19/04/2024 - Edição 540

Entrevista

Não dá para falar de qualificação no trabalho sem antes pensarmos na qualidade da educação

Publicado em 30/01/2015 12:00 -

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O setor industrial de Mato Grosso do Sul, composto pelas indústrias de transformação, de extrativismo mineral, de construção civil e de serviços de utilidade pública, fechou 2014 com queda de 5,3% na geração de postos de trabalho em relação a 2013, diminuindo de 141.149 para 133.615, conforme levantamento da Federação das Indústrias de Mato Grosso do Sul (Fiems). Condição semelhante ocorreu para o conjunto da economia estadual, que criou 2.128 vagas em 2014 contra 21.071 postos de trabalho em 2013, ou seja, queda de quase 90%. Na entrevista desta semana o coordenador da Unidade de Economia, Estudos e Pesquisas da Fiems, Ezequiel Resende, fala sobre estes números e sobre as projeções da indústria no Estado.

 

Por Victor Barone

Qual o diagnóstico da indústria em Mato Grosso do Sul?

Primeiro o filme e depois o retrato. O filme é muito bom. Tivemos um crescimento ótimo nos últimos anos. A indústria ampliou a sua participação na matriz produtiva de Mato Grosso do Sul. Segundo os últimos dados disponibilizados pelo IBGE, de 2012, a indústria foi o segmento que apresentou a maior taxa de crescimento real, de crescimento nominal, ampliando sua participação na geração de riqueza, atrás somente do setor de serviços e comércio.

E este cenário foi puxado por qual setor?

Durante os últimos 10 anos, com o fortalecimento de atividades que já eram tradicionais, como os frigoríficos e a mineração, e a inserção de novos segmentos, como o papel celulose, o setor sucroenergético – que não tem atravessado uma boa fase, mas foi responsável, sobretudo depois 2007, para um crescimento bastante grande da participação industrial em Mato Grosso do Sul. Além, é claro, dos setores têxtil-vestuário e metal-mecânico, que tiveram bom desempenho. Todos estes setores têm um valor bruto na produção anual superior a R$ 500 milhões. São setores que contribuem para a agilidade industrial e foram responsáveis por este crescimento.

O conjunto da economia estadual teve queda de quase 90% no ano passado. Vamos falar do retrato?

Pois é. O filme foi bom até agora. Digamos que as partes finais começaram a ficar ruins. O retrato é preocupante. Esta queda foi em detrimento do conjunto da economia, mas na indústria foi pior ainda.

É provável que mantenhamos a mesma matriz industrial nos próximos anos, o que, diante do desafio que se apresenta à economia brasileira, já seria um sucesso.

Por quê?

A indústria teve um desempenho pior por um ponto muito particular. Houve o fechamento de 7.534 vagas devido, principalmente, à indústria da construção, que enfrentou à paralisação das obras relacionadas à construção da Fábrica de Nitrogenados da Petrobras em Três Lagoas, com a demissão de 7.443 trabalhadores somente no município. Isso gerou um quadro negativo bastante severo. Porém, não podemos tributar este quadro apenas a este segmento. Se o tirássemos do bojo total, ainda assim não teríamos o crescimento que tivemos nos últimos anos, até 2013. Isso indica que este quadro de pessimismo veio se fortalecendo ao longo de 2014. Em dezembro completamos o sétimo mês consecutivo sem crescimento da produção industrial, quando comparado ao mês imediatamente anterior. Foi um momento muito ruim. No Brasil tivemos apenas um mês de crescimento nesta comparação, em outubro, o que é normal diante da aceleração da produção para atender as demandas de final de ano.

Esta, então, não é uma crise do Estado?

Não. É do País. Temos, inclusive, uma característica de descompasso, estamos sempre melhores que a média nacional, por uma razão muito simples: a indústria nacional é muito maior, mais diversificada e têm setores muito mais expostos as dificuldades que foram crescentes nos últimos anos. Nós temos segmentos que, mesmo diante das dificuldades, são competitivos nos mercados externos, e que sempre contribuíram.

No entanto, uma matriz industrial pouco variada também pode ser problemática. Se ela passa por uma crise afeta toda a economia local. Existe alguma projeção futura de que nossa matriz industrial possa ser ampliada?

Este é um desafio não só do Mato Grosso do Sul, mas do Brasil, sobretudo quando nos deparamos com este debate sobre a desindustrialização. Se a gente pega pelo valor do faturamento bruto produzido pela indústria, vamos dizer que ela está crescendo. Mas se olhamos para a musculatura desta densidade produtiva, observamos que inúmeros produtores intermediários foram substituídos por fornecedores estrangeiros. Parte da produção local passou a ser complementada com produção importada. Falar de um adensamento das cadeias produtivas enquanto o quadro no Brasil é o oposto, com perda de força desta tecitura industrial é muito difícil. É difícil fugir daquelas atividades nas quais já temos uma vantagem comparativa muito boa, a agroindústria de transformação – sobretudo o processamento de carnes, de grãos, oleaginosos, construção. É mais provável que nos mantenhamos neste mesmo quadro, o que, diante do desafio que se apresenta à economia brasileira, já seria um sucesso.

