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Pilotos dizem que não passam por testes psicológicos frequentes

Publicado em 27/03/2015 12:00 -

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A despeito de regulamentos norte-americanos e internacionais que requerem que pilotos de companhias de aviação passem por verificação de possíveis problemas de saúde mental, no mundo real não costumam acontecer muitas verificações práticas, dizem pilotos e especialistas em segurança.

A queda do voo 4U9525 da Germanwings, que colidiu com uma montanha nos Alpes franceses matando as 150 pessoas estavam a bordo, despertou preocupações quanto ao estado mental do co-piloto. As autoridades acreditam que o co-piloto Andreas Lubitz, um alemão de 27 anos, deliberadamente destruiu o Airbus A320 que voava de Barcelona a Düsseldorf.

Nos Estados Unidos, a Administração Federal da Aviação (FAA) requer que os pilotos passem por um exame médico com um especialista em medicina da aviação uma vez a cada seis ou 12 meses, a depender de sua idade.

A Organização Internacional da Aviação Civil, uma agência da ONU que estabelece padrões para a aviação mundial, também requer que pilotos recebam exames médicos periódicos, o que inclui uma avaliação de saúde mental.

Tecnicamente, os médicos deveriam supostamente buscar problemas mentais, mas na quinta-feira pilotos disseram que não era assim que as coisas funcionavam habitualmente.

"Não existe verificação real de saúde mental", disse John Gadzinski, capitão de uma grande companhia de aviação dos Estados Unidos e antigo piloto da marinha de guerra daquele país.

Em 29 anos de exames médicos com especialistas em medicina da aviação, ele jamais teve de responder a perguntas sobre sua saúde mental.

Bob Kudwa, antigo piloto e executivo da American Airlines, que mantém atualizada sua licença como piloto comercial, disse que "eles examinam seus olhos, seus ouvidos, seu coração – todas as coisas que começam a se deteriorar quando você envelhece. Mas quanto à cabeça, não, não fazem coisa alguma".

Tampouco existe confidencialidade de informações médicas, segundo Gadzinski. "Se você tivesse um problema de saúde mental, certamente não o revelaria ao médico que o está examinando porque tudo que você disser vai direto para a FAA", ele afirmou.

Os pilotos têm a obrigação de revelar problemas psicológicos existentes e o uso de medicamentos psiquiátricos, em formulários da FAA que eles mesmos preenchem. Caso não o façam, podem ser multados em até US$ 250 mil. Os formulários incluem perguntas sobre possíveis depressões e tentativas de suicídio por parte dos pilotos, diz Gadzinski.

"Será que esse é realmente o melhor jeito? Perguntar ao sujeito mentalmente doente se ele está mentalmente doente e, se ele responder que não, considerar que então está tudo bem?", ele disse.

A Europa tem um padrão unificado para os exames médicos de pilotos. "Essas avaliações médicas são conduzidos por médicos especializados em medicina da aviação. Eles sabem o que procurar, física e mentalmente", disse Richard Taylor, porta-voz da Autoridade da Aviação Civil do Reino Unido.

A Lufthansa, controladora da linha aérea regional envolvida no acidente, não tem conhecimento sobre o que poderia ter motivado o co-piloto Andreas Lubitz a "agir de modo tão terrível", disse Carsten Spohr, presidente-executivo da companhia.

As companhias de aviação tipicamente solicitam que pilotos façam exames sobre sua condição mental antes de contratá-los, mas depois que eles se tornam funcionários o acompanhamento é na melhor das hipóteses superficial, dizem os especialistas.

"Se você tem de 12 mil a 15 mil pilotos, como a American Airlines…ocasionalmente haverá um maluco entre eles, por mais que a empresa tente impedir", disse Kudwa.

Quando isso acontece, os demais pilotos que voam em companhia do colega instável "mais cedo ou mais tarde informam os chefes, e em seguida o profissional suspeito terá de trabalhar em companhia de um piloto fiscalizador", para verificar se existe problema, ele afirmou.

O piloto fiscalizador é um profissional empregado pelas companhias de aviação para atestar as habilitações dos demais pilotos, voando com eles e observando seu desempenho. Ainda assim, é raro que um piloto seja submetido a esse tipo de verificação em função de problemas mentais, disse Kudwa.

"Você tenta excluir de seu programa os caras em situação limítrofe, mas em minha carreira eu mesmo encontrei sujeitos que me levaram a questionar como é que eles tinham passado pelo sistema", disse Kudwa, que pilotou para a American Airlines por 28 anos. "Ou as pessoas mudam. Ou, como se vê no ambiente atual, as pessoas podem se radicalizar via mídia social".

Os pilotos das companhias de aviação norte-americanas recebem treinamento das empresas a cada seis meses para manter sua capacitação de voo atualizada.

Quando isso acontece, o piloto chefe ou piloto fiscalizador que monitora o desempenho frequentemente faz algumas perguntas ao piloto verificado sobre sua estabilidade emocional, diz John Goglia, ex-membro do Conselho Nacional de Segurança no Transporte norte-americano e consultor de segurança na aviação.

Novos procedimentos

Ao menos sete companhias aéreas estrangeiras anunciaram que passarão a manter dois tripulantes na cabine durante todo o tempo de voo. As companhias aéreas são as britânicas Virgin Atlantic, Easyjet e Thomas Cook, a norueguesa Norwegian Jet e as canadenses Air Transat, Air Canada e Westjet.

O número tende a aumentar, porque autoridades de aviação civil do Reino Unido e do Canadá disseram que pedirão a todas as empresas de seus respectivos países a manter, sempre, dois tripulantes na cabine de comando.

Em todos os casos, as medidas deverão entrar em vigor nos próximos dias.

No Brasil, pilotos da Avianca disseram ter sido avisados de que a companhia fará o mesmo. A empresa não confirma, por enquanto.

O procedimento funcionará assim: se um piloto precisar sair para ir ao banheiro, por exemplo, um comissário de bordo entrará no cockpit de modo a não deixar a cabine com apenas um piloto. Quando o piloto retornar, o comissário deixa o cockpit.

Segundo autoridades francesas, Lubitz aproveitou-se do fato de o comandante da aeronave ter saído.

Quando o comandante tentou voltar, o copiloto não permitiu a entrada — quem está na cabine de comando pode bloquear tentativa de abertura da porta, procedimento criado após os ataques terroristas do 11 de Setembro.


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