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Venezuela autoriza Forças Armadas a atirar contra manifestações violentas

Publicado em 30/01/2015 12:00 -

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Em meio a sinais de tensão social, o governo da Venezuela autorizou as Forças Armadas a abrir fogo contra cidadãos em caso de manifestações violentas.

A resolução 008610, que aparenta contrariar a Constituição, foi assinada pelo ministro da Defesa, Vladimir Padrino López, e entrou em vigor na última terça (27), após publicação no "Diário Oficial".

Redigido como norma de atuação pela ordem pública, o texto determina que, "diante de uma situação de risco mortal, o funcionário militar aplicará uso da força potencialmente mortal, com arma de fogo ou outra arma potencialmente mortal".

A resolução ressalta, porém, que se deve recorrer a disparos apenas quando se esgotarem demais alternativas de "contenção física".

Para militantes de direitos humanos, o texto viola dois artigos da Constituição: o 68, que "proíbe o uso de armas de fogo […] no controle de manifestações pacíficas; e o 332, pelo qual os "órgãos de segurança cidadã são de caráter civil [e não militar]."

"Essa resolução é perigosa porque coloca no marco da legalidade práticas nefastas já utilizadas", diz a advogada Liliana Ortega, da ONG Cofavic. Ela acusa o Executivo de recorrer à teoria da segurança nacional, geralmente usada por regimes autoritários contra dissidentes.

Para Rocío San Miguel, da ONG Controle Cidadão para a Segurança, Defesa e Força Armada, o texto é arbitrário por não deixar claro quando nem como seria usada a "força potencialmente mortal."

Reação

A MUD, principal coalizão opositora, chamou a medida de "abominável".

A resolução foi recebida com irritação nas redes sociais, onde muitos venezuelanos acusam o presidente Nicolás Maduro de estar "em guerra contra o povo."

A medida foi implantada num momento em que é cada vez mais palpável a impaciência com a situação no país.

À inflação de 64% somam-se filas enormes no comércio, escassez de remédios e produtos básicos – como sabão e papel higiênico – e alto índice de criminalidade.

Há relatos de lojas saqueadas e confrontos entre polícia e manifestantes, principalmente no oeste do país.

A situação está longe da violência registrada no início de 2014, quando protestos deixaram 43 mortos. Mas analistas veem alto risco de acirramento da crise devido à queda global dos preços do petróleo e, portanto, da arrecadação financeira do país.

O risco de distúrbios é potencializado pela aproximação da eleição parlamentar de dezembro, na qual a oposição hoje é dada como favorita. A aprovação do governo, que se diz vítima de complô, é de 22%. "O potencial de conflito é muito alto", diz San Miguel.

Crise

Com ainda três anos de mandato, o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, enfrenta ampla rejeição popular, tensão social e uma crise econômica que ameaça implodir o país.

A situação do governo complicou-se ainda mais com a revelação nesta semana de uma denúncia, em trâmite na Justiça americana, acusando o presidente do Parlamento e oficial do Exército, Diosdado Cabello, de ser narcotraficante.

Um dos personagens mais poderosos do país, Cabello seria chefe de um cartel que opera a partir das Forças Armadas venezuelanas.

Segundo o jornal espanhol "ABC", a denúncia foi feita por Leamsy Salazar, ex-guarda-costas de Cabello que fugiu para os EUA para colaborar com investigadores locais.

O partido governista PSUV admitiu a deserção e confirmou que Salazar também foi segurança de Hugo Chávez até a morte do então presidente, em 2013.

Salazar disse que os aviões da estatal petroleira PDVSA são usados para transporte de cocaína e que o comércio ilícito é orquestrado pelo filho de Chávez com apoio logístico de Cuba.

Complô

Cabello disse que as acusações são parte de um complô para denegrir a revolução bolivariana e recebeu apoio de Maduro, a quem chamou de "irmão revolucionário".

A situação, porém, ameaça fragilizar ainda mais o governo caso os EUA confirmem oficialmente vínculos de Cabello com outras autoridades venezuelanas investigadas por narcotráfico.

Para analistas pró-governo, a denúncia atende ao interesse americano de deslegitimar Maduro e fortalecer a oposição direitista a menos de um ano das eleições legislativas.

Críticos, porém, dizem que o caso corrobora suspeitas de tensa rivalidade entre Maduro, apontado por Chávez como seu sucessor, e Cabello, que chegou a dizer que não acreditava no "chavismo sem Chávez."

Maduro e Cabello sempre negaram atritos, mas Caracas há meses convive com rumores de que o líder do Legislativo planeja tomar a Presidência caso se agrave a crise.

"A pergunta é: a quem interessa eliminar Cabello como sucessor?", diz o consultor político Carlos Raúl Hernandez. "[A denúncia] talvez sirva para impedir que Maduro saia de cena", afirma, insistindo em que, diante da falta de provas, ainda se trata de especulação.

O caso surge dois anos após Maduro ser empossado em eleição convocadas às pressas pela morte de Chávez e em meio a um pico de tensão pela escassez de produtos básicos como remédios e alimentos.

Os estoques não foram repostos porque o governo vem restringindo aos comerciantes os dólares necessários à importação.


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