As pesquisas da Fiems também abordam o índice de confiança do empresariado. A coisa está feia.

Sim, estes índices vêm apresentando níveis abaixo da linha de corte no que se refere à confiança. Nosso empresário está pessimista há alguns meses, desde o ano passado. E quando perguntamos sobre os próximos seis meses a coisa não melhora, ao contrário, até piora. Ele diz que não espera aumentar a produção, ao contrário, espera queda nas vendas e na geração de emprego. E quando você pergunta como estavam as condições financeiras da empresa no último trimestre de 2014 ele diz que o lucro operacional foi muito ruim, que o acesso ao crédito piorou – e  vai piorar ainda mais daqui para frente -, e que o quadro não é bom.

Quais as principais reclamações do empresariado?

Dificuldades de competir no mercado interno, encarecimento das matérias primas, especialmente as importadas – que vão encarecer ainda mais daqui para frente -, uma alta rotatividade no trabalho, dificuldades normativas crescentes. O “custo Brasil”, normas que acabam dificultando e criando um ambiente hostil para o trabalho. Custos mais elevados quando você compara com a concorrência internacional. Recente pesquisa mostrou que o empresariado brasileiro, em média, só para planejar como vai pagar seus tributos, demanda mais de 2.600 horas anualmente. A média nos países desenvolvidos é de 150 horas. Na América Latina é de 300 a 400 horas. Isso dá a dimensão do nível de burocracia que se enfrenta. Se o mercado está dando estímulo, este custo pode ser superado, mas quando piora estes gargalos aparecem mais fortemente.

A indústria em Mato Grosso do Sul está focada em polos regionais muito específicos. Há chances de reverter este quadro?

É difícil. Temos todos aqueles fatores que influenciam na instalação de uma indústria. Ela vai depender de energia, logística, mão de obra, enfim. Basicamente, se observarmos Campo Grande, Três Lagoas, Dourados e Corumbá teremos uma concentração de 60 a 70% de tudo que se queira no Estado: população, orçamento, exportação, PIB, produção industrial, emprego. Isso acaba sendo um reflexo da própria distribuição que o Estado apresenta.

Nosso empresário está pessimista. E quando perguntamos sobre os próximos seis meses a coisa não melhora, ao contrário, até piora.

É uma preocupação da Fiems tentar, em parceria com o poder público, fazer esta desconcentração?

Sem dúvida. A Fiems tem um plano de desenvolvimento regional que o presidente Sergio Longen leva aos municípios, propondo medidas para facilitar o ambiente produtivo, para que as empresas possam estimular a fixação em atividades sejam elas industriais ou não. Não é uma tarefa fácil, pois Mato Grosso do Sul é um Estado com população pequena, cuja produção é destinada a outras unidades federativas e outros países. Toda a atividade produtiva requer uma oferta minimamente necessária de logística, mão de obra etc. Não é fácil fazer esta distribuição. Políticas desta natureza não são tarefas de entidades representativas de classe, são tarefas de governo. Mas, a Fiems vem contribuindo com programas de capacitação, ampliação de centros integrados do Sesi-Senai. Isso vem ocorrendo.

A questão da qualificação da mão de obra é fundamental para a indústria. Os esforços neste sentido estão dando conta do desafio?

A questão da qualificação vai muito além da simples oferta de cursos. Se a gente olhar a ampliação do número de vagas e de matrículas podemos nos inclinar a dizer que sim, que temos enfrentado bem este problema. Mas ele vai além disso. A questão da qualificação da mão de obra tem uma etapa anterior, que muitas vezes a gente esquece. A educação.

É preciso qualificação para se qualificar…

Exato. Este indivíduo tem que ter a capacidade mínima de aprendizagem e muitas vezes ele chega em condições precárias. Não é incomum, diria até que é a regra, observarmos elevados níveis de evasão, pois ele não tem capacidade cognitiva em língua portuguesa, em matemática, em ciências, para conseguir acompanhar. Muitas vezes é fácil o discurso de que as entidades representativas não estão conseguindo qualificar a mão de obra. É difícil. O Estado se omite da etapa que lhe cabia, que é a educação formal minimamente razoável para este indivíduo ter a capacidade de buscar uma universidade ou um curso técnico-profissional, como ocorre em outros países. As pessoas, ou evadem ou, quando concluem, o fazem de uma maneira esquálida. Têm o documento formal dizendo que possuem aquela qualificação, mas na prática não se observa que conseguiu cumprir de uma maneira minimamente razoável. Talvez fosse mais importante, em um trabalho de longo prazo, criar condições minimamente básicas de educação, em um processo de nação e civilização. O que queremos enquanto Estado, enquanto País? É o que se espera de uma nação democrática. Não dá para falar de qualificação no trabalho sem antes pensarmos na qualidade da educação.


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