20/04/2024 - Edição 540

Poder

Há quase 350 mil motivos para realizar a CPI da Covid

Publicado em 09/04/2021 12:00 -

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Finalmente, surgiu um empreendimento que Bolsonaro gostaria de manter fechado na pandemia. Depois de passar mais de um ano questionando medidas restritivas adotadas pela "turma do fecha tudo", o presidente da República aderiu à forma mais draconiana de confinamento. Quer impor um lockdown à CPI da Covid.

"A que vai levar a abertura da possível CPI?", questionou Bolsonaro numa entrevista noturna à CNN, defronte do Alvorada. Em geral, CPIs dão em nada. Ou em muito pouco. Mas costumam balançar o coreto de autoridades, espanando-lhes a reputação. Os sensatos aprendem com a exposição dos erros. Os imprudentes entram em processo de autocombustão.

Autoconvertido numa espécie de zagueiro do governo Bolsonaro, o ministro Fábio Faria (Comunicações) correu à grande área das redes sociais para espinafrar a decisão do magistrado Luís Roberto Barroso, do Supremo, que ordenou ao Senado a abertura da CPI. Faria disse que os esforços deveriam estar concentrados em combater a Covid e vacinar os brasileiros. Declarou que a hora é de união, não de politização e de caos.

A manifestação do ministro apenas reforça a impressão de que Bolsonaro e seu governo serão os principais fornecedores de matéria-prima para a investigação parlamentar.

De fato, as energias do país deveriam estar concentradas na vacinação. O diabo é que faltam vacinas. Bolsonaro demorou a comprar. Com seu negacionismo crônico, o presidente dedica-se a produzir provas contra si mesmo.

A união nacional seria aconselhável. Mas Bolsonaro transformou o tiro em governadores e prefeitos no seu esporte predileto. A escalada de mortos por covid, a escassez de vacinas e a fila de doentes na UTI são evidências de que caos não falta.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, infelizmente é contra a CPI. "É um ponto fora da curva", ele diz. "Pode ser o coroamento do insucesso nacional do enfrentamento da pandemia."

Pacheco é advogado, não professor de geometria. Deveria preocupar-se com a Constituição. Será divertido observar se o senador aproximará a curva do ponto, prestigiando a investigação da Casa que preside, ou se trabalhará para puxá-lo de volta, fornecendo blindagem ao inquilino do Planalto.

Pode ser, no entanto, que sua opinião mude. Em entrevista ao jornal Folha de SP, nesta sexta (9), Pacheco disse que não mexerá "um milímetro" para impedir a atuação da CPI da Covid, embora diga ser contrário à sua instalação neste momento. "Uma vez instalada, vou permitir todas as condições que funcione bem e chegue as conclusões necessárias", afirmou. "Aliás é muito importante que ela cumpra sua finalidade na apuração de responsabilidades"​, disse.​

Na entrevista, Pacheco disse ainda que o presidente Jair Bolsonaro "não contribui" com seu discurso negacionista. "Para bom entendedor, um pingo é letra. Quando ele [Bolsonaro] prega qualquer tipo de negacionismo, eu vou criticar o negacionismo e consequentemente estou criticando a fala dele", disse. Pacheco nega que o Congresso esteja sendo omisso em relação à atuação do governo Bolsonaro na pandemia e aponta o que considera "erros praticados até agora".

A contrariedade de Bolsonaro confere à CPI que será instalada por ordem do ministro Luís Roberto Barroso uma aparência de atividade essencial —insuscetível, portanto, de paralisação ou protelação.

Barroso foi ao ponto no seu despacho: "O perigo da demora está demonstrado em razão da urgência na apuração de fatos que podem ter agravado os efeitos decorrentes da pandemia da Covid-19".

Não foi o ministro do Supremo quem mandou instalar a CPI. Barroso apenas deu voz à Constituição. Preenchidas as exigências constitucionais —apoio de um terço dos senadores, definição do fato a ser investigado e prazo de duração— a instalação da CPI é um direito da minoria parlamentar. Este é um ponto incontroverso. Sem curvas.

350 mil motivos

O cenário fúnebre ornamentado pelas quase 350 mil mortes por covid justifica a abertura de uma CPI sobre as ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia. A operação montada pelo Planalto para evitar a CPI reforça a sua necessidade. É constrangedor que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, tenha de instalar por ordem do Supremo uma investigação parlamentar que não deflagrou por excesso de subserviência ao Planalto.

O pedido de CPI foi subscrito por 31 senadores, mais do que os 27 exigidos pelo regimento. Operadores do Planalto tentavam desde fevereiro convencer cinco senadores a retirarem suas assinaturas do requerimento. O fracasso das investidas evidencia a fragilidade da base de apoio legislativo do governo no Senado. Pacheco acionou a gaveta. Mas sabia, porque é advogado, que cometia uma inconstitucionalidade.

