24/04/2024 - Edição 540

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Entidades costuram base de futura ‘Comissão da Verdade’ sobre pandemia

Publicado em 30/04/2021 12:00 -

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A pandemia leva entidades a criar uma comissão especial sobre pandemia e direitos humanos, cujo objetivo é estabelecer parâmetros para que o estado brasileiro institua políticas efetivas de responsabilização, memória e reparação às vítimas da pandemia de covid-19.

Alcançada essa meta, os grupos implicados na iniciativa acreditam que estaria criada a base para uma espécie de Comissão da Verdade, com a função de garantir que um dos períodos mais trágicos da história recente do país seja alvo de um processo de reparação e para que a memória do que está ocorrendo não seja distorcida ou manipulada.

A iniciativa é do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), um órgão colegiado que tem por finalidade a promoção e a defesa dos direitos humanos no Brasil. A entidade é formada por 11 representantes da sociedade civil e 11 do poder público, incluindo a Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais do Ministério Público dos estados e da União (CNPG) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Com mais de 400 mil mortes, o Brasil é um dos países mais atingidos do mundo, com repercussões que poderão levar anos para serem superadas. Para lidar com o impacto social, o Conselho criou a comissão especial sobre pandemia.

Agora, o grupo vai além e mergulha em um trabalho para garantir que a memória e reparação nesse período sejam avaliadas.

A comissão irá organizar oitivas, fará missões a locais e planeja seminários com especialistas para lidar com o tema. As populações mais vulneráveis também serão ouvidas para que possam relatar como viveram a crise. Informes do Tribunal de Contas da União e documentos objetivos por meio da Lei de Acesso à Informação também formarão parte do levantamento.

O que o grupo quer saber é o que foi feito e onde houve omissão, traçando paralelos com outras violações de direitos humanos e a responsabilidade do estado.

A previsão é de que os trabalhos sejam realizados até o final de 2022, com a meta de avaliar a crise do ponto de vista dos direitos humanos, examinar violações sistemáticas do estado e pensar em parâmetros para responsabilidades e política de restauração, reparação e memória.

Um dos objetivos é o de criar condições para que sejam estruturadas políticas públicas capazes de restituir às pessoas afetadas o patamar anterior à agressão. Isso inclui tanto a questão de saúde, como cuidados médicos prolongados e assistência social, como oportunidades no campo do trabalho.

Preservar a Memória

Um segundo eixo do trabalho será o de garantir a preservação da memória deste momento. Para Rogério Giannini, um dos conselheiros do órgão, não pode haver no futuro a manutenção de narrativas minimizadoras ou francamente negacionistas, ameaçando reduzir o impacto que a pandemia teve ou relativizar os mortos.

"Não ter memória é um mecanismo muito eficiente para que repetições ocorram", argumenta o representante do Conselho. "Quando se tenta colocar uma pedra sobre um assunto, ele acaba voltando não apenas como memória, mas como sintoma", alerta Giannini, que representa no organismo o Conselho Federal de Psicologia.

"A pandemia precisa ser entendida como uma grande tragédia", diz. Para ele, há um esforço por parte de autoridades responsáveis em tratar a questão como "farsa" e criar "distrações".

O trabalho poderá envolver até mesmo o questionamento sobre subnotificações de casos e de mortes pela pandemia. "A sociedade e cada família ou pessoa tem o direito de saber, para que tenhamos a real dimensão da pandemia e para que se possa inclusive acessar políticas de cuidado e reparação", afirmou Giannini, psicólogo e que atua em saúde e educação em Direitos Humanos.

Em sua avaliação, uma das respostas é a de construir redes na sociedade para possibilitar que cada pessoa possa expôr sua experiência de perda e desamparo e ao mesmo tempo possa ser acolhida, criando a percepção de que há uma dimensão coletiva e social. "Para além da simples fatalidade", explicou.

O conselheiro ainda defende que se estabeleça uma espécie de memorial da pandemia, como outro gesto para impedir que se naturalize a crise e que permita à sociedade gerar mecanismos de prevenção, impedindo que calamidades correlatas ocorram no futuro.

