28/03/2024 - Edição 540

Mundo

Repressão sangrenta na Colômbia amplia revolta popular iniciada com atos contra reforma tributária

Publicado em 07/05/2021 12:00 -

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

Os atos contra uma proposta de reforma tributária impulsionada pelo governo de Iván Duque ganharam força após forças militares aumentarem a repressão aos manifestantes e se tornaram protestos nacionais contra o aumento da pobreza, o desemprego e a desigualdade na Colômbia, quarta maior economia da América Latina prejudicada pela pandemia do novo coronavírus.

A proposta de reforma tributária, apresentada por Duque no dia 15 de abril, foi retirada do Congresso e o presidente afirmou que enviará um novo texto para análise. Mesmo assim, os protestos continuaram. No último dia 5, o que começou como uma nova manifestação contra a reforma se transformou em graves protestos contra o governo e confrontos com a força pública. 

O presidente conservador enfrenta protestos sem precedentes nas ruas desde que chegou ao poder em 2018. Sindicatos, indígenas, organizações civis, estudantes, entre outros setores insatisfeitos, exigem uma mudança de rumo de seu governo. As mobilizações atuais refletem também o desespero causado pela pandemia que atinge com força o país de 50 milhões de habitantes. 

Em seu pior desempenho em meio século, o Produto Interno Bruto (PIB) da Colômbia despencou 6,8% em 2020 e o desemprego subiu para 16,8% em março. Quase metade da população vive na informalidade e na pobreza, de acordo com dados oficiais.

Violência em Cali

Em Cali, a primeira cidade para onde militares foram enviados para controlar as manifestações, houve denúncias de abuso de força policial e execução de manifestantes, provocando uma reação formal do escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, em Genebra.  Em Bogotá e Medellín, os prefeitos da oposição rejeitaram a oferta de militarizar suas cidades. Ainda assim, soldados patrulham a capital por ordem presidencial. 

O defensor público Carlos Camargo denunciou que uma pessoa da entidade, juntamente com outra da Procuradoria-Geral da República – encarregada de apurar irregularidades de funcionários – e três defensores dos direitos humanos, foram agredidos pela força pública enquanto prestavam assistência a detidos em Cali. 

Os cinco "foram ameaçados por agentes da polícia nacional que dispararam repetidamente para o ar e para o solo, atiraram granadas de atordoamento, abusaram verbalmente deles e exigiram que abandonassem o local", afirmou. 

O ministro da Defesa, Diego Molano, evitou referir-se ao ataque e garantiu que policiais e militares são vítimas de ataques orquestrados por grupos armados. “O destacamento da força pública foi muito grande, sem precedentes, uma coisa apavorante (…) eles não entram negociando com a comunidade mas atirando nos cidadãos”, disse Yonny Rojas, da Fundação Créalo, que zela pelos Direitos Humanos em Siloé, um bairro de Cali. 

Desde o começo dos protestos, Iván Duque vem definindo as manifestações contra a reforma como "terrorismo urbano de baixa intensidade"

A ONU condenou o "uso excessivo da força" na Colômbia contra as manifestações. "Estamos profundamente alarmados pelos acontecimentos ocorridos na cidade de Cali, na Colômbia, na noite passada, quando a polícia abriu fogo contra os manifestantes que protestavam contra a reforma tributária, matando e ferindo várias pessoas, segundo a informação recebida", declarou Marta Hurtado, porta-voz do escritório suíço.

Os Estados Unidos pediram que as forças de segurança da Colômbia "tenham máxima moderação" para evitar mais mortes. A União Europeia aderiu às advertências e pediu que se "evite o uso desproporcional da força". Defensores dos direitos humanos e ONGs denunciam ameaças e casos de violência policial, que incluem civis mortos pelas mãos de homens uniformizados. 

No total, 18 civis e um policial morreram desde o início dos protestos, em 28 de abril, segundo balanço das autoridades colombianas. A Defensoria Pública relata ainda 89 desaparecidos. O Ministério da Defesa divulgou que 846 foram feridos, entre eles 306 civis.

Denúncias nas redes sociais

Durante a semana, os termos "Colômbia" e "#SOSColombia" chegaram aos trending topics do Twitter, conforme usuários compartilhavam cenas de violência policial nas ruas de Cali. Um dos vídeos, compartilhado pelo jornalista americano Dan Cohen, supostamente mostra um policial executando um adolescente de 17 anos que caminhava pela calçada. Outros perfis na rede denunciaram brutalidade policial contra manifestantes, e acusaram o governo de estar promovendo um "massacre" no país. 

Um governo acuado

O presidente Iván Duque enfrenta protestos maciços pela terceira vez desde que assumiu o poder em 2018. Multidões de rostos jovens exigem uma mudança de norte para seu governo, em um país que viveu mais de meio século de conflito armado. 

Pelo menos uma grande mobilização por ano desde 2019 colocou o presidente conservador em xeque. Após o fim do confronto armado com as Farc, guerrilha que se transformou em partido político, os manifestantes não só rejeitam a violência, mas exigem políticas que melhorem suas condições de vida. 

A última vez que a Colômbia ouviu os sons das ruas em rejeição a algo diferente da violência foi em 1977. Na época, os sindicatos eram os protagonistas. Mas em novembro de 2019, centenas de milhares foram às ruas para mostrar sua insatisfação com o governante mais jovem da história recente do país, agora com 44 anos. 

Reunidos pelo chamado Comitê Nacional de Desemprego – que continua liderando os protestos – sindicatos, estudantes, indígenas, ambientalistas e opositores fizeram quase três semanas de denúncias. 

Foi uma manifestação polivalente: a favor do ensino público gratuito, rejeição da corrupção, contra o assassinato de ativistas sociais e ex-guerrilheiros que assinaram a paz em 2016 e em apoio ao pacto histórico do qual Duque é crítico. 

Os protestos deixaram quatro mortos e cerca de 500 feridos.

Brutalidade policial

Em 2020, o descontentamento voltou junto com a rejeição à brutalidade policial. O assassinato de Javier Ordoñez, de 43 anos, em Bogotá, pelas mãos de agentes que o sujeitaram a punições violentas, desencadeou a ira dos manifestantes. 

A polícia, que durante o prolongado conflito armado interno foi muito popular, foi desta vez o foco dos protestos. 

As pessoas avançaram sobre mais de cinquenta postos policiais, que foram destruídos. 

Durante os dias de manifestação, 13 pessoas morreram na capital e arredores, a maioria jovens entre 17 e 27 anos que foram baleados. 

Centenas foram feridas por balas. A prefeitura de Bogotá denunciou que os policiais uniformizados atiraram indiscriminadamente contra civis. 

O governo pediu desculpas pelo excesso de força. Em abril de 2021, um dos policiais foi condenado a 20 anos de prisão pela morte de Ordóñez. 


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *