25/04/2024 - Edição 540

Poder

Na área ambiental, Bolsonaro teria de virar ex-Bolsonaro para seduzir Biden

Publicado em 16/04/2021 12:00 -

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Começa no próximo dia 22 a Cúpula do Clima, organizada por Joe Biden. Com uma semana de antecedência, Bolsonaro enviou uma carta de sete páginas ao presidente dos Estados Unidos. Nela, Bolsonaro escreve coisas diferentes de tudo o que seu governo vem fazendo na área do meio ambiente desde que tomou posse. O presidente brasileiro soa na carta como um ambientalista modelo, disposto a trabalhar em parceria com a comunidade internacional, as ONGs e os indígenas. Compromete-se inclusive com a meta de zerar o desmatamento ilegal até 2030.

Bolsonaro sustenta que o Brasil realiza um esforço de preservação tão notável que "merece ser justamente remunerado pelos serviços ambientais que seus cidadãos têm prestado ao planeta". Insinua que espera contar com o dinheiro do contribuinte americano. É muito boa essa tese de que o resto do mundo precisa contribuir financeiramente com a preservação da floresta amazônica. Mas ninguém investe dinheiro naquilo em que não confia. E o Brasil fez um grande esforço para se tornar inconfiável.

Além de desmontar o aparato de fiscalização ambiental, a gestão Bolsonaro rasgou dinheiro. Quando os governos da Noruega e Alemanha, preocupados com os rumos da política ambiental brasileira, suspenderam doações para o Fundo Amazônia, Bolsonaro deu de ombros: "Podem fazer bom uso dessa grana, o Brasil não precisa disso", ele disse na época. Alguém poderia ponderar: "Que bom! O presidente evoluiu." O problema é que os fatos não ajudam.

No mesmo dia em que Bolsonaro escreveu para Biden, o Superintendente da Polícia Federal no Amazonas, Alexandre Saraiva protocolou no Supremo Tribunal Federal (STF) uma notícia-crime pedindo a abertura de inquérito contra o ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente. Acusa-o de se associar a madeireiros pilhados na maior apreensão de madeira ilegal da história.

Saraiva não é nenhum comunista. É um delegado que já participou até de live ao lado de Bolsonaro. O governo decidiu afastá-lo da chefia da PF no Amazonas. Nesse contexto, mais do que escrever cartas, Bolsonaro teria de provar que virou uma espécie de ex-Bolsonaro para atrair dinheiro estrangeiro para projetos ambientais no Brasil.

Pose ambiental de Bolsonaro para Biden é desmentida pela PF no Supremo

O governo produziu dois documentos paradoxais. Num, Bolsonaro fez pose de ambientalista de mostruário, inimigo do desmatamento ilegal. Noutro, Ricardo Salles, ministro de Bolsonaro para o Meio Ambiente, foi apresentado como protetor de madeireiros criminosos.

A uma semana da Cúpula de Líderes sobre o Clima, capitaneada pelos Estados Unidos, Bolsonaro endereçou a Joe Biden carta de sete páginas. Fez afagos e promessas: "Queremos reafirmar nesse ato, em inequívoco apoio aos esforços empreendidos por V. Excelência, o nosso compromisso em eliminar o desmatamento ilegal no Brasil até 2030."

Simultaneamente, Alexandre Saraiva proptocolava protocolava a notícia-crime em que acusa o ministro antiambiental do governo Bolsonaro de aliar-se a desmatadores pilhados na maior extração de madeira de todos os tempos. Coisa de 200 mil metros cúbicos de toras. A mercadoria foi estimada em R$ 129 milhões.

Na correspondência enviada a Biden, Bolsonaro anotou que o combate ao desmatamento exigirá "recursos vultosos". A certa altura, deu a impressão de passar o pires: o Brasil espera contar com "todo apoio possível, tanto da comunidade internacional, quanto de governos, do setor privado, da sociedade civil e de todos os que comungam desse nobre objetivo."