Por fim, há uma crescente preocupação com a questão dos efeitos da pandemia a longo prazo, os de ordem mais geral e os diretamente vinculados às pessoas que tiveram a doença e desenvolveram sequelas. Para o grupo, políticas assistenciais e de cuidado à saúde pelo SUS precisam ser estruturadas. "Infelizmente essa crise vai muita além das mortes", completa Giannini.

Denúncia em órgão internacional diz que negacionismo é estratégia no Brasil

As medidas adotadas pelo governo federal diante da pandemia da covid-19 não foram frutos do acaso. Mas sim de uma política deliberada. Essa é uma das conclusões do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, que encaminhou à presidenta da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, Antonia Urrejola, o documento com denúncias sobre a situação no país.

O informe foi submetido depois que a Comissão ligada à OEA realizou uma primeira audiência sobre a crise brasileira, no dia 12 de abril.

O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) é um órgão colegiado que tem por finalidade a promoção e a defesa dos direitos humanos no Brasil. A entidade é formada por 11 representantes da sociedade civil e 11 do poder público, incluindo a Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais do Ministério Público dos estados e da União (CNPG) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

A pressão internacional ocorre às vésperas do início da CPI no Brasil, colocando o governo sob forte pressão.

No palco internacional, o objetivo das entidades é de que organismos façam também uma avaliação do que ocorre no país e que possam dar suas recomendações ao estado brasileiro.

"O conjunto de fatos e análises narrados nos permite concluir que o governo federal, principalmente pelo seu Ministério da Saúde, adotou o negacionismo como estratégia de lidar com a pandemia, executando de forma sistemática ações ao largo dos conhecimentos científicos existentes e deixando de absorver os avanços ocorridos durante o próprio estado de emergência pandêmica instaurado", diz o documento, obtido pela coluna com exclusividade.

"Não foram erros pontuais ou falhas por desconhecimento ou falta de expertise necessária, mas um conjunto de ações e opções deliberadas, conscientes e coerentes, cujo resultado até agora são números estarrecedores. Hoje as mortes chegam perto de 400 mil e os casos confirmados, oficialmente, mais de 14 milhões", informa o conselho.

O documento trata das relações entre ação e omissão do Estado brasileiro e o cenário de violação a direitos humanos na crise sanitária da covid-19. Segundo o Conselho, estabeleceu-se no governo federal um "conflito na condução do enfrentamento crise sanitária, com tensionamento entre as decisões do Ministério da Saúde e do chefe do Executivo, o que impactou – e ainda impacta – no conjunto das ações tomadas ou negligenciadas".

"Um discurso era nitidamente negacionista, que emanava do próprio presidente da República, Jair Bolsonaro, que desde o início minimizou a gravidade da doença e depois foi incorporando novos repertórios que iam no mesmo sentido, com um conjunto de posturas desde a recusa de medidas isolamento social até a divulgação de medicações para tratamento da doença sem comprovação científica", explica.

O documento citas as diversas trocas da pasta da Saúde e a nomeação de Eduardo Pazuello – "sem nenhuma experiência com saúde pública e sem formação esperada para a função". Outros itens alertados incluem o fato de que nunca foi efetivado um comitê gestor nacional ou gabinete de crise da pandemia, a falta de oxigênio inicialmente ocorrida em Manaus e ampliada para diversos estados, a escassez de insumos para o intubação, a abundância de cloroquina e outras drogas conhecidas como "kit-covid", utilizadas para um tratamento precoce da covid-19 sem evidências científicas.

A denúncia também cita a falta de planejamento na campanha de imunização. O documento aponta para as "lacunas na elaboração de um plano geral de vacinação, com detalhamento de quantidades, prazos e outras providências".

"A própria vacinação, que avança de forma lenta e restrita na imunização de grupos prioritários, encaixa-se na lógica da 'imunidade de rebanho', na medida que protege os chamados vulneráveis, deixando os demais sujeitos à infecção. Segue essa mesma lógica a ausência de medidas efetivas e de grande alcance de distanciamento social, sistematicamente atacadas pelo chefe de estado brasileiro", analisa o Conselho.


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