28/03/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

Os dois lados do preconceito

Publicado em 10/04/2015 12:00 - Rodrigo Amém

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Já tive minha fase de equipar virtuosismo técnico à qualidade musical. Eu, adolescente, achava que guitarrista bom era guitarrista veloz. O tipo de conceito que a gente abandona depois que cresce, tipo Ayn Rand. Pessoalmente, Ed Motta não é sinônimo de purismo musical desde a versão brasileira da trilha sonora de Tarzan da Disney. Mas o bate-boca do cantor no Facebook trouxe questões mais relevantes à tona.

Ed Motta não quer que brasileiros assistam seus shows na Europa. Aparentemente, tem gente que frequenta suas apresentações para curar o banzo de estar longe da terrinha. Aí, o cidadão grita “Brasil!”, “Mengo!”, “Toca Manuel!” que são, provavelmente, as três afinidades que o espectador em questão tem em relação ao músico. Este, por sua vez, só sabe uma coisa sobre o barulhento do fundão do teatro: esse cara é brasileiro. Sentindo-se agredido pela indiscrição do conterrâneo equivocado, Ed Motta adota a pior das estratégias: Ele associa todos os brasileiros ao comportamento equivocado do cidadão que quebrou sua quarta parede. Preconceito é isso. É atribuir a um grupo o comportamento de alguns membros. Ed Motta destilou uma porção de preconceitos. Praticamente um solo de scat vocal intolerante.

Preconceito é isso. É atribuir a um grupo o comportamento de alguns membros. Ed Motta destilou uma porção de preconceitos. Praticamente um solo de scat vocal intolerante.

A internet não perdoou. Criticou a grosseria dos comentários. Ed Motta chegou a usar a “ilustração” (sic) “pedreiros brasileiros” para falar dos conterrâneos exaltados na plateia de seu show, sem explicar qual dos dois termos era empregado de forma pejorativa. Aí ele passou a descarregar seu fel jazz festival sobre a música popular brasileira. De sertanejo a Caetano. Um movimento de desagravo à cultura pátria tomou as redes sociais.

E é aí que mora o problema. Se não podemos atribuir as falhas de alguns membros ao grupo todo, o mesmo tem que ser válido para as qualidades. Se nem todo brasileiro é “pedreiro” e grita “Toca Manuel” em shows na Europa, nem toda cultura brasileira é fantástica e merece ser respeitada. Se não podemos nivelar uma população pelos seus micos, também não podemos fazê-lo pelos seus êxitos.

É por essa e outras que a cultura que eu consumo não tem necessariamente muito a ver com o CEP da maternidade onde eu nasci. Amor à arte – qualquer que seja – é coisa íntima, pessoal e intransferível. Não precisa apresentar certidão de nascimento nem visto de turista. Ninguém tem o direito de definir os parâmetros da cultura alheia. E afirmar que, por ter nascido no Brasil, eu deveria amar isto, falar aquilo ou pensar aquilo outro é tão grosseiro e preconceituoso quanto os “pedreiros” do Ed Motta. Quando o assunto é respeito ao próximo, exigir patriotismo é uma forma de preconceito.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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