Na notícia-crime ajuizada na Suprema Corte, o delegado federal solicita a abertura de investigação para apurar a suspeita de envolvimento de Salles em três crimes: dificultar a ação fiscalizadora do Poder público no meio ambiente, exercer advocacia administrativa e integrar organização criminosa.

Bolsonaro não gosta de ler jornais. Mas o pessoal da embaixada americana gosta. Joe Biden logo receberá informes sobre o noticiário em que o ministro brasileiro do Meio Ambiente é retratado pela Polícia Federal como benfeitor de criminosos. Um personagem que, em vez de apoiar a investigação, "sinalizou sua preferência ao lado de empresários responsáveis por grave degradação ambiental."

Num ambiente assim, em que o presidente brasileiro diz uma coisa e seu ministro é acusado de praticar o contrário, é improvável que Joe Biden se anime a aplicar recursos do contribuinte americano no programa de desmatamento de Bolsonaro.

O cotidiano de um político é uma sucessão de poses. Todo político é meio viciado em pose. Cada gesto, cada palavra do político é uma pose. Mas o que Bolsonaro não consegue compreender é que um político não pode ser feito apenas de pose. É preciso que por trás da pose exista uma noção qualquer de honradez.

Lobos no galinheiro

A decisão do comando da corporação de trocar Saraiva ocorreu um dia após ele encaminhar a notícia-crime ao STF e ao Ministério Público Federal (MPF) em que pede investigação contra o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que tem defendido empresários madeireiros alvos da operação da PF no Amazonas na maior apreensão de madeira ilegal da história. Embora protocolada ontem, a notícia-crime estava sendo elaborada desde o dia 10.

“Minha função é investigar. Foi o que eu fiz aqui durante esses anos”, disse Saraiva. “Não fiz concurso para superintendente, fiz para delegado”, completou, lembrando que foi superintendente em outros estados, como Roraima e Maranhão. Em princípio, o caso envolvendo a apreensão das madeiras continua com Saraiva, mesmo com a saída dele do comando da PF do Amazonas.Ele será substituído no cargo pelo braço-direito dele no órgão, o delegado Leandro Almada.

O atrito entre o superintendente da PF no Amazonas e Salles começou a partir da Operação Handroanthus GLO, deflagrada em dezembro do ano passado, divulgada como a maior apreensão de madeira ilegal da história do país. O volume de toras encontradas chegou a 226.760 metros cúbicos, cujo valor foi estimado pela PF em pouco mais de 129 milhões de reais. 

A ação gerou reclamação de empresários que se apresentaram como donos de parte da carga e que conseguiram apoio do ministro do Meio Ambiente. Salles se reuniu com os madeireiros, passou a defendê-los em público e viajou com recursos públicos duas vezes a um dos locais de apreensão no Pará, onde encampou a versão dos empresários em detrimento da apuração da PF. Disse que foram apresentados documentos que indicam a origem legal da madeira, ao contrário do que aponta a investigação da corporação no Amazonas encabeçada por Saraiva. Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, o superintendente chegou a responder às críticas do ministro e afirmou que a PF “não vai passar boiada”. Salles, por sua vez, disse que uma “demonização” indevida do setor contribuiria para aumentar o desmatamento ilegal.

Na notícia-crime encaminhada ao STF, Saraiva afirma que “o setor madeireiro iniciou a formação de parcerias com integrantes do Poder Executivo” na tentativa de “causar obstáculos à investigação de crimes ambientais e de buscar patrocínio de interesses privados e ilegítimos perante a Administração Pública”. Para o delegado, há  indícios de que Salles incorreu em advocacia administrativa, quando o agente público patrocina, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário.

O instrumento da notícia-crime é usado para alertar uma autoridade da ocorrência de um ilícito. Com base no que Saraiva apresentou, o STF deverá decidir se abre a investigação contra Salles. No documento, o superintendente da PF no Amazonas pede apuração também contra as condutas do senador Telmário Mota (PROS-RR) e o presidente do Ibama, Eduardo Bin.


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