Cumpridas as exigências da Constituição —número mínimo de apoiadores, definição do fato a ser investigado e prazo de funcionamento da comissão— a CPI é um direito da minoria parlamentar. No despacho em que ordenou a instalação da comissão, o ministro Luís Roberto Barroso esclareceu que não cabe ao presidente da Casa legislativa desenvolver o que Pacheco chamou de juízo de conveniência sobre o momento mais adequado para iniciar uma Comissão Parlamentar de Inquérito.

"Trata-se de garantia que decorre da cláusula do Estado Democrático de Direito e que viabiliza às minorias parlamentares o exercício da oposição democrática", escreveu Barroso. "Tanto é assim que o quórum é de um terço dos membros da Casa legislativa, e não de maioria. Por esse motivo, a sua efetividade não pode estar condicionada à vontade parlamentar predominante."

Começa agora um espetáculo que costuma preceder todas as CPIs. O Planalto tentará recrutar uma milícia parlamentar para compor maioria na CPI. Nesse estágio, a banda bandalha do Legislativo não perde por esperar. Ganha. Com 27 anos de experiência parlamentar, o ex-deputado Bolsonaro sabe que precisará de remédios mais eficazes do que a cloroquina: cargos e verbas.

Bolsonaro acusa Barroso de 'militância política' e cobra impeachment de ministros

Reagindo ao revés, o presidente acusou Barroso de "militância política" e "politicalha". Em postagem nas suas redes sociais, o presidente afirmou que falta "coragem moral" ao ministro por se omitir de também ordenar a abertura de processos de impeachment contra integrantes da Corte.

"A CPI que Barroso ordenou instaurar, de forma monocrática, na verdade, é para apurar apenas ações do governo federal. Não poderá investigar nenhum governador, que porventura tenha desviado recursos federais do combate à pandemia", postou Bolsonaro em suas redes sociais. "Barroso se omite ao não determinar ao Senado a instalação de processos de impeachment contra ministro do Supremo, mesmo a pedido de mais de 3 milhões de brasileiros. Falta-lhe coragem moral e sobra-lhe imprópria militância política."

Ao falar com apoiadores, na saída do Palácio da Alvorada, Bolsonaro adotou um tom ainda mais duro, e acusou o magistrado de promover uma "jogadinha casada" com a oposição ao seu governo. "Uma jogadinha casada entre Barroso e bancada de esquerda do Senado para desgastar o governo. Eles não querem saber o que aconteceu com os bilhões desviados por alguns governadores e uns poucos prefeitos também", afirmou o presidente. 

"Barroso, nós conhecemos seu passado, sua vida, como chegou ao Supremo Tribunal Federal, inclusive defendendo o terrorista Cesare Battisti (italiano extraditado em 2019 após ser condenado por homicídios em seu país). Use a sua caneta para boas ações em defesa da vida e do povo brasileiro, e não para fazer politicalha dentro do Supremo", completou o presidente, cobrando a abertura de impeachment contra ministros da Corte.

Barroso rebate

O ministro Luís Roberto Barroso rebateu a afirmação do presidente Jair Bolsonaro de que sua decisão foi política. Afirmou que seu entendimento se baseou na jurisprudência do Supremo e que consultou todos os colegas antes de tomar a decisão.

"Na minha decisão, limitei-me a aplicar o que está previsto na Constituição, na linha de pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, e após consultar todos os ministros. Cumpro a Constituição e desempenho o meu papel com seriedade, educação e serenidade. Não penso em mudar", afirma.

Antes da declaração de Barroso, o Supremo já havia emitido uma nota sobre o assunto. O texto não menciona Bolsonaro, mas afirma que contestações a decisões judiciais devem ser feitas pelos procedimentos oficiais adequados.

“O STF reitera que os ministros que compõem a corte tomam decisões conforme a Constituição e as leis e que, dentro do Estado democrático de Direito, questionamentos a elas devem ser feitos nas vias recursais próprias, contribuindo para que o espírito republicano prevaleça em nosso país”, diz a nota.

Preocupado

A criação da CPI da Covid preocupa Bolsonaro por aprofundar o desgaste do governo em um momento de queda de popularidade de Bolsonaro e de agravamento da pandemia. Uma vez criada, a comissão poderá convocar autoridades para prestar depoimentos, quebrar sigilo telefônico e bancário de alvos da investigação, indiciar culpados e encaminhar pedido de abertura de inquérito para o Ministério Público.

Conforme dados reunidos pelo consórcio de veículos de imprensa, divulgados na noite de quinta (8), o Brasil registrou 4.190 novas mortes em decorrência da covid-19 nas últimas 24 horas. O número é equivalente a 174 mortes por hora. Foi a segunda vez que o País superou a marca de 4 mil vítimas em um único dia. O total de mortes na pandemia chegou a 345.287. 

