?

A vacina não significa que a adolescente está autorizada a ter sexo sem camisinha. Alguns pais dizem: “Vou vacinar minha filha contra HPV, ela vai parar de usar camisinha e engravidar”. Não. É preciso deixar claro que a vacina não protege contra Hepatite B, contra HIV, não evita a gravidez. Ela protege contra o câncer cervical, o câncer do colo do útero. É preciso vacinar estas meninas enquanto elas são virgens, pois isso garantirá quase 100% de imunidade. Todos os estudos mostram que nessa faixa etária, de 9 a 13 anos, é quando, ao se aplicar a vacina, a produção de anticorpos tem maior intensidade.

A primeira fase da vacinação será feita nas escolas públicas. Há necessidade de autorização dos pais?

Não é preciso autorização. O que será oferecido é a contra indicação, a não autorização. A diretora vai mandar, via Programa de Saúde do Estudante (PSE), a programação da vacinação na escola. Os pais que se mostraram contrários tem que escrever de próprio punho que não autorizam a menor a ser vacinada.

A vacina não significa que a adolescente está autorizada a ter sexo sem camisinha.

É necessário campanhas mais esclarecedoras para atingir este público resistente a ideia da vacina de uma forma mais contundente?

Acho que sim. Esta faltando isso dentro da rede pública de saúde. A comadre não pode ter mais influência que a saúde. Falta o debate. Nesta primeira fase, antes da vacinação nas escolas, os responsáveis pelos PSE nos municípios vão falar sobre o tema com pais e alunos. É preciso informar os adolescentes, não só sobre o HPV, como sobre gravidez não planejada, baixa autoestima, idealização de futuro. São temas que tem, sim, que ser debatidos nas escolas.

É preciso enfrentar a falta de informação.

Exato, e para isso é necessário um enfrentamento, o diálogo. Há mães que se convencem de que as filhas vão casas virgens e simplesmente não conversam sobre o tema. É aí que elas, as mães, perdem a melhor possibilidade de orientar. A menina e o menino podem receber a informação e decidir o que querem. Esconder é pior. Há um estudo da professora Albertina Takiuti, da Universidade de São Paulo, que mostra que adolescentes informados sobre educação sexual postergam a primeira relação. A família é a grande mola propulsora desta dinâmica. Mas, para aquelas famílias que ainda não têm este grau de diálogo, a escola é fundamental como difusora de informação.

Estudos apontam que adolescentes informados sobre educação sexual postergam a primeira relação.

Há uma polêmica sobre a posologia das vacinas na rede privada e pública. Uma é melhor ou pior que a outra?

Esta vacina que foi comprada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) é a quadrivalente. Ela pega os 4 tipos mais importantes do HPV. Na rede privada você toma a vacina hoje, outra dose em 60 dias, e a última depois de 6 meses. No SUS a posologia será uma hoje, outra daqui 6 meses, e a última daqui  5 anos. Eles mudaram a posologia. Na rede particular, e pelas recomendações do laboratório que vende esta vacina, a indicação é 0, 60 dias e 6 meses. O SUS, no entanto, se baseou em estudos da Organização Pan-americana de Saúde (Opas), que garantiu ao Programa Nacional de imunização (PNI) – que é muito sério – a eficácia desta posologia.

Que recado a senhora deixaria para uma mãe ou um pai com filhas na idade de serem vacinadas contra o HPV?

Vacine. Há vacina contra coqueluche, mas ainda assim morrem crianças de coqueluche por não terem sido vacinadas. Há vacina contra a rubéola congênita. Mesmo assim, quantas mulheres não tiverem filhos com alguma deficiência por terem deixado de se vacinar? Não deixe sua filha correr risco. No futuro, você pode não estar aqui para acompanhá-la em uma quimioterapia ou em uma radioterapia. E, mesmo se estiver, você vai estará em uma idade avançada para ver o sofrimento de uma filha. Vacine.

Ouça a entrevista na íntegra.


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