16/04/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

Carnaval Maquiavélico

Publicado em 20/02/2015 12:00 - Rodrigo Amém

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

A Beija-Flor foi campeã do carnaval carioca, fazendo o que ela sabe fazer de melhor: aquele desfile caduco de ostentações emplumadas e africanismos pasteurizados de sempre. Uma repetição de padrões e convenções tão preguiçosa que só pode ser explicada pela esfarrapada desculpa conhecida como tradição.

O tema foi Guiné Equatorial. Não porque havia algo particularmente inspirador a dizer sobre um dos mais miseráveis países da África. Até seria interessante usar o maior espetáculo da Terra para denunciar o sofrimento de nossos irmãos vítimas de uma das mais longevas ditaduras do mundo. Mas não foi essa a motivação para a escolha do enredo. 

Como é a prática no Sambódromo, a Beija-Flor entrou na avenida disposta a falar bem de quem pagar melhor. E a bola da vez foi um regime sangrento, movido a petróleo e exploração da miséria de seu povo. A diretoria da escola, acostumada com o financiamento pela contravenção, reagiu com surpresa quando o mundo condenou a permissividade ética do seu carnaval.

Até seria interessante usar o maior espetáculo da Terra para denunciar o sofrimento de nossos irmãos vítimas de uma das mais longevas ditaduras do mundo.

Em entrevista ao jornal Extra, o presidente da Beija-Flor, Farid Abraão David, ficou irritado com a inconveniência do questionamento súbito: “Estamos com esse enredo há 5 meses, só agora tocaram nesse assunto para prejudicar a escola”. Neguinho da Beija-Flor agradeceu porque, graças à contravenção, os desfiles começam e terminam no horário.

Não acho que toda arte tenha que ter uma função utilitarista, longe disso. Mas acredito que arte é discurso. E é meio obsceno – até mesmo para os padrões da Sapucaí – dizer que o que importa é “fazer um carnaval bonito.” É desrespeitoso com o público, com a comunidade da escola e com a relevância cultural do carnaval.

Em outras palavras, é cuspir na mesma tradição que justifica o desfile repetitivo e emplumado da Beija-Flor. Se é pra subverter os costumes do Sambódromo, seria melhor apostar em inovação e criatividade do que em patrocínios obscuros.  Afinal, se tudo o que você tem a dizer é elogio a quem te financia, você deixa de ser artista para ser publicitário. Atualmente, pode-se dizer que a Beija-Flor nunca esteve tão próxima da África. África, a agência de propaganda, quero dizer.

Leia outros artigos da coluna: Meia Pala Bas

Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *