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Turquia renega 100 anos do genocídio armênio

Publicado em 17/04/2015 12:00 -

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A Turquia foi acusada de fazer pouco caso do centenário iminente do genocídio armênio, ao adiantar a comemoração da vitória em Galípoli para o mesmo dia. O aniversário das operações militares de 1915 na península de Galípoli sempre foi comemorado em 25 de abril, o dia seguinte às cerimônias para lembrar o massacre de mais de 1 milhão de armênios no Império Otomano. Mas este ano o presidente Recep Tayyip Erdogan convidou líderes de outros países a se unirem a ele em Galípoli no dia 24 de abril.

"É uma manobra política muito indecente", comentou o pesquisador Ohannes Kiliçdagi, que escreve no semanário armênio "Agos". "É política barata tentar dissolver a pressão sobre a Turquia no ano do centenário, organizando esse evento em Galípoli. Todo o mundo sabe que as duas cerimônias em memória de Galípoli sempre foram realizadas nos dias 18 de março e 25 de abril, todos os anos."

O príncipe Charles, o príncipe Harry, o primeiro-ministro australiano Tony Abbott e o premiê da Nova Zelândia, John Key, confirmaram sua presença nos eventos em Galípoli. Como parte da programação, haverá cerimônias religiosas em vários cemitérios militares em 24 de abril.

Ao mesmo tempo, centenas de pessoas vão se reunir na praça Taksim, em Istambul, onde um evento em memória do genocídio armênio é promovido anualmente desde 2010. Haverá outro evento público em Diyarbakir, no leste do país. A cidade é um centro importante a partir do qual o governador estadual comandou os massacres em 1915. O evento principal terá lugar em Ierevan, a capital da Armênia.

Os esforços do governo turco para afastar a atenção internacional da comemoração do massacre foram descritos por armênios como "vergonhosos".

"Não é apenas Galípoli", disse o colunista e escritor armênio Nazar Buyum. "Alguém teve a audácia de sugerir a organização de um concerto memorial para Galípoli numa igreja armênia em Istambul no dia 24 de abril. O governo está fazendo tudo para minimizar o centenário do genocídio."

A Turquia se recusa a admitir a responsabilidade pelo massacre de centenas de milhares de armênios no Império Otomano.

O professor Ayhan Aktar, da Universidade Bilgi, em Istambul, pesquisa há anos a negação do genocídio armênio na Turquia e não se surpreendeu com a decisão do governo de mudar a data dos eventos em memória de Galípoli.

"Há 97 anos a Turquia vem difundindo a história dos turcos que morreram nos campos de batalha da Primeira Guerra Mundial, argumentando que armênios podem ter morrido na guerra, sim, mas que nossos antepassados também morreram. Esta iniciativa vem apenas levar adiante essa linha de defesa. É uma indecência, uma vergonha."

Medo

Enquanto o chefe do governo armênio e muitos armênios no exterior manifestaram ultraje com a jogada diplomática da Turquia, a reação dentro da Turquia está sendo moderada. Para Kiliçdagi, a razão disso é em parte o medo persistente de violência contra a comunidade armênia no país.

"Embora a situação tenha melhorado até certo ponto, e embora a solidariedade com a comunidade armênia tenha crescido, muitos aprenderam a viver com medo constante", ele explicou. "O medo virou praticamente um reflexo. Os armênios ainda são um grupo vulnerável na Turquia."

As operações da Primeira Guerra Mundial em Galípoli -ou Çanakkale, em turco-começaram em 18 de março de 1915, com o bombardeio naval britânico da península. Os turcos usam essa data para comemorar sua vitória contra o ataque aliado e homenagear os soldados mortos na batalha.

Os desembarques navais na costa de Galípoli terminaram com uma derrota devastadora e são lembrados por australianos e neozelandeses em 25 de abril, conhecido como o dia Anzac (das forças armadas da Austrália e Nova Zelândia).

Depois do anúncio de Ancara de que todas as comemorações oficiais de Galípoli serão adiantadas para 24 de abril, críticos se apressaram para observar que não aconteceu nenhum evento militar significativo em Galípoli nessa data e que os armênios têm mais razões de reivindicar a data, porque foi em 24 de abril de 1915 que as autoridades otomanas começaram a prender intelectuais armênios em Istambul.

No ano passado, quando Erdogan transmitiu suas condolências aos netos dos armênios mortos, houve esperanças de um degelo entre Armênia e Turquia. Mas as iniciativas deste ano desagradaram profundamente à comunidade armênia na Turquia, que tem 100 mil membros.

"Depois das palavras de Erdogan no ano passado, esta iniciativa foi uma decepção enorme", comentou Nayat Karakose, coordenador de programas da Fundação Hrant Dink, de Istambul, que leva o nome de um jornalista turco-armênio assassinado em 2007. A fundação promove pesquisas, cultura e a reconciliação entre turcos e armênios.

"Esperávamos um passo mais positivo que esta tentativa de afastar a atenção internacional do esforço da Armênia para promover a conscientização pública sobre o genocídio."

O jornalista turco e ativista dos direitos humanos Orhan Kemal Cengiz disse que as eleições parlamentares próximas impossibilitam qualquer concessão significativa por parte do partido governista da Justiça e do Desenvolvimento.

"O partido quer angariar mais votos nacionalistas. Erdogan é um político altamente pragmático, que tem muita consciência das vantagens políticas que pode obter com qualquer passo que der", disse Cengiz. "Mas a questão armênia é uma questão de consciência e moralidade, razão pela qual Erdogan não é o líder que vai resolvê-la."


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