A reação agressiva de Bolsonaro contra Barroso remete aos embates ocorridos no ano passado, quando o STF impôs diversas derrotas ao Palácio do Planalto, revogando atos e até a tentativa de nomear o delegado Alexandre Ramagem, amigo da família presidencial, como diretor-geral da Polícia Federal. A nomeação foi anulada na época pelo ministro Alexandre de Moraes.

O Supremo já abriu uma investigação relacionada à atuação do governo na pandemia. Um inquérito apura se houve omissão do então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, na crise que levou o sistema de saúde de Manaus (AM) ao colapso no início do ano, quando pacientes morreram asfixiados por falta de estoque de oxigênio nos hospitais. O caso foi enviado para a Justiça Federal do Distrito Federal após Pazuello deixar o cargo e perder o foro privilegiado.

Pedido da oposição

A decisão de Barroso atendeu a pedido formulado pelos senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Jorge Kajuru (Cidadania-GO), que contestaram a inércia de Pacheco, que segurou por 63 dias o requerimento pelo início da investigação. Eles reuniram a assinatura de 32 parlamentares em apoio à CPI, mais do que o mínimo de 27 assinaturas necessárias.  

“O perigo da demora está demonstrado em razão da urgência na apuração de fatos que podem ter agravado os efeitos decorrentes da pandemia da covid-19”, observou Barroso em sua decisão. “Ressalto que é incontroverso que o objeto da investigação proposta, por estar relacionado à maior crise sanitária dos últimos tempos, é dotado de caráter prioritário”, disse. O ministro submeteu a liminar para análise dos demais integrantes da Corte. O julgamento está previsto para começar no dia 16 de abril no plenário virtual do STF, uma ferramenta digital que permite julgar sem que os ministros se reúnam presencialmente.

Um ministro do Supremo ouvido reservadamente pela reportagem concordou com a decisão de Barroso e avaliou que a posição pacífica do Supremo é de que é direito da minoria a abertura de uma CPI, se ela tiver objeto específico e um terço de assinaturas, como houve.

O decano da Corte, ministro Marco Aurélio Mello, considerou a medida “importantíssima”. “Porque precisamos realmente apurar a responsabilidade quanto ao procedimento, quanto ao atraso em tomada de providências.”

ENTENDA A INVESTIGAÇÃO CONTRA O GOVERNO BOLSONARO NO SENADO

Por que o STF ordenou a abertura da CPI?

O ministro Luís Roberto Barroso, do STF, determinou a abertura da CPI após ser provocado pelos senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Jorge Kajuru (Cidadania-GO), que contestavam a demora do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), de abrir a investigação apoiada por 32 senadores – mais que o mínimo necessário, de 27.

O plenário do STF terá de referendar a decisão de Barroso?

Sim, o ministro já submeteu a liminar que concedeu ao plenário virtual da Corte. Dessa forma, os demais ministros serão convocados a manter ou derrubar a decisão.

Quais os próximos passos para que a CPI seja de fato instalada?

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, precisa fazer a leitura do requerimento em plenário para que a comissão seja criada. Em seguida, partidos indicam seus integrantes (11 titulares e 7 suplentes) e, uma vez instalada, são eleitos presidente e relator.

A comissão pode convocar autoridades, como ministros e até mesmo o presidente da República?

Sim, mas os integrantes da CPI devem apresentar requerimentos caso queiram convidar ou mesmo convocar autoridades a fornecer informações. Se forem aprovados, até mesmo o presidente pode ser convidado a falar, mas sem a obrigação de atender e nunca como investigado.    

Os senadores têm poder para quebrar sigilos fiscal ou telefônico dos investigados?

Sim, os senadores atuam como 'juízes' em uma CPI. Podem inquirir testemunhas, ouvir indiciados, requisitar informações oficiais e ainda pedir inspeções do Tribunal de Contas da União.   

Que tipo de material pode ser colhido ao longo da investigação?

Assim como podem convocar autoridades, a CPI pode requisitar documentos e determinar a realização de diligências, como visitas a gabinetes, unidades de saúde ou escritórios de fornecedores. 

Os senadores podem mandar prender suspeitos ou abrir processos?

Não, apenas investigar.

Que resultado pode ter a CPI?

Após aprovado internamente na comissão, o relatório final da CPI é enviado à Mesa Diretora para conhecimento do plenário. A depender da conclusão dos trabalhos, o documento pode gerar um projeto de lei e até mesmo ser remetido ao Ministério Público com pedido de responsabilização civil e criminal dos infratores.

Quanto tempo dura a CPI?

O prazo inicial é de 90 dias, que pode ser prorrogado pelo mesmo período.

Quem deve presidir e relatar a CPI?

Os nomes ainda não foram escolhidos. A expectativa, no entanto, é que os proponentes da apuração ocupem essas posições, como os senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Jorge Kajuru (Cidadania-GO).


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