26/04/2024 - Edição 540

Poder

Um presidente assombrado pelo fantasma do impeachment

Publicado em 16/04/2021 12:00 -

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Se não bastassem os problemas que ele mesmo cria em volume considerável, além dos naturais que costumam afligir qualquer governante, o presidente Jair Bolsonaro ganhou mais um de bom tamanho que certamente lhe subtrairá o sono até que se resolva.

A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, deu um prazo de cinco dias para que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), explique por que não aceitou até agora nenhum dos pedidos de processo de impeachment contra Bolsonaro.

São mais de 60 pedidos que repousam numa gaveta desde quando Rodrigo Maia (DEM-RJ) era o presidente da Câmara. Outros quatros foram arquivados pelo não cumprimento de formalidades. Maia sempre disse que não era a hora de examiná-los.

Lira, eleito presidente da Câmara contra a vontade de Maia, pensa a mesma coisa. A seu juízo, e por falta de conveniência no momento, o melhor é que fiquem adormecidos. A acordarem, só quando o governo estiver caindo pela tabela, o que ainda não está.

Foi por pensar nessa mesma linha que Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado, havia deixado sem resposta o pedido de instalação da CPI da Covid, um direito da minoria parlamentar reconhecido pela Constituição.

Até que, na semana passada, o ministro Luís Roberto Barroso mandou que a CPI fosse instalada. O plenário do Supremo confirmou a ordem de Barroso. O requerimento de instalação foi lido em sessão do Senado, e indicados os 11 membros da CPI.

Há, de fato, um vácuo na legislação sobre o impeachment. Não cabe ao presidente da Câmara arquivar pedidos a seu gosto, mas não há prazo para que delibere a respeito. Se arquivar, abre brecha para que um recurso seja interposto e o plenário consultado.

O vácuo na legislação poderá ser preenchido se Cármen Lúcia determinar o exame dos pedidos de impeachment acumulados. É isso o que teme Bolsonaro e que o fez reagir na live semanal das quintas-feiras nas redes sociais. Bravateou: “Eu não quero me antecipar e falar o que acho sobre isso, mas digo uma coisa: só Deus me tira da cadeira presidencial e me tira, obviamente, tirando a minha vida. Fora isso, o que estamos vendo acontecer no Brasil não vai se concretizar. Mas não vai mesmo”.

Como cristão fervoroso que fez questão de se batizar nas águas do rio Jordão, Bolsonaro está cansado de saber que Deus concedeu ao homem o livre arbítrio. Pode observar tudo à distância segura, mas não se mete. Bolsonaro cairá ou não independente dele.

A frase “só Deus me tira da cadeira presidencial” é nada. Impor a Deus a condição de só tirá-lo da presidência tirando antes sua vida é escárnio com Deus. Bolsonaro não foi esfaqueado porque Deus deixou, nem Getúlio Vargas suicidou-se porque Deus quis.

Bolsonaro sente que o cerco se estreita em torno dele, e que talvez não se reeleja no ano que vem. É difícil, mas já não é mais impossível que seu mandato acabe abreviado. A culpa, a máxima culpa será sua, somente sua, e de mais ninguém.

Resposta

O prazo estabelecido pela magistrada é em resposta a um mandado de injunção feito pelo advogado Ronan W. Botelho que afirma haver uma lacuna na legislação ao não se estabelecer um prazo para abertura dos processos de impeachment. O deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) e o vereador paulista Paulo Rubinho Nunes, ambos integrantes do MBL, também entraram com um recurso semelhante junto ao STF. A ação feita por eles ainda não foi analisada pela relatora Cármen Lúcia.

No pedido, Botelho argumenta que a lacuna é um um "grande erro jurídico" na legislação e acaba por permitir que os processos de impeachment tenham andamento quando o presidente da mesa "bem quiser". Para ele, isso tem permitido a utilização dos processos como uma ferramenta de interesses políticos.

Ele alega ainda que a não abertura do processo pode ser compreendida como o cometimento do crime de prevaricação, que é quando uma pessoa cumprindo função pública deixa de realizar o seu dever. Segundo Botelho, caso Lira não se explique pode ser configurada "omissão".

"A falta de uma regra clara para o devido processo legal nos processos de impeachment, seja de ministro do STF, seja de presidente, é proposital, porque as duas Casas legislativas ficam com as armas nas mãos. O Senado mantém o judiciário sob sua guarda com ameaças de impeachment [contra ministros] e a Câmara Federal contra o Executivo", explica.

O mandado de injunção funciona como um projeto de lei que parte do judiciário para preencher alguma eventual lacuna existente na legislação. Quando o mandado é acatado, o poder legislativo é cobrado pelo Judiciário para que crie uma legislação, preenchendo a lacuna vigente até aquele momento. Nesse caso, o STF é provocado a exigir que o Legislativo crie regras mais claras sobre o andamento de processos de impeachment, que até o momento não tem prazo de abertura definido.


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